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O presidente francês, Emmanuel Macron, abraça uma vítima da explosão de Beirute durante uma cerimônia para marcar o centenário do Líbano na Floresta da Reserva Jaj Cedars, a nordeste da capital, em 1º de setembro de 2020| Foto: GONZALO FUENTES / POOL / AFP

Pela segunda vez em um mês, o presidente francês Emmanuel Macron visitou o Líbano. Na primeira ocasião, sua visita foi no contexto da trágica explosão no porto de Beirute. Em números atualizados, as consequências da explosão são 190 mortos, ao menos dez bilhões de dólares de prejuízo e milhares de feridos. Essa segunda visita também discutiu, por óbvio, a explosão, mas foi para marcar os cem anos da proclamação do “Grande Líbano”, o predecessor do atual Líbano, sob mandato francês da Liga das Nações. E o que significam as seguidas visitas de Macron à antiga colônia francesa?

Primeiro, o líder francês se aproveita do flagrante vácuo de representatividade política que acomete o Líbano. Após a explosão, o então premiê Hassan Diab renunciou ao cargo, junto de todo seu gabinete. Quem assumiu seu lugar foi o pouco conhecido Mustapha Adib, que servia como embaixador libanês na Alemanha desde 2013. Sua nomeação veio com apoio do partido do presidente Michel Aoun e dos principais partidos xiitas, incluindo o Hezbollah, mas foi uma espécie de acordo nacional, com outros partidos aprovando a nomeação, embora não façam parte da coalizão de governo.

A escolha de um nome pouco conhecido e ao mesmo tempo comprometido com o Estado libanês, como diplomata, acaba servindo para concertação entre os diferentes grupos, evitando um nome muito divisivo num fragmentado Líbano. Além disso, corre a especulação de que o nome teria sido aprovado pelo próprio Macron quando consultado, e sua nomeação ocorreu um dia antes da visita do presidente francês. O que esperar de seu governo? O que ele pensa? Quais suas posturas perante diferentes assuntos, desde a economia aos aspectos sociais?

A única pessoa que pode responder essa pergunta é, basicamente, ele. O discurso, entretanto, foi bastante ambicioso e otimista, falando em reformas, em renovação, na formação de um novo gabinete em tempo recorde e também na necessidade de apoio internacional para a estabilização do país. Resta ver se isso irá além do discurso, porém ele de fato já trouxe algo de novidade. Ele foi o primeiro mandatário libanês que caminhou pelos bairros atingidos pela explosão em Beirute e conversou com os moradores locais. Sim, o primeiro, quase um mês depois.

Macron e a crise do Líbano

Macron fez isso antes do que o ex-premiê ou do que o atual presidente, daí mostra-se como é frágil a imagem institucional dos principais governantes do Líbano. Desse vácuo emerge Macron, dando atenção aos libaneses, cobrando reformas, trazendo mensagens de renovação e uma carteira bem gorda no bolso. É importante lembrar que o país não está apenas em frangalhos políticos e lidando com as consequências de uma explosão gigantesca, mas também em profunda crise econômica, com o sistema bancário do país está totalmente corroído.

Isso é explicado por uma soma de fatores. Receio de “calote”, uma balança comercial muito deficitária, a desvalorização da libra libanesa, inflação, falta de liquidez pela retirada de dólares e as sanções dos EUA contra a Síria e o Hezbollah, ambos atores ligados ao sistema bancário libanês. Tudo isso somado aos custos da reconstrução do porto e seu entorno. Em outras palavras, o Líbano precisa de um fiador, e somente a França está interessada nesse papel, e o Líbano já negocia com o Fundo Monetário Internacional para uma reestruturação de sua dívida.

As autoridades internacionais, Macron incluso, entretanto, exigem uma ampla auditoria do sistema bancário libanês e reformas para maior transparência dos gastos do governo. E hoje o Líbano não está na posição mais vantajosa de negociar. Dizer que pode ocorrer uma “recolonização” francesa no Líbano, no sentido formal, é um exagero, até pela indefinição de qual será a posição do Hezbollah, a mais poderosa organização no Líbano, perante as negociações com lideranças internacionais. A França, ao contrário da vizinha Alemanha, reconhece o partido Hezbollah, e classifica como terrorista apenas sua ala armada.

Pode-se dizer então que o Líbano, hoje, precisa de um parceiro peso-pesado para resolver seus problemas econômicos, e que esse parceiro possa transitar entre os diversos setores da sociedade libanesa. Isso exclui os EUA e o Reino Unido, rejeitados por vários setores libaneses. A Alemanha se exclui por não reconhecer o Hezbollah. A Rússia não possui capacidade econômica para cumprir esse papel. A China não quer se ver envolvida numa região tão complexa. Qualquer parceiro regional, como a Turquia ou os sauditas, será rejeitado por alguém.

O que a França ganha?

Sobra a França, que possui recursos e a disposição, além de ferramentas que facilitam esse papel, como o uso do idioma francês no Líbano, os milhares de cidadãos com dupla nacionalidade e o fato de que boa parte da elite política e intelectual libanesa é formada em instituições francesas. E o que a França quer nisso? Afinal, o interesse é a regra no cenário internacional. Primeiro, Macron ganha destaque como mediador, como líder internacional, um potencial sucessor de Merkel como o articulador da Europa. Esse destaque serve também para propósitos domésticos e eleitorais.

Nesse sentido é interessante lembrar que a origem da presença francesa no Líbano é para a autodeclarada proteção das comunidades cristãs, com o católico Napoleão III. O Líbano possui impacto no debate político francês maior do que outras antigas regiões de seu império colonial. Claro, não será algo que decide uma eleição, apenas não é um tema totalmente insignificante. E, se os franceses chegaram supostamente para proteger os cristãos, ficaram por questões econômicas e internacionais, como os investimentos franceses na região, que também remetem ao século XIX.

Com o fim da Grande Guerra e o desmembramento do império Otomano, a França ficou com os atuais Líbano e Síria. Um butim pouco atraente em comparação aos territórios transformados em protetorados britânicos, como o rico em petróleo Iraque. A região, entretanto, fornecia aos franceses a chance de preencher uma lacuna no mapa de seu império, especialmente com o porto de Beirute. Em um Mediterrâneo oriental então dominado por britânicos, senhores do Egito e do Chipre, o Líbano significava a presença francesa na vizinhança do canal de Suez e em uma das principais rotas marítimas.

O leitor que acompanha esse espaço e que acompanha o noticiário internacional sabe que o Mediterrâneo oriental voltou à ser um foco de contenda. Recentemente, fragatas da Grécia e da Turquia chegaram à se abalroar em alto mar, o que motivou o envio de uma esquadra francesa para a região, marcada pela descoberta de campos de gás natural em zonas marítimas disputadas entre diversos atores, o conflito congelado no Chipre, os campos de refugiados, o conflito na Líbia, onde a França é o único país europeu com papel ativo, e as tensões francesas com a Turquia. Tudo isso faz do Líbano um local não apenas importante, mas necessário para a manutenção da esfera de influência francesa na região. Um papel que remete ao interesse francês no contexto da Grande Guerra.

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