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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala a apoiadores após a divulgação dos resultados das eleições legislativas no país, 14 de novembro
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala a apoiadores após a divulgação dos resultados das eleições legislativas no país, 14 de novembro| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

Nos vizinhos e num país distante, o último final de semana foi de duas eleições nacionais. No dia 14 de novembro, os argentinos foram às urnas votar para renovar parte do Legislativo federal e os búlgaros votaram no primeiro turno da eleição presidencial e em uma nova eleição para o parlamento nacional. Concentremos essa coluna em Buenos Aires, onde a sensação foi de derrota para o governo.

Primeiro, os números do pleito argentino. Estavam em disputa 127 dos 257 assentos da Câmara dos Deputados, metade, e 24 dos 72 assentos do Senado, um terço. A renovação de um terço dos senadores na Argentina parece lembrar o cenário brasileiro, mas é um pouco diferente. Aqui, cada senador é eleito para um mandato de oito anos e cada estado da federação tem três cadeiras, alternando eleições com um e dois assentos disponíveis.

Nos vizinhos também são três senadores por província, mas o mandato é de seis anos e, mais importante, um terço das províncias renova toda a sua bancada a cada pleito. No Brasil, por exemplo, os eleitores paranaenses elegeram Álvaro Dias para o Senado em 2014, depois Flávio Arns e Oriovisto Guimarães em 2018. Na Argentina, cada província elege os três senadores de uma vez só, sempre.

Enorme derrota governista

A disponibilidade de três cadeiras, somada às regras eleitorais, faz com que seja muito difícil que as grandes coalizões fiquem de fora, sem ganhar ao menos um assento no Senado em cada província. É esse o motivo da explicação dessa regra. Quando se tem isso em mente, a derrota do governo de Alberto Fernández é ainda maior. Antes da eleição, a coalizão governista Frente de Todos tinha 41 assentos, maioria da casa.

Com apenas 27,5% dos votos para o Senado, os governistas tiveram o pior resultado pós-redemocratização, ficando com nove dos 24 assentos em disputa. A primeira colocada foi a coalizão oposicionista Juntos por el Cambio (JxC, Juntos pela Mudança), do ex-presidente Mauricio Macri e encabeçada pelo economista e chefe de governo de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta.

O Juntos ganhou 14 assentos, com 46,8% dos votos. O governo ainda terá a maior bancada do Senado, com 35 senadores, mas não terá mais a maioria. “Maior” e “maioria”, duas palavras muito parecidas mas que alteram completamente o cenário político. O JxC terá uma bancada total de 31 assentos. Outras seis cadeiras estão na mão de partidos menores de oposição, como o Consenso Federal, que conquistou uma no domingo.

O Consenso Federal é um “Peronismo de centro”. Isso é algo interessante de discutir e de lembrar ao leitor. Ao contrário do que muitas pessoas acham, Peronismo não é necessariamente de esquerda. Existem vários movimentos que reivindicam a herança política de Perón, a maior figura política do século XX argentino, desde grupos nacionalistas de direita até movimentos trabalhistas de esquerda.

Na Câmara dos Deputados, o resultado também foi de derrota para o governo, embora menor. Antes do pleito, o governo tinha 120 deputados, de 257. Ou seja, já não tinha a maioria, embora isso não queira dizer que podiam “abrir mão” de dois assentos, que foram a perda líquida. Com apenas 33,5% dos votos, conquistaram 50 dos 127 assentos que estavam em jogo nesse domingo.

Significado dos resultados

O JxC teve menos votos do que teve para o Senado, com 41,9% dos votos e 61 das cadeiras em jogo. Agora, a coalizão de Macri terá 116 deputados, apenas dois a menos do que o governo. Outras cinco plataformas cresceram na Câmara dos Deputados. A Frente de Izquierda y de los Trabajadores dobrou sua bancada, de dois para quatro e os conservadores e autoproclamados libertários entraram na casa com cinco assentos.

Três partidos regionais dobraram suas bancadas, de um para dois. Finalmente, o já citado Consenso Federal perdeu metade de seus deputados, afetado também por um racha em suas fileiras, com alguns candidatos migrando para o JxC. Todos esses resultados são, em teoria, provisórios, já que cerca de 1,5% das urnas ainda estão por contar. O cenário macro, entretanto, não deve mudar.

O resultado significa, basicamente, que Fernández vai precisar negociar mais com a oposição. Ele pediu por uma oposição “responsável e aberta ao diálogo, de maneira patriótica”, e que a cooperação é “benéfica para o país”. Macri afirmou que os próximos dois anos serão “difíceis” e que a oposição agirá com “grande responsabilidade”. Existe uma pedra no sapato nessa cooperação, entretanto.

A Argentina emula os EUA em parte de sua estrutura política. Uma dessas inspirações é que a vice-presidência da república é, também, a presidência do Senado. No caso atual, Cristina Kirchner, que passa longe de ter uma boa relação com Fernández. Na crise política pós-primárias, que resultou numa dança das cadeiras do gabinete, ela só faltou enviar uma carta iniciada por “verba volant”.

Brincadeiras de lado, Cristina não participou do comício pós-eleição, oficialmente devido à orientação médica, já que ela passou por uma cirurgia recentemente. Fernández não vai precisar apenas dialogar com a oposição, mas melhorar a articulação política dentro de seu próprio governo. Além desses dois problemas, é necessário explicar os motivos da enorme derrota governista argentina.

Fotos da festa

São dois, um ligado ao outro. Um é o impacto da pandemia na sociedade e na economia argentinas. O governo adotou medidas rígidas de contenção e de confinamento que, embora tenham gerado bons resultados em um primeiro momento, desgastaram a população e não tinham como ser mantidas em longo prazo, por razões econômicas. Para usar uma expressão corriqueira, a Argentina “queimou a largada”.

Isso foi abordado numa coluna aqui no nosso espaço em outubro de 2020. Destaco um trecho: “Temos aqui o que talvez seja o principal problema da abordagem argentina, ter realizado uma abertura do confinamento sem testar de maneira suficiente, sem saber direito onde estava pisando. E, pensando no confinamento precoce, não ter conseguido aproveitar o tempo de antecedência para se preparar de maneira suficiente.”

Caso o leitor deseje algo mais aprofundado sobre o confinamento na Argentina, sugiro que revisite a coluna. O outro fator que pesou na eleição ocorreu em agosto de 2021, quando foram publicadas fotos de um evento ocorrido em 14 de julho de 2020 na residência presidencial de Olivos. Na ocasião, era celebrado o aniversário da primeira-dama, Fabiola Yáñez, com vários convidados que não utilizavam máscara de proteção.

O presidente pediu desculpas e lamentou, mas o estrago da hipocrisia explícita estava feito. Enquanto a população precisava lidar com diversas medidas de restrição sanitárias, o próprio presidente, que deveria ser o exemplo, as violava. Aglomeração, festinha, convidados sem máscara sorridentes nas fotos. Pegou muito mal, para ser gentil. Houve até ameaça de pedido de impeachment.

Finalmente, resta saber quanto tempo vai durar a lua de mel da oposição, que saiu maior do que entrou nessas eleições. Macri e Larreta, com Patricia Bullrich correndo por fora, precisam fazer algum acordo sobre quem será o candidato presidencial em 2023, com o risco de caírem em uma disputa fratricida no meio do caminho. Até lá, ao vencedor as batatas, e também o Fernet con coca.

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