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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa em uma sessão conjunta do Congresso enquanto a vice-presidente, Kamala Harris, e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, aplaudem| Foto: Melina Mara / POOL / AFP

Na última quarta-feira (28), o novo presidente dos EUA, Joe Biden, realizou seu primeiro discurso perante uma sessão conjunta do Congresso. Ele apresentou seus planos para a economia, para projetos de bem-estar social, para o comércio e para temas internacionais e de segurança, especialmente a relação com a China. Na mais recente coluna aqui no nosso espaço, comentamos sobre questões internas e referências históricas desse discurso. Agora, daremos uma olhada nas pautas internacionais e de segurança presentes na fala.

A principal referência externa foi a China. Como já mencionado aqui nesse espaço, e também no curso realizado pela Gazeta do Povo, é um erro achar que o governo Biden será muito diferente do governo Trump no que concerne à China. As mudanças serão mais no rótulo, não na substância. A mesma mistura de negociação com distanciamento, a mesma pressão para que aliados não adotem tecnologias chinesas em sua infraestrutura e a mesma flexão de músculos militares na região do Indo-Pacífico.

A diferença é que agora serão acompanhadas de declarações pedindo por conversas e comedimento, junto com as negociações que são necessárias entre duas potências desse tamanho. Por exemplo, questões climáticas, como na cúpula realizada na semana passada, ou em temas de segurança global, como o Irã. Mesmo na cooperação, entretanto, não se deve esperar uma amizade intensa e colorida, como Biden deixou claro nas diversas referências aos chineses em seu discurso.

“Os EUA estão seguindo em frente, mas não podemos parar agora. Estamos competindo com a China e outros países para ganhar o século XXI. Estamos num grande ponto de inflexão em nossa História”. Ao falar de seu projeto econômico de criação de postos de trabalho e o pacote trilionário de investimentos, Biden defendeu que “não existe motivo para que as hélices de turbinas eólicas não possam ser feitas em Pittsburgh e não em Pequim. Nenhum”. Ao citar a segunda maior cidade da Pensilvânia, Biden fez também um aceno ao estado onde venceu Trump por apenas 80 mil votos de diferença.

Relação pessoal 

Outra ligação entre a política doméstica e a relação com a China foi feita quando Biden lembrou aos congressistas que conviveu muito tempo com Xi Jinping, quando ambos eram vice-presidentes de seus países. “Não podemos estar tão ocupados competindo entre nós a ponto de esquecer a competição que temos com o resto do mundo para vencer o século XXI”. Ou seja, independente de republicanos, democratas e trumpistas, os congressistas precisam lembrar do compromisso perante o país.

“Passei muito tempo com o presidente Xi – viajei mais de dezessete mil milhas com ele; passei, dizem-me, mais de 24 horas em discussões privadas com ele. Quando ele ligou para me dar os parabéns, tivemos uma conversa de duas horas. Ele está ansioso para tornarem-se a nação mais significativa e importante do mundo. Ele e outros – autocratas – pensam que a democracia não pode competir com as autocracias no século 21 porque leva muito tempo para obter consenso.”

Ainda em relação aos chineses, Biden disse que buscará “garantir que todas as nações sigam as mesmas regras na economia global, incluindo a China”, uma referência não tão velada assim aos contenciosos sobre propriedade intelectual e manipulação cambial, dentre outros, que o governo dos EUA tem para com a China. O ponto mais agressivo do discurso foi também voltado ao relacionamento com a China. “Eu também disse ao presidente Xi que manteremos uma forte presença militar no Indo-Pacífico, assim como fazemos com a Otan na Europa – não para iniciar um conflito, mas para prevenir um”.

Afeganistão e terrorismo

Outro ponto que mereceu destaque no discurso de Biden foi a retirada das tropas dos EUA do Afeganistão, em que ele fez uma reflexão sobre o papel dos EUA no país, sobre a duração da guerra e também tentou demonstrar conexão entre ele e o espectador comum dos EUA, quando afirmou que “sou o primeiro presidente em quarenta anos que sabe o que significa ter um filho servindo numa zona de guerra”. Em relação ao conflito longevo, “hoje temos militares servindo no mesmo local que seus pais. Temos militares no Afeganistão que sequer eram nascidos no Onze de Setembro”.

Finalmente, que a guerra no Afeganistão não era para ser um “feito multigeracional de construção nacional”, mas que “fomos ao Afeganistão pegar os terroristas”, e que, como o país “pegou” Laden e destruíram a ameaça da al-Qaeda no Afeganistão, estaria na hora de sair. É importante lembrar que a al-Qaeda perdeu muita força no Afeganistão, mas não completamente, e que parte de sua queda local foi pela rivalidade com o Talibã, o principal grupo afegão e que não foi citado no discurso. Talvez por ser uma ameaça vindoura ao governo afegão, e o governo Biden sabe disso.

No mesmo contexto, Biden trouxe a preocupação com o terrorismo, que sofreu “metástase” desde o Onze de Setembro, com ameaças da al-Qaeda e do Daesh, vindos do Iêmen, da Síria, da Somália e outros lugares “na África, no Oriente Médio e além”. Curiosamente, Biden não citou a Líbia, um dos epicentros de instabilidade no mundo atual. Talvez pelo fato disso ser consequência direta das ações irresponsáveis realizadas pelo governo do qual fez parte? Talvez, somente perguntando para ele.

O presidente dos EUA, ao falar sobre terrorismo, também afirmou que “não vamos ignorar o que nossas agências de inteligência determinaram ser a ameaça terrorista mais letal à pátria hoje: a (ideologia) supremacia branca é terrorismo. Não vamos ignorar isso também”. Essa é uma observação que já foi trazida aos leitores desse espaço, que os serviços de inteligência dos EUA classificam grupos racistas e anti-governo federal do sul como a maior ameaça terrorista que existe ao país.

Outros temas

Além da China, outro país que mereceu atenção específica foi a Rússia, com Putin citado nominalmente. Biden defendeu as sanções dos EUA contra a Rússia, afirmou que não serão toleradas provocações e ciberataques, mas que “também podemos cooperar quando é do nosso interesse mútuo. Fizemos isso ao estender o Tratado Novo START sobre armamento nuclear e faremos isso sobre as mudanças climáticas”. O clima foi o motivo da citação, passageira, da Índia e da União Europeia.

Dois temas fecham as pautas internacionais do discurso. As menções aos programas nucleares do Irã e da Coreia do Norte, “sérias ameaças à segurança dos EUA e do mundo”, com Biden afirmando que o país vai trabalhar com seus aliados para lidar com essas ameaças, “pela diplomacia ou pela dissuasão". Dois temas que, inclusive, dificilmente seriam solucionados sem a colaboração entre EUA e China.

O outro tema foi o Triângulo do Norte da América Central, os países Guatemala, Honduras e El Salvador, origem da maioria das pessoas que tentam entrar de maneira irregular nos EUA. Biden defendeu suas políticas migratórias, mas afirmou a necessidade do país lidar com os problemas “na origem”, já que essas pessoas estão fugindo da “violência, da corrupção, das gangues e da instabilidade política, da fome, dos furacões, dos terremotos, os desastres naturais”. Curiosamente, assim como nas relações com a China, imigração é outro tema em que não se deve esperar muita diferença entre Biden e Trump.

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