• Carregando...
Um homem vestindo uma máscara facial entra no túnel de uma estação de metrô com a placa da propaganda oficial dos Jogos Olímpicos de 2020 em Tóquio
O Japão e os organizadores das Olimpíadas estão preocupados em insistir que os Jogos deste verão em Tóquio sejam iniciados, apesar do surto de coronavírus.| Foto: Philip FONG/AFP

Os jogos olímpicos de 2020 estão na berlinda. O comitê organizador japonês continua os trabalhos visando a realização dos jogos de Tóquio no devido cronograma, mas as mensagens são confusas, para dizer o mínimo. A ministra responsável, Seiko Hashimoto, disse que seria “inconcebível” cancelar os jogos, mas admitiu um possível adiamento para Dezembro. Os interesses são diversos, assim como as mensagens transmitidas, mas o motivo é, claro, a epidemia do coronavírus.

Vidas em risco

De um lado, a prudência sugere o adiamento da competição. O Japão, hoje, possui cerca de mil casos, com trinta mortes. O número parece baixo, mas teme-se que a doença possa ter efeito devastador na população japonesa pelos mesmos motivos que explicam a situação na Lombardia: alta densidade populacional e grande número de idosos. Além do temor, o óbvio: como controlar a chegada e a saída do público e dos turistas em meio uma pandemia? Como colocar dezenas de milhares de pessoas em estádios e ginásios?

Além de colocar vidas em risco, seria um eventual pesadelo logístico, o que implica também em grandes custos econômicos para a realização do evento. Também favorece o argumento do adiamento o fato de que muitos atletas, talvez a maioria deles, esteja com a preparação prejudicada para os jogos. Especialmente os que estão infectados com o vírus, como o pivô de basquete Rudy Gobert, principal jogador francês e um dos primeiros casos de atletas de alta visibilidade infectados e que inspirou a paralisação da NBA.

Seu caso tornou-se ainda mais icônico pelo fato de, dias antes, ele ter feito troça da doença e subestimado seu potencial de contágio. Além dos infectados, mesmo os saudáveis estão com sua preparação prejudicada. Paralisação de campeonatos, fechamento de instalações esportivas, uma miríade de fatores que afetam o treinamento de atletas de altíssimo nível.

Outros argumentos nadam na direção contrária, defendendo a realização dos eventos. Principalmente os dos interesses financeiros.

Contratos com patrocinadores e veículos de mídia já foram assinados, instalações reformadas ou construídas, pacotes turísticos e ingressos já vendidos. O adiamento significaria prejuízo, o cancelamento prejuízo maior ainda, em um período de profunda incerteza para a economia mundial. Nessa seara, possivelmente alguns interesses mais opacos também devem se fazer presentes, com dirigentes esportivos pelo mundo comprometidos com empresas que favoreceram.

Motivação

Um argumento, entretanto, busca um apelo mais emotivo. De que a Olimpíada, nesse momento, poderia tornar-se um símbolo de esperança e de união mundial na “guerra mundial” contra o vírus, no termo usado pelo presidente francês Emmanuel Macron. Países menos conhecidos, mas afetados pelo vírus, teriam uma “vitrine” para o mundo. Pessoas seriam homenageadas, atletas contariam suas histórias pessoais e as cerimônias certamente teriam mais impacto emocional.

Tudo isso tornaria a Olimpíada de Tóquio de 2020 um marco esportivo e audiências iriam subir, especialmente pensando se alguns lugares ainda estivessem com sua vida cotidiana perturbada. Não é apenas um argumento pelo símbolo, mas também considerando os efeitos comerciais e culturais desse símbolo. Claro que a origem dessa simbologia é histórica, não foi criada ontem e remete à antiguidade, quando da chamada Trégua Olímpica que reinava nas cidades-Estado gregas.

Durante os jogos era declarada uma trégua universal, chamada em grego de ékécheiria, já que a guerra supostamente iria contra as homenagens aos deuses. Os jogos incluíam diversos rituais, líderes políticos e eram sempre disputados na cidade de Olímpia; daí seu nome. Na era moderna olímpica, iniciada em Atenas em 1896, apenas uma vez a trégua olímpica chegou perto de ser observada, quando as repúblicas iugoslavas competiram nos anos 1990, apesar das guerras em andamento.

É importante lembrar que o próprio resgate dos jogos olímpicos foi incentivado essencialmente pelo seu simbolismo. O nacionalismo grego do século XIX e a independência do país, em 1830, que se libertou do jugo otomano, viu no ato de reviver a Olimpíada uma forma de valorizar sua cultura e também angariar apoio e simpatia internacional para o jovem Estado de antiga História. E não deixa de ser curioso o momento em que essa simbologia é discutida.

Simbolismo

Se a Olimpíada de 2020 pode ser relembrada para sempre como a dos jogos que marcaram uma união contra uma doença, quarenta anos atrás a Olimpíada tornou-se um símbolo de desunião e de discórdia. Foi no dia 21 de Março de 1980 que o então presidente dos EUA, Jimmy Carter, anunciou o boicote de seu país aos jogos olímpicos de Moscou, em protesto à intervenção soviética na guerra civil do Afeganistão, com consequente invasão do país. Foram, no total, sessenta e cinco países boicotando a Olimpíada.

Da América do Sul, não participaram Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai e Suriname. O Brasil manteve sua participação, mesmo na Guerra Fria, adotando uma postura própria. Países socialistas rompidos com a URSS aderiram ao boicote, como a China e a Albânia. Outras delegações participaram dos jogos, mas boicotaram a cerimônia de abertura, ou seus atletas competiram sob a bandeira olímpica, não representando suas nações, um equilíbrio diplomático entre participar e não antagonizar os EUA.

O Brasil conquistou quatro medalhas na ocasião. Dois ouros no iatismo, um bronze na natação, na prova de revezamento 4 por 200 metros livres masculino e um bronze para João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, que foi o porta-bandeira brasileiro. Mesmo para os brasileiros, entretanto, o momento mais lembrado daquela olimpíada não foi esportivo. Foi justamente um momento simbólico. A lágrima do ursinho Misha, o mascote oficial da competição, na cerimônia de encerramento.

Alguns dizem que a lágrima já era programada, um símbolo de comoção na despedida dos jogos. A versão que entrou para a História, entretanto, é a de que a lágrima foi de tristeza pela ausência dos países que aderiram ao boicote. Tornou-se um símbolo da hostilidade da Guerra Fria, que afetou até a trégua olímpica e a convivência entre os povos, no que deveria ser um momento de alegria. Daqui quarenta anos, teremos um símbolo de união, um cancelamento, outra solução, como será lembrada a Olimpíada de Tóquio de 2020?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]