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Após quase 12 horas de debate, 82 parlamentares na assembleia de 120 membros aprovaram a moção contra o governo do primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti| Foto: Armend NIMANI/AFP

Não se trata de uma potência ou de um país frequentemente nos holofotes do noticiário, mas o Kosovo ganhou uma questionável “honraria” na última semana: foi o primeiro governo que ruiu devido à crise do novo coronavírus. Para complicar a situação do pequeno Estado balcânico, ele passa por dois ciclos viciosos, um retroalimentando a crise do outro, a política e a saúde pública.

Albin Kurti não ficou sequer dois meses oficialmente no cargo. Ele assumiu como primeiro-ministro do Kosovo no dia Três de fevereiro em uma situação bem delicada. As 120 cadeiras do parlamento kosovar são distribuídas entre três grandes partidos, três partidos médios e uma série de cadeiras para independentes ou representantes de minorias. Uma salada difícil de construir uma maioria.

Coalizão difícil

Essa coalizão delicada ruiu no espirro do coronavírus. O premiê, de centro-esquerda, desejava estabelecer o confinamento da população por vinte e um dias, para frear o avanço do vírus. São sessenta casos confirmados e uma morte; parece pouco, mas é importante lembrar que se trata com um grande déficit de infraestrutura após sua guerra de independência, com um tímido PIB de menos de nove bilhões de dólares.

O governo impôs o confinamento realizando uma “pedalada legal”, sem decretar Estado de emergência. Fazer isso fortaleceria os poderes do Chefe de Estado, o presidente Hashim Thaçi, de centro-direita e rival do premiê. Ou seja, a lei e a saúde pública tornaram-se alvo de cabo de guerra partidário. O ministro do Interior, Agim Veliu, de centro-direita e de um terceiro partido, meteu a colher na briga e defendeu o Estado de emergência.

Foi demitido pelo premiê por um suposto desacato, o que motivou o partido do agora ex-ministro do interior em pedir um voto de desconfiança no parlamento; a justificativa legal do pedido foi a de que o premiê não consultou seus aliados antes de demitir o ministro. O voto de desconfiança foi aprovado por 84 parlamentares. Basicamente, apenas o partido do premiê o defendeu, mais alguns independentes.

Fim da novela? Não, já que realizar uma nova eleição para renovar o parlamento significaria suspender o confinamento. Praticamente todos os países do mundo estão adiando suas eleições, temendo que as aglomerações típicas de um período eleitoral propiciem mais contágios. Comícios, atos de campanha, filas para o voto em zonas eleitorais. Plebiscito no Chile, eleições locais na França e primárias nos EUA são algumas das adiadas.

Opções

Sobram duas opções. Tentar articular um novo governo com o parlamento já existente, pulverizado ou manter o premiê Albin Kurti interinamente até que uma nova eleição possa ser realizada. Ou seja, para gerenciar uma crise de saúde pública em um país diminuto e com poucos recursos, teremos um governo com baixa legitimidade e pouca capacidade de articulação política.

Contribui para a complexidade da situação kosovar a situação internacional do país. Ou “país”, para um sérvio. Declarou sua independência em 2008 de maneira unilateral, com apoio dos EUA e do Reino Unido. Desde então, Kosovo não chegou em um acordo com a Sérvia, algo que é visto por Rússia e China como essencial para a formalização de relações. Sem as duas potências, não há reconhecimento formal na ONU.

Ao mesmo tempo, Kosovo também não consegue gozar de plenas relações com a União Europeia ou com a OTAN, pelo mesmo motivo. Alguns países se preocupam com o precedente que Kosovo abre, de uma independência unilateral causada por diferenças culturais. Um doce para quem adivinhar qual o principal país que segue essa política: a Espanha.

O governo espanhol teme que um reconhecimento seu do Kosovo saia pela culatra com futuros reconhecimentos da Catalunha ou do País Basco. E, sem reconhecimento espanhol, nada de acordos com a UE ou com a OTAN. Outros países da UE sem relações com Kosovo são a Grécia, a Romênia e a Eslováquia. O caso dos dois últimos também é explicado por terem minorias dentro de seus territórios.

Reconhecimento 

O caso romeno já foi até tema de uma coluna aqui nesse espaço. Já a postura grega era explicada pela pendência com a atual Macedônia do Norte e ainda é baseada em boas e históricas relações com a Sérvia. Importante lembrar que o Brasil adota política similar, reconhecendo a integridade territorial sérvia e sinalizando que a formalização de relações virá apenas depois de um acordo entre Pristina e Belgrado.

A política brasileira nesse caso se baseia em dois pilares públicos e um não tão público assim. Os públicos são o do pacifismo e o do Direito internacional. A ideia de não reconhecer o Kosovo é a de fomentar o diálogo em busca de uma solução negociada e legal. O não tão público assim é também evitar criar um precedente para separatismos brasileiros, incluindo aí o de povos indígenas.

O assunto é um “segredo aberto” desde a década de 1970, tanto no Itamaraty quanto nos meios militares. Negado em público mas foco de preocupação nos bastidores. Em diferentes governos, deve-se frisar, tanto que a independência do Kosovo ocorreu em 2008 e não foi reconhecida desde então. Hoje, apenas metade dos países da ONU reconhecem Kosovo como um Estado independente.

Isso não quer dizer o Kosovo não tenha aliados e apoios, apenas que, em uma pandemia, um evento global por definição, os kosovares estarão com suas opções limitadas. Isso agrava a já conturbada situação interna do país, que está numa sinuca de bico. E, infelizmente, é improvável que essa seja a última coluna tratando da relação entre o novo coronavírus e crises de governos pelo mundo.

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