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Nicolas Maduro mostra os passaportes de dois cidadãos americanos presos por forças de segurança do regime após uma operação fracassada que tentou sequestrá-lo| Foto: Divulgação/Palácio Miraflores/AFP

No último dia três de maio, uma operação para tentar capturar Nicolás Maduro fracassou. Dois barcos carregando sessenta homens armados tentaram entrar na Venezuela na região da baía de Macuto. Seis deles foram mortos, treze capturados, cerca de uma dúzia está dada como desaparecida no mar, quando o segundo barco foi alvo da marinha venezuelana. Esses são, em suma, os fatos confirmados. Perguntas e suspeitas não faltam, mas, sob qualquer cálculo, Maduro foi o vencedor desse “round” pela Venezuela.

Intervenção dos EUA?

O primeiro cenário é o mais básico, quase um clichê. O governo dos EUA deseja ver Maduro fora do poder na Venezuela, isso é fato. Entra a hipótese. Para isso, teria fornecido apoio logístico a um grupo de mercenários, uma empresa chamada Silvercorp USA, o que possibilitaria uma negação de envolvimento caso as coisas dessem errado, e sem a necessidade de passar pelas vias habituais do comando militar dos EUA, ou seja, disciplina e hierarquia, pouco propensos à uma aventura hollywoodiana.

Outros fatos: o dono da empresa é um ex-integrante das forças especiais do exército dos EUA chamado Jordan Goudreau, e a empresa forneceu serviços de segurança para comícios da campanha de Donald Trump. O mesmo Goudreau teve diversos contatos e reuniões com Keith Schiller, homem de confiança de Trump por quase trinta anos e que chegou a ocupar postos de segurança no gabinete da Casa Branca. Finalmente, a marinha dos EUA está realizando uma operação no Caribe.

Ainda assim, a operação foi desastrada demais para se pensar em um amplo apoio dos EUA. Como mencionado antes aqui nessa coluna, nenhum porta-aviões dos EUA está no Caribe. Caso se comprove um apoio direto de Washington, será um fracasso retumbante em ano eleitoral. A ideia da captura seria submeter Maduro à julgamento por narcotráfico, acusação já feita por Washington, acompanhada de uma recompensa de 15 milhões de dólares por sua captura.

Julgar Maduro não seria algo simples, de forma alguma. Ocorreria grande pressão internacional apontando para o fato de que um cidadão estrangeiro foi abduzido de seu país natal para ser julgado nos EUA, um processo sem a devida extradição ou jurisdição. Esqueça que se trata de Maduro, pense-se apenas em termos legais.

Guaidó tomando as rédeas? 

Segue-se ao segundo cenário. A hipótese: Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional anti-Maduro e reconhecido como presidente venezuelano pelos EUA, organizou o ataque.

Nesse caso, Guaidó teria decidido organizar a operação, com apoios variados, diretos e indiretos. O principal argumento que favorece essa hipótese é a entrevista de seu chefe do comitê de estratégia, Juan José Rendón, ao jornal The Washington Post e também para a CNN en Español. Ele disse que participou da negociação da operação armada para capturar Nicolás Maduro e levá-lo aos EUA. Segundo ele, Guaidó "disse que todas as opções estavam na mesa, e também embaixo da mesa".

Mais ainda, segundo Rendón, já havia um preparo jurídico para acusar Maduro baseados no conceito jurídico de "inimigo universal". Finalmente, disse que o "sinal" da operação foi pago de seu próprio bolso, 50 mil dólares. "Antes do presidente Guaidó, estou nisso há 20 anos e sempre financiei esta luta. Quanto vale a liberdade da Venezuela?", foram as palavras dele. Ele, que reside em Miami, também afirma que acompanhou Guaidó em reuniões com Goudreau e discutiram detalhes de uma operação armada.

A diferença nessa hipótese é que o governo dos EUA poderia até estar ciente do que estava ocorrendo, talvez até ter aprovado, mas o planejamento e o custeio foram do círculo de Guaidó. Existem especulações até de que o dinheiro investido na operação seria “compensado” com o confisco de bens e finanças ilegais de integrantes do governo Maduro. Guaidó, por sua vez, nega. Diz apenas que discutiu possíveis cenários, consultou pessoas, fez apenas sondagens, não “fechou negócio”, não deu qualquer sinal verde.

Interesses financeiros?

Aqui entra a terceira hipótese, em que a coluna permite-se especular ainda mais. Seria tão maluco pensar que o próprio Goudreau “passou a perna” em Guaidó? Segundo o próprio Rendón, em sua entrevista, Goudreau e Guaidó assinaram um contrato, fecharam negócio. O contrato foi publicado pelo Washington Post após ter sido entregue ao jornal. Por quem? O próprio Goudreau! O acordo seria de 219 milhões de dólares pelo treinamento, equipamento e operação com 800 pessoas.

