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O iraniano Ibrahim Raisi, em encontro com Xi Jinping, na China, nesta semana
O iraniano Ibrahim Raisi, em encontro com Xi Jinping, na China, nesta semana| Foto: EFE/EPA/XINHUA/YAN YAN

O presidente do Irã, Ibrahim Raisi, iniciou uma visita de três dias à República Popular da China, na primeira visita de alto nível de uma liderança iraniana em quase duas décadas. Convidado por Xi Jinping, o diálogo entre Irã e China visa aprofundar a cooperação entre os dois países. Além disso, a visita permite olharmos para questões da política externa de cada um dos países, assim como para a atual conjuntura global.

A pedra fundamental do encontro é o acordo de cooperação de 25 anos assinado pelos dois países em março de 2021, em uma cerimônia em Teerã. O acordo prevê aprofundamento de relações políticas, econômicas e estratégicas e insere o Irã no projeto chinês de infraestrutura chamado de Nova Rota da Seda. Curiosamente, a Rota da Seda que ligava as duas civilizações, persa e chinesa, mais de dois mil anos atrás.

O acordo prevê até 400 bilhões de dólares em investimentos e expansão comercial, em uma média de dezesseis bilhões por ano. Isso não significa um montante direto, já que o “efeito cascata” de investimentos iniciais também afeta o montante final. E a cooperação econômica é o principal aspecto da visita de Raisi, especialmente investimentos chineses em projetos dentro do Irã.

Desacoplar e Ucrânia 

No contexto global, o acordo de cooperação e a visita se dão em um momento de crescente “desacoplar” entre China e EUA. A menção aos EUA é importante pois o Irã é alvo de diversas sanções por Washington. A aproximação entre Irã e China se intensificou após o acordo nuclear de 2016, que teve os chineses como um dos principais interessados, mediadores e garantidores.

Após o fim do acordo nuclear durante o governo Trump e a restauração de diversas sanções contra a economia iraniana, a aproximação sino-iraniana esfriou. O risco das sanções afetarem as empresas chinesas não valia tanto à pena. “Esfriar”, entretanto, não significa o fim. A aproximação continuou, apenas em velocidade menor do que a prevista quando da assinatura do acordo nuclear.

Com o “desacoplar” entre China e EUA, as sanções contra o Irã perdem parte de seu apelo de dissuasão contra investimentos chineses, com a possibilidade de outros mecanismos para contornar eventuais problemas. A assinatura do acordo de cooperação em 2021 ocorreu logo no início do governo Biden, como um trunfo chinês antes de qualquer eventual retomada do acordo nuclear, algo que ainda não ocorreu, se é que ocorrerá.

Questões nucleares são bastante sensíveis entre Irã e China e conversas desse tipo dificilmente serão confirmadas publicamente. É interessante ter em mente, por outro lado, que a cooperação nuclear sino-iraniana foi importantíssima em um passado recente, com a construção de reatores nucleares por empresas chinesas no Irã. Outro tema global a ser conversado entre os dois países é a guerra na Ucrânia.

O Irã é, hoje, importante fornecedor de munições e de drones para as forças armadas russas. A China, por sua vez, é aliada da Rússia, embora não existam registros de apoio ou fornecimento de armamento no contexto do atual conflito. Por outro lado, os drones iranianos usam alguns componentes de origem chinesa. É possível a expansão do apoio chinês às indústrias bélicas iranianas como maneira indireta de apoiar a Rússia.

Agendas regionais e nacionais 

Outra questão global na conversa entre os dois países é o petróleo, claro, com a China como grande comprador e o Irã como um grande exportador. Obras de infraestrutura financiadas pela China podem aumentar esse fluxo comercial. Regionalmente, o Afeganistão e seu governo Talibã são uma pauta em comum dos dois países, com o país servindo de “ponte terrestre” entre Irã e China.

Inclusive, no início de 2023, a China e o Talibã celebraram um acordo para exploração de petróleo, algo previsto aqui na coluna O Afeganistão no rumo de cair no colo da China, de agosto de 2021. Em termos regionais, as relações com a Índia também podem ser tema de conversas, embora não na mesma prioridade que o Afeganistão, já que o país da Ásia Central também poderia ser importante para maior intercâmbio comercial entre Irã e China.

Para o Irã, as relações com a China são a epítome da estratégia de focar no Extremo Oriente e na Ásia Central inaugurada por Raisi. O país ingressou no Pacto de Xangai em setembro de 2021 e realiza, desde 2019, exercícios navais anuais com Rússia e China na região do Oceano Índico. As relações entre Irã e Rússia também se encaixam nesse olhar, já que os dois países compartilham o mar Cáspio.

Outro aspecto importante é o dos recentes e violentos protestos no Irã. A maior parte dos países ocidentais condenou as ações do governo iraniano, enquanto a China manteve sua postura de não comentar “questões internas” dos países. Para o governo iraniano, a China seria um parceiro que não usaria questões de direitos humanos como meios de pressão internacional, ao contrário dos países europeus parte do acordo nuclear.

No lado chinês, a visita, além de todas as questões e oportunidades econômicas já citadas, também visa balancear suas relações na região do Oriente Médio. Em dezembro, Xi Jinping visitou a Arábia Saudita em sua primeira viagem após a pandemia, abrindo a primeira cúpula China-Conselho de Cooperação do Golfo, que reúne diversas monarquias árabes, a maioria delas com relações desconfiadas e distendidas com o Irã.

Convidar Raisi então demonstraria uma postura chinesa de manter uma equidistância na dinâmica do golfo Pérsico. Nesse tema, recentemente, na posse de Lula no Brasil, os representantes do Irã e Arábia Saudita mantiveram contato às margens do evento. Não é possível dizer se teremos uma nova ordem regional no golfo, mas o fortalecimento das relações sino-iranianas é certamente parte da nova ordem global.

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