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Protesto pró-democracia em Hong Kong
Uma mulher segura um desenho representando o presidente da China, Xi Jinping, beijando a chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam durante protesto pró-democracia em Hong Kong| Foto: NICOLAS ASFOURI/AFP

Pelo mundo todo os jornais noticiam que o governo de Pequim sofreu uma grande derrota nas últimas eleições distritais de Hong Kong. Ou alguma variação disso, como falar em grande vitória dos grupos pró-democracia e dos manifestantes honcongueses. Isso é meia verdade. Ao se olhar com mais profundidade para essas eleições, nota-se que ela possui um enorme peso simbólico, mas pouco além disso.

Em suma, os cidadãos de Hong Kong foram às urnas no último domingo para escolher os integrantes dos dezoito conselhos distritais da região administrativa. Os conselhos distritais são, em analogia ilustrativa, como câmaras de vereadores de cada microrregião. Cuidam de temas da vida cotidiana, como zeladoria, e distribuição do orçamento distrital, previamente estabelecido, seja para melhorias públicas ou atividades culturais.

Eleição gigantesca

Dos 479 assentos, 452 estavam em disputa; os outros são em caráter ex officio. Cerca de três milhões de cidadãos votaram, 71,23% do eleitorado total. Somados, os sete partidos de oposição ao governo de Pequim ficaram com 388 assentos, um crescimento de 262 comparado aos resultados de 2015. O Partido Democrático, o maior partido de oposição, cresceu em 48 cadeiras, conquistando 91 assentos, 12,3% do voto.

Oras, uma baita vitória, não? Como escrito, simbólica. Inclusive, o simbolismo está em sua maior parte no tamanho da eleição, não em seus resultados. Foi a maior eleição de Hong Kong desde o retorno do território aos chineses. Quase 390 mil pessoas se registraram para votar nos últimos meses, muito em consequência dos protestos contra o governo pró-Pequim e a controversa proposta de lei de extradição.

Também é consequência da repressão e dos confrontos que ocorrem em Hong Kong. O voto nas eleições distritais foi transformado em uma espécie de referendo sobre o próprio governo de Carrie Lam, com o incentivo ao voto como uma maneira de protesto. Os números ficam ainda mais notáveis quando colocados em contraste aos da eleição de 2015. Um crescimento de 24% no comparecimento e o dobro de votos válidos.

A própria governadora Carrie Lam reconheceu essa derrota, afirmando que irá “escutar humildemente” a mobilização popular nas eleições. Colaboram para essa sensação de derrota o fato de que muitos políticos notórios pró-Pequim foram derrotados em seus distritos, perdendo seus assentos. No cenário final, os partidos pró-Pequim ficaram com apenas 59 cadeiras; o DAB, maior partido, perdeu 98 assentos.

Mudanças?

A mobilização popular pode enviar um recado, mas dificilmente conseguirá mudanças estruturais profundas. Primeiro, os conselhos distritais possuem pouco poder prático, suas funções são focadas em questões cotidianas. Segundo, as instituições com poder político em Hong Kong, como o Conselho Legislativo, estão “preservadas”, na visão de Pequim, de eventuais reviravoltas eleitorais.

O Conselho é o parlamento unicameral de Hong Kong, formado por setenta deputados. Determinam impostos, aprovam novas leis, examinam o orçamento, aprovam ou recusam a nomeação de juízes e podem até provocar o impeachment do chefe Executivo. Metade do conselho é eleito por voto popular em distritos geográficos. A outra metade é eleita pelo voto do eleitorado dos “grupos de interesse”.

Os tais “grupos de interesse” representam setores da economia, como categorias profissionais. Por exemplo, em 2016, os cerca de onze mil médicos de Hong Kong elegeram um deputado para o Conselho. O que acontece como resultado é que a maioria dos assentos da oposição são eleitos por voto popular, o que é balanceado pelos grupos de interesse, que em maioria elegem representantes pró-Pequim.

Nas eleições de 2016, a oposição teve mais votos, mas a maioria do Conselho é pró-Pequim, devido ao sistema. Seria necessária uma reviravolta extrema, com gigantesca mobilização popular, para superar esse sistema com regras que beneficiam Pequim. A vitória do último domingo também rendeu 117 assentos para a oposição no Comitê Eleitoral que escolherá a nova liderança executiva em 2022.

Parece muito, mas o comitê é formado por mil e duzentas pessoas, eleitos também via os grupos de interesse, divididos em quatro setores. O quarto setor, inclusive, é o político, com mais de uma centena de assentos apontados diretamente por Pequim. Novamente, o “risco” é muito pequeno para o governo chinês perder em suas próprias regras, mesmo com ligeiras aberturas feitas nos últimos anos para apaziguar ânimos.

O partido mais votado

Finalmente, é necessário pesar na balança que mesmo o fator simbólico dessa eleição dos conselhos distritais não foi tão grande assim. O sistema eleitoral usado é simples: o candidato primeiro colocado em cada distrito vence, mesmo se por um voto de diferença ou por grande margem. Não há segundo turno, distribuição proporcional, nada disso. E, como visto, o número de vitórias distritais da oposição foi grande.

Ainda assim, na maioria dos distritos, a disputa foi apertada. Ao ponto de que o partido que recebeu mais votos foi o partido pró-Pequim! O DAB foi o único partido que passou dos 400 mil votos, quase meio milhão. Curiosamente, nesse caso, as regras saíram pela culatra, deixando o partido com mais votos com menor representação. Ainda assim, seria possível uma manchete “Partido pró-Pequim é o mais votado nas eleições de Hong Kong”.

Longe de ser um alerta vermelho (sem trocadilhos com a cor da bandeira chinesa), os resultados das eleições distritais de Hong Kong estão muito mais para uma arma política na guerra de narrativas que ocorre em torno dos protestos e da disputa pelos “corações e almas” da região. Não será em breve que os protestos vão esmorecer ou que Pequim fará muitas outras concessões.

Conteúdo editado por:Isabella Mayer de Moura
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