Muitos desses integrantes seriam ex-militares venezuelanos, treinados e mantidos em campos na vizinha Colômbia. Em novembro, entretanto, teria ocorrido uma quebra de confiança entre Guaidó e Goudreau. O venezuelano teria duvidado da capacidade da Silvercorp USA de articular uma operação desse tamanho, e que Goudreau seria muito mais um falastrão. Aqui, um fato: duas semanas atrás, Rendón recebeu uma carta dos advogados de Goudreau, com uma cobrança de um milhão e meio de dólares, por quebra de contrato.

E aqui abrem-se leques de possibilidades. Goudreau deu sinal verde para a operação, sabedor de seu provável fracasso, para comprometer Guaidó, em represália ao fim do acordo? Goudreau esperava que a operação tivesse algum sucesso inicial, para reaproximar ele com Guaidó e com o governo dos EUA? Ou, em caso de sucesso, ganhar as graças de Washington e ainda coletar ao menos os 15 milhões da recompensa? Finalmente, Goudreau foi cooptado por algum agente duplo venezuelano ou russo?

São muitas perguntas, em uma situação confusa, quase surreal. Atraiu pouca atenção o fato de que, no dia Primeiro de Maio, ou seja, dois dias antes do ataque, a Associated Press publicou uma matéria sobre Goudreau basicamente contando o plano para um ataque! Supostamente, o tempo verbal da matéria denota um plano abortado, mas não deixa de ser estranho. Outros dois fatos colaboram para o envolvimento, em algum grau, de Guaidó e de seu círculo mais próximo.

Um dos mortos foi Robert "Pantera" Colina, ex-capitão do exército venezuelano e integrante das forças especiais. Ele foi um dos líderes do levante de 30 de abril de 2019. Outro envolvido com a operação é o ex-general venezuelano Clíver Alcalá Cordones, atualmente protegido nos EUA após ser extraditado por tráfico de drogas. Ele já entrou em choque com Guaidó antes, considerando o político muito “mole”, defendendo uma postura mais radical. A operação pode ter sido então fruto de um racha dentro da oposição.

Rachas e triunfo de Maduro

É fácil imaginar o general mais radical defendendo uma ação “firme”, passando por cima da autoridade do “mole” Guaidó. Outros elementos desse caldeirão complicado são o fato de que Goudreau afirmou que ainda possui homens na Venezuela, que teriam entrado pela fronteira. As forças armadas venezuelanas iniciaram a operação Escudo Bolivariano, mobilizando 25 mil militares. Além disso, dois dos presos são cidadãos dos EUA, ex-militares com passagem pelo Iraque, Luke Denman e Airan Berry.

Outro detalhe é que as forças armadas colombianas sabiam de tudo e teriam inclusive interceptado um carregamento de armas, achando que originalmente era para as FARC.

Finalmente, o fato é que Maduro saiu vencedor. Por qualquer um dos cálculos anteriores. A operação deveria ser uma mistura da invasão da Baía dos Porcos, em 1961, por dissidentes cubanos apoiados pelos EUA, com o rapto de Manuel Noriega, ex-ditador do Panamá, processado por narcotráfico.

Tal como a Baía dos Porcos se tornou um símbolo usado por Fidel Castro contra os EUA, a atual operação será um trunfo de Maduro. Primeiro, para mostrar a resiliência do regime, que contou com o apoio de populares para conter o ataque. E também mostrando que, enquanto as forças armadas venezuelanas estiverem com Maduro, ele estará no poder. Repete-se algo já dito várias vezes aqui: Vladimir Padrino é a chave do poder em Caracas.

Além da resistência aos EUA e da lealdade dos militares, o desastre também mostra a falta de coesão na oposição venezuelana, seja por qual motivo for, assim como o alcance do aparato da inteligência venezuelana, que estaria ciente do planejamento do ataque, seja por ter se infiltrado, seja pela citada falta de coesão. E, claro, a proposta dos EUA feita meses atrás cai por terra com esses eventos.

Muito ainda está por descobrir sobre o que ocorreu. Como visto, hipóteses não faltam para o leitor. Uma última hipótese soa muito improvável, a de que Maduro teria armado tudo. As entrevistas, os documentos, os próprios mortos comprovadamente opositores de Maduro depõe contra isso. O fato é que Guaidó teve que assistir Maduro em triunfo desfilar o material bélico apreendido na televisão, junto dos interrogatórios dos sobreviventes da operação politicamente precipitada e, principalmente, desastrada.

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