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Membros da Guarda Nacional Bolivariana bloqueiam o acesso ao Palácio Legislativo Federal, sede tanto da Assembleia Nacional, liderada pela oposição, quanto da Assembleia Nacional Constituinte, pró-Maduro, em 15 de maio. Foto: Yuri Cortez / AFP
Membros da Guarda Nacional Bolivariana bloqueiam o acesso ao Palácio Legislativo Federal, sede tanto da Assembleia Nacional, liderada pela oposição, quanto da Assembleia Nacional Constituinte, pró-Maduro, em 15 de maio. Foto: Yuri Cortez / AFP| Foto:

A situação na Venezuela é um impasse e, como qualquer impasse, parece sem solução. Maduro não tem legitimidade o suficiente para consolidar seu regime, e Guaidó não tem força suficiente para derrubar esse mesmo regime. Isso ficou evidente na véspera do dia primeiro de maio, no falho levante que resultou em expurgos internos e mortes. Uma das possíveis soluções é um diálogo mediado por um ator desinteressado.

No caso, a Noruega, com a revelação da notícia de que os dois lados da situação política venezuelana estão em Oslo nessa semana. Por enquanto não ocorreram conversas diretas entre regime Maduro e a oposição, cada lado conversa em separado com diplomatas noruegueses. O tema, entretanto, é mais complexo, com outros interesses envolvidos, cabendo uma revisão desse tabuleiro de xadrez.

A Noruega

O interesse norueguês em sediar tais conversas é explicado por dois fatores. Primeiro, a quase inviabilidade de um ator regional latino-americano, hoje, sediar tais conversas. O Brasil, país que tradicionalmente desempenharia esse papel de árbitro, hoje, é totalmente comprometido com um dos lados envolvidos, assim como a Colômbia. O México passa por situação parecida, em prisma inverso.

Cuba, que sediou os diálogos entre Colômbia e as FARC, é carta fora do baralho por conta da relação da crise com os EUA. Sobraria o Uruguai, que defende um mecanismo de diálogo desde o início, porém o paisito não teria estofo suficiente para isso; especula-se que Montevidéu fez parte das conversas para que o diálogo ocorra em Oslo. Na falta de um ator regional, foi necessário um ator extra-regional.

Entra o segundo fator, a postura tradicional da diplomacia norueguesa de buscar projeção internacional pela mediação de conflitos. Embora com uma rica cultura própria de séculos de História, o Reino da Noruega, como o conhecemos, é um país extremamente recente, independente apenas em 1905. Sua população é pequena e trata-se de uma das menores densidades populacionais do mundo; boa parte de seu território é desabitado.

Leia mais: Líderes da oposição e enviados de Maduro se reúnem na Noruega para uma possível negociação

Como defender um território sem população, ainda mais com um dos maiores territórios marítimos do mundo, consequência das características geográficas e da posse de ilhas pela Noruega? Projetar prestígio e uma posição internacionalmente equilibrada é uma maneira de evitar conflitos em uma região habitualmente cobiçada por potências, devido sua riqueza mineral e oceânica.

No entreguerras, a Noruega buscou ser como uma Suíça, uma política de estreita neutralidade. Em tempos mais recentes, recebeu conversas de paz sobre a guerra na Bósnia e, principalmente, sediou os Acordos de Oslo, entre Israel e Palestina, simbolizados pela foto da assinatura entre Arafat e Rabin, com Clinton entre os dois. O prêmio Nobel é outra ferramenta dessa projeção de mediação.

Hoje, entretanto, não é possível falar numa estrita neutralidade norueguesa. O país foi invadido pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, na corrida pelo controle das reservas minerais do país. Essa lição fez com que a Noruega fosse um dos membros-fundadores da OTAN e ator central na Guerra Fria no teatro do Ártico. Por isso, o país acumulou algumas crises pontuais com soviéticos.

As potências

Isso leva ao possível calcanhar de Aquiles das conversas na Noruega. Embora reúnam os dois lados da crise, o quanto elas representam os interesses das potências? Nomeadamente, Rússia, China e EUA. Na última terça-feira, Luisa Ortega Díaz, ex-promotora-geral da Venezuela e uma das primeiras chavistas que denunciou Maduro, deu entrevista em que menciona explicitamente chineses e russos.

“Eu não descarto que se faça uma oferta (para Maduro), uma oferta séria. Mas tem que ser feita a partir de países como China, Rússia, eu adicionaria esses países”. O principal interesse dos dois países é o financeiro; ambos possuem investimentos na Venezuela, são fornecedores de armas, além de serem credores de empréstimos contraídos pelo país. China e Rússia não deixarão de apoiar Maduro sem garantias para seus investimentos.

Principalmente os investimentos na indústria de petróleo venezuelana, com a presença da Rosneft russa e da estatal chinesa Sinopec, na casa dos bilhões de dólares e milhões de barris. Outro interesse russo é usar a Venezuela como moeda de troca pela Ucrânia. Os russos retiram seu apoio ao governo Maduro, na esfera de influência dos EUA, em troca da retirada de apoio militar dos EUA aos ucranianos, na esfera de influência de Moscou.

