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Foto: Oded Balilty / POOL / AFP
Foto: Oded Balilty / POOL / AFP| Foto:

Dizer que as relações entre Israel e seus vizinhos árabes e muçulmanos são complicadas é um eufemismo. Por isso o espanto com a visita surpresa do Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao sultanato de Omã na última sexta-feira. Os dois Estados tiveram breves relações oficiais, entre 1996 e 2000, e o sultanato é um dos dezenove países da Liga Árabe que não têm relações com Israel; as exceções são Egito e Jordânia.

Somam-se mais dez países de população de maioria muçulmana. A lista é heterogênea e inclui desde pequenos Estados até potências regionais e países com peso nas relações internacionais. A normalização das relações entre Israel e seus vizinhos é um assunto delicado, que une política, recursos naturais, religião e interesses eleitorais no Ocidente. Especialmente, está ligado ao cerne da política exterior e de segurança israelense.

Relações oficiais e extra-oficiais

Oficialmente, as relações israelenses em sua vizinhança resumem-se ao Egito, Jordânia e a Turquia; o governo turco foi o primeiro da região que reconheceu a independência de Israel. As relações com o Egito começam na década de 1970 e, com a Jordânia, na década de 1990. Em ambos os casos, as relações oficiais foram precedidas por canais de comunicação mais discretos.

No caso jordaniano, as relações paralelas existiam especialmente em prol do gerenciamento do status quo nos locais sagrados de Jerusalém. Esse paralelo é importante pois se repete hoje. Embora as relações oficiais sejam inexistentes, os contatos por meios indiretos entre israelenses e árabes é frequente. Primeiro, pelo motivo mais pragmático possível: dinheiro.

Fluxos comerciais e de investimentos em uma economia mundialmente integrada levam à necessidade de diálogos entre o governo de Israel e empresas do país com governos e empresas de destinos como Dubai ou Doha. Voos privados entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, antes inimagináveis, hoje são frequentes. Busca por vanguarda tecnológica e desafios similares no que concerne a geografia do Oriente Médio também contribuem para essas aproximações.

Palestina e Jerusalém

Vários fatores atrasam a completa normalização dessas relações. Um deles é Jerusalém, especialmente no governo Netanyahu. O premiê israelense, mais de uma vez, expôs que Jerusalém é “capital una e indivisível de Israel”; ou seja, a cidade sagrada seria território israelense em sua totalidade, sem divisão entre ocidental e oriental, e sem a possibilidade de existência de outra cidade com o mesmo nome.

Pelo direito internacional, Jerusalém é um corpus separatum, uma região que não é posse de nenhum Estado, mas da humanidade; daí as disputas jurídicas sobre o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. O tema esbarra em temas teológicos, incluindo perspectivas escatológicas cristãs sobre o retorno do Messias, daí o tema Israel ter um grande peso eleitoral nos EUA e no Brasil.

A maioria dos países árabes e muçulmanos não aceita essa perspectiva israelense, defendendo ou a divisão de Jerusalém, ou sua manutenção como território internacional. Nisso influem também questões religiosas; imperativo lembrar que o Monte do Templo dos judeus e a Esplanada das Mesquitas muçulmana são o mesmíssimo lugar, o que dificulta uma divisão do significado sagrado de Jerusalém.

Em uma hipótese otimista, em que o tema Jerusalém fosse solucionado e as relações árabe-israelenses normalizadas, outra dúvida permanece. Como ficaria a chamada questão dos palestinos? Progressivamente, essas pessoas recebem menos e menos apoio de alguns países árabes, que não mais necessitam dos palestinos como ferramenta anti-Israel.

Os palestinos perderiam seus últimos aliados? Poderia se esperar uma radicalização mais intensa, além do Hamas em Gaza? Diversos grupos palestinos olham com desalento para uma possível normalização das relações entre Israel e seus vizinhos, algo que poderia deixar esse povo totalmente isolado em sua região.

