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coronavírus oriente médio
Trabalhadores sanitários iranianos desinfetam o santuário Masumeh, em Qom| Foto: MEHDI MARIZAD / FARS NEWS AGENCY / AFP

Os últimos dias foram bastante agitados por todo o Oriente Médio. Coronavírus (que causa uma doença respiratória batizada de Covid-19), queda de governo, morte de uma figura histórica. Sem mencionar as eleições israelenses, tema da mais recente coluna desse espaço cujos resultados serão publicados hoje. Cabe um giro pela região e, no propósito da coluna, ir além do factual e pensarmos também no que cada um desses eventos significa.

Um capítulo da história do Egito

No Egito, faleceu Hosni Mubarak, na última terça-feira, aos 91 anos. Mubarak foi a pessoa que governou o Egito por mais tempo desde a independência em 1922; seu governo durou de 1981 a 2011. De herói de guerra e presidente por aclamação, encerrou seus dias como ditador derrubado por uma revolução popular, a primeira no Egito desde 1952.

Mubarak sucedeu Anwar Sadat, assassinado por integrantes da Irmandade Muçulmana por ter feito a paz com Israel. Seu longínquo tempo de governo fez com que muitas pessoas interpretassem Mubarak como um fenômeno próprio, único, o que está longe da verdade. Mubarak foi mais um capítulo do livro, não a obra.

Sua política interna continuou as bases desenvolvimentistas enraizadas por Nasser; investimentos públicos dominaram a economia, focada em obras de infraestrutura e programas de moradia. O pensamento pan-árabe também continuou, apoiando o Iraque contra o persa Irã e, posteriormente, apoiando a independência kuwaiti contra a invasão pelo regime de Saddam Hussein.

Ele também manteve a paz com Israel, mesmo à contragosto, e continuou a política de aproximação com os Estados Unidos. Principalmente, o governo de Mubarak manteve o controle do Estado egípcio nas mãos das forças armadas, seculares, contra os movimentos islamistas, especialmente a Irmandade Muçulmana, a maior antagonista do Egito pós-Nasser.

O autoritarismo e o Estado policial não eram características de Mubarak, mas desse pensamento presente nas castas militares egípcias: um governo autoritário é justificado para impedir a expansão da Irmandade. Não à toa, sua queda foi causada por uma revolução conduzida pela Irmandade Muçulmana. Seu governo foi sucedido por Mohamed Morsi, o único presidente egípcio eleito pelo voto; Morsi era um integrante da Irmandade. E o que aconteceu com ele, após uma tentativa de reforma constitucional?

Foi derrubado pelo general Abdel Fattah al-Sisi. O nome não é estranho pois trata-se do atual presidente egípcio, que manteve o controle militar do país. Mubarak foi derrubado como ditador, foi execrado na opinião pública, teve seus esquemas de enriquecimento expostos em julgamentos. Mesmo com tudo isso, al-Sisi ordenou honras militares para Mubarak. Ambos são capítulos do mesmo livro. Essa era a mensagem para o público.

Guerra civil no Iraque?

Em outro país árabe, o Iraque, a situação continua tensa e dividida. Em Outubro de 2018, Adil Abdul-Mahdi assumiu como primeiro-ministro. Pouco mais de um ano depois, em Primeiro de Dezembro de 2019, o parlamento iraquiano aceitou sua renúncia, consequência dos protestos que continuam e que já custaram cerca de 600 vidas.

Após meses de negociação, com Abdul-Mahdi como interino, foi nomeado Mohammed Tawfiq Allawi, um ministro conhecido por suas posições antissectárias. Parecia a receita de sucesso, buscar alguém que já estivesse na política, conhecesse onde estava pisando, ao mesmo tempo movido por ideias de conciliação nacional, longe das disputas sectárias entre xiitas, sunitas e curdos.

Faltou combinar com o outro time. Allawi tentou impor um governo tecnocrata, que não fosse distribuído de acordo com os diferentes setores da sociedade; ao contrário do Líbano, isso não é lei no Iraque. Por causa disso, seu nome foi duas vezes recusado pelo parlamento, mantendo o Iraque com governo interino e sem respostas para os protestos de sua população nas principais cidades do país.

É mais um ingrediente na mistura que está levando o Iraque ao caminho da guerra civil aberta, como já abordado aqui nesse espaço. Especialmente pois, hoje, as figuras de maior relevância na sociedade iraquiana não são políticos, mas clérigos ou militares. Por exemplo, o aiatolá Ali al-Sistani, principal líder xiita iraquiano, que compreendem dois terços da população do país.

Epidemia e sanções

O termo aiatolá costuma remeter ao Irã, próximo destino nesse giro, onde o Covid-19 está se espalhando. Foram ao menos 66 mortes, com quase mil infectados confirmados. Algumas das mortes causaram repercussão, como a de Mohammad Mirmohammadi, aos 71 anos de idade, conselheiro do supremo líder Ali Khamenei.

A epidemia no Irã acaba sendo uma com enorme foco político. O Irã é um dos países mais populosos do mundo, e seus nacionais estão presentes em diversos países; cerca de quatro milhões de iranianos residem no exterior. Além disso, o país é grande ponte terrestre que liga diferentes regiões. Ou seja, todos fatores que fazem com que o vírus possa se espalhar.

Contribui para a epidemia o fato de que o Irã cancelou aulas, eventos esportivos e outras aglomerações, mas não fechou as mesquitas, algo impensável, politicamente e ideologicamente. Até mesmo o governo saudita cancelou visitas à Meca, algo inédito em tempos modernos. O problema é que os templos são um dos principais focos da vida social iraniana, ou seja, mais um meio que contribui para a propagação da doença.

Finalmente, o Irã claramente não está conseguindo reunir todos os recursos necessários para lidar com o Covid-19, com sua economia em frangalhos, o que remete às discussões humanitárias sobre as sanções impostas pelos EUA; nesse caso, unilateralmente, já que nem os aliados europeus de Washington apoiavam essa decisão. Não demorará a surgir estudos mais aprofundados sobre a relação entre o Covid-19 e as sanções. E não sem razão, por mais condenável que seja o regime iraniano.

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