O presidente dos EUA, Donald Trump, relatou, após conversa telefônica com Putin, que “ele quer ver coisas boas acontecerem na Venezuela”. Putin não tem grande apreço por Maduro, considera ele, de forma justa, um incompetente. Segundo o jornalista Vladimir Frolov, Putin “detesta” Maduro e pode abrir mão da Venezuela pelo “preço certo”. Ilude-se quem vê alguma grande conspiração ideológica mundial onde só há interesse.

Do lado dos EUA, o interesse é a queda de Maduro para retomada da presença econômica de Washington no país. Principalmente pois isso afasta os interesses chineses no país latino-americano. O petróleo venezuelano é interessante para os EUA? Sem dúvida, mas, ainda mais interessante é afastar a presença da China em sua vizinhança, nessa crescente disputa por influência geopolítica.

Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e seu homólogo russo, Sergei Lavrov, se encontraram na Finlândia, outro “porto neutro” de conversas. Os discursos externos foram os mesmos. “A Rússia é a favor de que o povo deste país defina seu futuro e, nesse sentido, é extremamente importante que todas as forças políticas responsáveis ​​patriotas deste país iniciem um diálogo”, disse Lavrov.

Pompeo retruca que “Os Estados Unidos e outros países consideram que chegou a hora de Maduro sair, para que termine o sofrimento do povo venezuelano. (…) Nós esperamos que o apoio russo a Maduro acabe”. Por trás das câmeras, entretanto, as declarações eram menos passionais e definitivas, barganhando por um acordo que satisfaça os interesses de ambas as partes.

Os venezuelanos

Guaidó convocou novas manifestações no último final de semana. Foram as mais minguadas dos últimos meses, com cerca de duas mil pessoas em Caracas apenas. Maduro sabe que se prender Guaidó complicará ainda mais sua situação. Guaidó percebe que não tem mais o poder de mobilização que teve. E as forças armadas, o sustentáculo de Maduro, não o apoiaram.

Estão na Noruega, representando a oposição, os assessores de Guaidó Gerardo Blyde e Fernando Martínez, e o segundo vice-presidente da Assembleia Nacional, Stalin González; a Assembleia Nacional é o parlamento chefiado por Guaidó, declarado em desacato pela Suprema Corte e reconhecido como o legítimo poder popular pelo Brasil, pelos EUA e por outros países.

Pelo regime Maduro estão presentes o ministro venezuelano da Comunicação, Jorge Rodríguez, e o governador do Estado de Miranda, Héctor Rodríguez. Na última quarta-feira, Nicolás Maduro afirmou em seu programa televisivo que o ministro da Informação estava numa missão “muito importante” fora da Venezuela. Um indício de que as conversas em Oslo são endossadas pelo governo.

Aqui estão três interesses. Maduro e seu círculo íntimo, sabendo que não conseguirá se manter no poder por muito tempo, quer negociar uma maneira de salvar o próprio pescoço. Um exílio, uma anistia ampla, um eventual papel numa transição, algo do tipo. Algo que garanta que ele não sofrerá o destino do romeno Ceausescu. A Rússia, inclusive, já teria eliminado a possibilidade de ser o futuro lar de Maduro.

A oposição quer o fim do regime e uma abertura política, com uma transição para eleições amplas, incluindo a restauração dos direitos políticos de integrantes considerados radicais, como Leopoldo López, algo que não agrada setores do governo e das forças armadas. O terceiro interesse é o dos setores de Estado que estão comprometidos com o regime: juízes, procuradores, promotores e oficiais militares.

Esses setores precisam de uma definição sobre seu futuro, inclusive para evitar uma guerra civil motivada pelos seus integrantes. Qual seria o papel deles sob a mesma bandeira da Venezuela, porém com outro regime? Uma anistia? Inclusive para os suspeitos de envolvimento com narcotráfico? Papel de garantidores dessa transição? Esses são os elementos que mais têm a perder e, ao mesmo tempo, são necessários para a oposição.

Isso fica muito claro em uma reportagem do jornal Washington Post sobre os bastidores do 30 de Abril, que revela que o chefe do Judiciário venezuelano, Maikel Moreno, faria parte do movimento de Guaidó, abandonando o barco no último momento. Ele daria respaldo jurídico aos militares para retirarem Maduro do poder e poderia restaurar a Assembleia Nacional de seu desacato. Sem esse estofo jurídico, os militares não agiram.

Leia mais: Por dentro do plano secreto (e frustrado) da oposição para derrubar Maduro

Costurar um acordo com tantos envolvidos não será tarefa fácil para os noruegueses. Para uma saída menos violenta da crise é necessário atender russos e chineses, dar garantias aos militares, ao judiciário e a Maduro e assegurar uma ascensão de Guaidó que não desagrade os outros setores venezuelanos. Não é impossível, mas, se fosse fácil, já teria sido feito. Se noruegueses conseguirem, marcarão um belo ponto em sua política externa.

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