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O presidente eleito do Irã, Ebrahim Raisí, em sua primeira coletiva de imprensa no cargo, 21 de junho
O presidente eleito do Irã, Ebrahim Raisí, em sua primeira coletiva de imprensa no cargo, 21 de junho| Foto: EFE/ Abedin Taherkenareh

No último dia 18 de junho, os iranianos foram às urnas escolher o novo presidente do país. Claro, dentre os que foram previamente autorizados ao pleito. Cerca de 49% dos eleitores compareceram, o menor número dentre as eleições realizadas no século XXI. Isso mesmo com os locais de votação tendo seu horário de funcionamento prorrogado, o que já era um sinal de baixo comparecimento. O eleito, com mais de 70% dos votos, foi Ebrahim Raisi. E qual o possível impacto dessa eleição na negociação sobre a retomada do acordo nuclear com os EUA?

Primeiro, as eleições propriamente ditas. Das cerca de 600 candidaturas, apenas sete foram aprovadas; dessas, três retiraram sua candidatura após a autorização. A aprovação, ou não, de uma candidatura é feita pelo Conselho dos Guardiões, que é, na prática, o principal órgão decisório do país, com poderes sobre o legislativo e sobre o judiciário, além de órgão eleitoral. Ele é composto por doze pessoas, seis religiosos estudiosos de jurisprudência islâmica e seis juristas seculares.

Eleições

Os integrantes religiosos são nomeados pelo Líder Supremo, o aiatolá Ali Khamenei. O título aiatolá é religioso, do Islã xiita, não um título político, e existem vários aiatolás. Muitas vezes é transmitida a mensagem de que aiatolá é um título político e exclusivo, o que não é verdade. A outra metade do conselho é aprovada pelo parlamento a partir de uma lista de indicações feita pelo chefe do judiciário; que é nomeado pelo Líder Supremo, ou seja, no fim das contas, todos os nomes passam, direta ou indiretamente, por Khamenei.

Da mesma maneira, de forma direta ou indireta, os candidatos são aprovados pelo Líder Supremo. E, embora a legislação permita a participação de mulheres nas eleições, nunca tivemos a autorização de uma candidata ao cargo máximo, apenas em níveis regionais e locais. Das sete candidaturas aprovadas pelo filtro ideológico do conselho, absolutamente nenhuma representava os setores reformistas, do atual presidente Hassan Rouhani, que ocupou o cargo por dois mandatos. Seu favorito era seu vice-presidente, Eshaq Jahangiri.

Outra candidatura que Rouhani apoiou nos bastidores era a de Ali Larijani, visto como um pragmático conciliador, de “centro”. Os reformistas, em geral, defendem maiores aberturas políticas e reformas internas profundas, e um papel conciliador na agenda internacional. Em oposição, os principistas defendem estruturas sociais e políticas mais rígidas e tradicionais, de acordo com princípios religiosos, daí o nome do grupo. No campo exterior, defendem uma política mais assertiva e ativa.

Não se deve assumir esses dois grupos como sinônimo de esquerda e direita, ou de liberais e conservadores, como por vezes ocorre. Claro, funciona como analogia, para fins didáticos, mas não são precisas, são termos elaborados pensando em países ocidentais. Retornando ao pleito, já estava escrito que o novo presidente iraniano seria um principista. No caso, Ebrahim Raisi, ex-chefe do judiciário. Ou seja, alguém que nomeou parte do Conselho e que foi ele mesmo nomeado por Khamenei, cuja influência tirou do caminho os eventuais adversários de Raisi.

Como chefe do judiciário, e em sua carreira pregressa, Raisi é um ferrenho defensor da pena capital e da segregação entre homens e mulheres. Já foi alvo de diversas e pesadas críticas de grupos internacionais de defesa dos direitos humanos. Também possui papel ativo na gestão de fundações ligadas ao governo e à Guarda Revolucionária, que funcionam como intermediárias na economia, tentando contornar as sanções internacionais. Ele, inclusive, como pessoa física, é alvo de sanções econômicas pelos EUA.