E o Omã?

Nos últimos anos, um antagonista em comum contribuiu para essa aproximação: o Irã. Lembra-se que os iranianos não são árabes, são persas, com um idioma próprio e aspectos étnicos e culturais diferentes. Além disso, o Irã é a principal potência xiita do Oriente Médio, enquanto a imensa maioria da península árabe é da vertente sunita do Islã. Nesse aspecto que entra o Omã.

Em uma coluna de política internacional como essa é habitual que leitores, às vezes, se peguem perguntando “qual a importância disso ou desse país?” ou achem que é buscar assunto. Cabem os esclarecimentos, proposta desse espaço nesse jornal. O Omã, apesar de diminuto, está nos vinte países com maior produção de petróleo e com maiores reservas; com o diferencial de que as reservas omanis são de fácil acesso.

Contrastado com a vizinhança, o Omã é quase um oásis de estabilidade, e sua economia é mais diversificada, com exploração de turismo e indústria pesqueira. A exploração do mar no Omã é histórica e recomenda ao período medieval, com fortes relações com o império marítimo português. Ao ponto do nome em árabe da capital do Omã, Masqat, tornar-se sinônimo de “mercador” no idioma português. O nome traduzido da capital é mascate, termo que remonta até a conflito interno brasileiro.  

Mais que a economia e sua trajetória histórica, o Omã é importante pois o golfo de Omã “fecha” o golfo Pérsico, dividindo com o Irã o Estreito de Ormuz, um dos gargalos navais mais importantes do mundo. Por ali passa um quinto de todo o petróleo mundial e todas as exportações iranianas. Pressionar o Irã torna-se muito mais viável com apoio omani, incluindo a possibilidade de sufocar, literalmente, o comércio iraniano.

Isso explica a composição da comitiva israelense no Omã. Além do premiê e da primeira-dama, ela era composta por representantes militares e da inteligência israelense, com um pequeno componente comercial. O foco é cooperação de defesa, com um alvo claro para esse recado: o Irã. Além disso, de forma pouco habitual, o governo israelense divulgou a rota do avião de Netanyahu.

Pela primeira vez na História, o premiê israelense sobrevoou a Arábia Saudita, em voo direto até Omã, sem necessidade de grandes contornos; recentemente, ao visitar a Austrália, o avião do premiê teve que fazer um trajeto bem mais longo, evitando o espaço aéreo indonésio, país com a maior população muçulmana do mundo e que não mantém relações com Israel. Ou seja, contra o Irã, até relações improváveis são fortalecidas.

Normalização e o Brasil

A referência ao presidente eleito Jair Bolsonaro no título desse post se dá pela relação delicada que seu governo terá que equilibrar, algo que será analisado com mais profundidade em um texto dedicado. Por um lado, Bolsonaro prometeu buscar uma relação mais próxima com Israel. Essa guinada ideológica atende parte de seu eleitorado, especialmente o neopentecostal; parte de seus aliados políticos, a chamada “bancada da Bíblia”; e fortalece sua meta internacional de se aproximar do governo Donald Trump.

Por outro lado, se aproximar de Israel pode comprometer as relações brasileiras com países muçulmanos. Embora a resposta fácil seja falar sobre terrorismo ou guerra cultural, o Brasil é o maior exportador de carne halal do mundo; ou seja, a carne para ser consumida de acordo com os preceitos do Islã. Comprometer esse mercado entra em conflito com outra parte dos aliados políticos de Bolsonaro, a chamada “bancada do boi”.

O dilema do novo governo é a representação de dois velhos debates: a ideologia versus os ganhos pragmáticos, e o liberalismo (o clássico, não essa interpretação contemporânea) como fator de estabilidade internacional. Hoje, poucas figuras políticas seriam mais beneficiadas por uma aproximação e normalização das relações entre Israel e seus vizinhos árabes do que Bolsonaro. Se seu governo buscará ser esse fator de aproximação, só o tempo dirá.

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