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Henrique Capriles, da oposição, foi contra Guaidó e incentivou a participação nas eleições parlamentares de 6 de dezembro| Foto: Federico PARRA/AFP

O deputado venezuelano Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino de seu país por 57 países, sofreu mais um golpe em seu prestígio nos últimos dias. Visto rapidamente em janeiro de 2019 como uma alternativa ao governo de Maduro, desde então ele apresentou poucos resultados concretos em sua oposição. Mais do que isso, oportunidades de diálogo não foram aproveitadas e, mais recentemente, ele somou dissidentes nas fileiras contra Maduro, por diversos motivos, enfraquecendo sua posição como líder opositor.

Quatro meses atrás, aqui nesse espaço, comentou-se a tentativa de operação militar contra Maduro, organizada por Guaidó e pela empresa Silvercorp USA, de canadense ex-integrante das forças especiais do exército dos EUA chamado Jordan Goudreau. A conclusão da coluna foi que, sob qualquer cálculo, Maduro saía como vencedor daquele “round” pela Venezuela, enquanto Guaidó saia enfraquecido. Claro, primeiro pelo fracasso desastrado da operação, digna de um filme de comédia, mas também em sua posição.

Possivelmente a operação envolveu setores militares venezuelanos descontentes com Guaidó, como o ex-general venezuelano Clíver Alcalá Cordones, atualmente protegido nos EUA após ser extraditado por tráfico de drogas. Tais setores consideram o político muito “mole” e cobram uma postura mais radical e bélica. Dessa vez, a pancada na posição de Guaidó veio pela abordagem contrária, condenando a resistência dele em negociar. O autor foi o velho conhecido Henrique Capriles.

Quem é Capriles?

Capriles foi o principal candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2012 e de 2013. Na primeira, perdeu para Hugo Chávez, levando 44% dos votos. Como Chávez faleceu antes de ser formalmente empossado, uma nova eleição foi realizada, agora contra Nicolás Maduro, que era o vice-presidente na chapa de 2012. A diferença foi de apenas duzentos mil votos, 1,5% do eleitorado, e Maduro saiu vitorioso, como sabemos. Entre as duas eleições, Capriles foi eleito novamente governador do estado de Miranda.

Após o fim de seu mandato, em 2017, Capriles realizou diversas viagens como principal representante da “oposição democrática” contra Maduro, buscando transmitir a imagem de pouco radical, contra ações armadas, e construir legitimidade. No Brasil se encontrou com diversos então senadores, como Aécio Neves, e uma nota de “solidariedade” do então presidente Michel Temer, que não o recebeu pessoalmente. Não conseguiu atingir seu objetivo, entretanto, e pouco repercutiu em seu país.

Capriles continuou como um dos líderes da oposição, mas não mais “o” líder, especialmente após a eleição de Guaidó na Assembleia Nacional. Ambos apareceram juntos diversas vezes mas, agora, Capriles busca eclipsar seu aliado. Em lives nas redes sociais na semana passada, Capriles atacou o que ele chama de “Governo da Internet”, já que alguns dos principais integrantes do círculo de Guaidó estão fora da Venezuela. Também cobrou transparência e explicações sobre a ação armada de meses atrás.

Também criticou a “Operação Liberdade”, o fracassado levante de abril de 2019, que contou com Leopoldo López na organização, uma figura que já recebeu diversas críticas de Capriles como representante da “oposição não democrática”. Ao anunciar suas ações e possível ruptura, Capriles disse: “Unidade para quê? A unidade por nada não é nada. Nos apresentaram uma rota, mas não nos explicaram os erros”. A cobrança contra Guaidó fica explícita nessa última frase.

Além das críticas, ocorreu também uma ruptura prática e concreta. Enquanto a maior parte da oposição vai boicotar as eleições legislativas de dezembro, classificando-as como uma “farsa” ou algo para dar um verniz de legitimidade ao governo, Capriles declarou que disputará o pleito, junto de alguns aliados do Primeiro Justiça. Justificou essa posição afirmando que a abordagem de Guaidó falhou, defendeu um “pragmatismo” de sua decisão e que a eleição legislativa é uma possível “fresta”.

Frestas, brechas e rachaduras

Mais precisamente, “este não é um regime democrático, mas se deixarem uma pequena fresta temos que colocar a mão, para depois colocar o pé”. Ou seja, uma brecha para participação mais ativa dos opositores. E também celebrou a postura do governo Maduro em convidar a União Europeia e a ONU para missões de observação eleitoral. Um discurso que bate ali, assopra aqui e tenta construir, novamente, sua própria imagem como a fruto de um consenso, de um diálogo.

Nesse sentido, Capriles também tomou crédito pelo indulto de Maduro aos 110 presos políticos, concedido no último dia de agosto. Segundo ele, foi o diálogo e a negociação que permitiu isso, embora deixasse claro que não seria uma troca direta, os prisioneiros pela participação eleitoral. Se Capriles está falando a verdade, não sabemos, mas não é de hoje que uma mentira conveniente pode render frutos políticos. O fato é que ele se torna a principal figura da oposição que rompe publicamente com Guaidó.

É interessante notar que a Turquia ocupa um papel importante na mediação da política venezuelana. Na semana passada, o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, esteve na Venezuela. Anunciou a construção de um hospital, celebrando os setenta anos das relações entre os dois países e também comentou a aproximação e a mediação feita por seu país. "A estabilidade e a paz da Venezuela são importantes para nós. Estamos felizes em ver que a oposição e o governo se aproximam do acordo".

As razões desse relacionamento já foram citadas aqui nesse espaço, mas, em suma, giram em torno do ouro venezuelano. A Turquia é grande importadora do metal para consumo local, como na manufatura de jóias, e, nos últimos anos, o ouro ganhou maior importância como meio de comércio, possibilitando que países que sofrem sanções dos EUA, como a Venezuela, o Irã e a própria Turquia consigam contornar o uso do dólar e do sistema financeiro centrado nos EUA.

Se o papel turco na Venezuela pode ser explicado e constatado na prática, ele também deve ser, de certa forma, lamentado. Afinal, em décadas anteriores, quem cumpriu esse papel foi o gigante ao sul da Venezuela. O Brasil deixou de cumprir essa função, optando de maneira incondicional por um lado da disputa. É uma escolha legítima, claro, mas que não rendeu frutos até o momento e gerou um vácuo, que será preenchido por alguém. No caso, a Turquia, que colocou Capriles na mesa e uma rachadura na posição de Guaidó.

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