Negociações

Sua eleição significa que ele terá uma postura linha-dura e vai dificultar as negociações com os EUA? Não. Também não significa o contrário. Na verdade, a eleição de Ebrahim Raisi pouco influencia as negociações. Para ser gentil e não dizer que influencia em nada. Ele é o homem de Khamenei, o verdadeiro mandatário. Quem decidirá sobre as negociações são o Líder Supremo e o comando da Guarda Revolucionária. O governo institucional e secular vai conduzir o cotidiano e as formalidades das tratativas, apenas isso.

Importante lembrar que, no último mês de abril, vazou uma gravação do ministro de Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, em que ele diz exatamente isso. Não é uma conjectura maluca ou apenas uma hipótese levantada pela coluna. Com isso em mente, existem três opções no futuro próximo, que dependem da vontade de Khamenei. O líder iraniano deseja o fim das sanções econômicas contra o país e a reinserção do Irã na economia internacional, isso é fato.

Anos atrás, Rouhani realizou uma verdadeira turnê pela Europa, assinando contratos polpudos com empresas europeias, ansiosas pela normalização fornecida pelo acordo. A Europa foi contra o rompimento do acordo por Trump e tentou mantê-lo funcional, prometendo que compensaria as sanções dos EUA via um mercado de, na prática, escambo. Não deu certo. O novo governo dos EUA também deseja a retomada do acordo. Biden criticou a postura de Trump e defende que o acordo é a melhor maneira de fiscalizar o Irã.

Sendo assim, Irã, Europa e EUA desejam a retomada do acordo. A China, outra signatária, fica em cima do muro. Está interessada nas oportunidades econômicas, e as sanções não preocupam tanto assim, mas também não deseja comprar briga. A Rússia não quer um Irã nuclear, mas também não quer correr o risco de perder seu principal aliado na Síria para os países ocidentais. Publicamente, favorece o acordo, tanto que o assinou, mas, por trás das cortinas, dificultou um pouco as coisas.

O desejo do acordo, entretanto, não basta. Cada um dos atores estará disposto a pagar apenas até certo preço por ele. Mais que isso, não compensará, seja fazer uma grande concessão prática ou até a impressão de que o orgulho nacional foi ferido. Daí as três opções, que dependem, basicamente, de Khamenei. Primeiro, e mais óbvio, seria esperar a posse do novo governo, “linha-dura”, e manter uma postura pouco flexível nas negociações. Por exemplo, o Irã alega que, como foi o governo dos EUA que rompeu, é Washington que deve tomar a primeira atitude e retirar ao menos parte das sanções.

Khamenei

Se a postura resultar no acordo, vitória. Se não resultar, fale-se de orgulho nacional e de contornar as sanções, além de manter o programa nuclear. A segunda opção seria aguardar a posse do novo governo, mas agora com uma postura mais apaziguadora. “Pragmática”, diriam alguns. Mostraria que o novo governo está disposto ao sacrifício e a harmonia, que não é tão “malvado” quanto dizem. Se resultar no acordo, outra vitória. Se a abordagem malograr, a culpa é mantida no ocidente, que quebrou sua palavra e foi intransigente.

Finalmente, a terceira opção é colocar as próximas seis semanas como prazo. É o tempo que resta para o governo de Hassan Rouhani, que seria um bode-expiatório caso necessário. Se nas próximas seis semanas o acordo não for retomado, a “culpa” é de Rouhani. Se o acordo for retomado e não render os resultados previstos, a “culpa” é de Rouhani. E, se o acordo for retomado e a economia decolar como em 2016, com 13% de crescimento? Quem colhe os frutos é o governo Ebrahim Raisi, com anos de expansão econômica e investimentos. Ou seja, Khamenei sai vitorioso.

Serão semanas intensas em Viena, onde as negociações ocorrem, com intermédio de diplomatas europeus. Representantes do governo dos EUA e do governo iraniano não sentam na mesma mesa, ao menos por enquanto. O Irã deseja um sinal de compensação ou alguma garantia de que a atitude de Trump não se repetirá em governos futuros. Por sua vez, o governo dos EUA não pode garantir isso, além de desejar uma expansão do acordo. Se o impasse vai ser ou não superado, saberemos em breve.

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