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Drones: pequenos aviões controlados à distância
Drones: pequenos aviões controlados à distância| Foto: EFE

Nos últimos trinta anos fala-se que os robôs serão o futuro das armas e das guerras. Talvez quarenta anos. Está na hora de aposentar essa frase. Não por ela estar errada, mas pelo fato de que “o futuro chegou”. O uso de drones aéreos já se proliferou o suficiente para que potências intermediárias possuam seus projetos e frotas, e a capacidade desses pequenos aviões controlados remotamente já permite o desequilíbrio no campo de batalha.

O nome correto do que é citado aqui na coluna é veículo aéreo não tripulado, VANT na sigla em português, UAV na sigla em inglês, chamado popularmente de drone, zangão no idioma inglês. Uma aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada, controlada à distância ou, até mesmo, sem a necessidade de constante intervenção humana, sendo programada.

Trata-se de algo bem distante dos pequenos drones domésticos que servem para filmagens ou até mesmo como brinquedo, e que no futuro servirão para entregar encomendas e até refeições. Também não são os drones utilizados durante a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos realizados no Brasil, para vigilância e monitoramento dos locais dos jogos, com câmeras e sensores. Depois dos eventos, esses drones são usados pela polícia federal brasileira para monitorar as fronteiras.

Uso na Ucrânia

Um exemplo do tipo de drone que a coluna se refere é o Bayraktar TB2 turco, de média altitude. A aeronave tem doze metros de envergadura, atinge velocidades de 220 quilômetros por hora a mais de oito mil metros de altitude, enquanto carrega 150 quilos de armamentos, como bombas de precisão ou mísseis anti-carro guiados à laser. Enquanto isso, seus operadores estão à salvo, em um veículo de controle localizado a mais de uma centena de quilômetros dali.

Qual o motivo do uso dessa aeronave como exemplo? No último dia 27, uma representante das forças pró-Rússia no leste da Ucrânia anunciou que uma ofensiva do exército ucraniano tomou a vila de Staromaryevka, antes ocupada pela autoproclamada República Popular de Donetsk. A ofensiva ucraniana contou com o uso inaugural dessas aeronaves de origem turca, destruindo posições de artilharia das forças pró-Rússia. Originalmente, a Ucrânia adquiriu doze aeronaves em 2019.

No início desse ano, Ucrânia e Turquia anunciaram projetos para a produção em conjunto de mais 48 drones desse modelo. A ofensiva ucraniana e o uso da nova arma fez com que um porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, alertasse que “as entregas desse tipo de armas aos militares ucranianos podem desestabilizar a situação na linha de contato", embora ressaltando que Moscou tem “laços realmente bons com a Turquia”. Isso pode reverter uma política russa dos últimos anos.

Em julho de 2014, o voo 17 da Malaysia Airlines foi abatido enquanto sobrevoava a Ucrânia. Todos os 298 ocupantes da aeronave morreram e uma das hipóteses mais fortes para explicar o incidente é que a aeronave foi vítima de uma bateria antiaérea russa operada por separatistas pró-Rússia pouco preparados. A Rússia nega responsabilidade pelo incidente mas, de qualquer maneira, “curiosamente”, os equipamentos antiaéreos dos separatistas minguaram depois do evento, restritos a baterias de curto alcance, visando helicópteros.

Agora, com a Ucrânia utilizando essas aeronaves, talvez a Rússia decida que escalar o conflito seja a resposta adequada. O conflito no leste da Ucrânia é quase ideal para o uso de aeronaves não tripuladas. A Ucrânia, hoje, é um país em crise: política, de identidade, econômica e militar. O país não possui grande orçamento para defesa e tem problemas em adaptar suas forças em relação aos equipamentos de origem soviética e russa.

Bagatela

Não consegue obter peças para o que possui, ao mesmo tempo que não consegue adquirir novos equipamentos em outros mercados. Seus militares mais capacitados sofrem com salários baixos e atrasados, isso quando não desertaram. O programa de mísseis norte-coreano, por exemplo, provavelmente contratou militares ucranianos com expertise na área. Os cinco mil mortos na guerra, desde 2014, cobram um preço também político, e o sacrifício de mais militares precisa ser evitado.

Um TB2 turco custa cerca de dois milhões de dólares. Claro, um dinheiro razoável pensando no bolso do colunista ou do leitor, mas uma fração do custo de um avião de caça moderno. E, caso seja abatido, não custará a vida de um piloto que recebeu um alto investimento em sua formação. O uso de uma aeronave não-tripulada como essa permite que um país como a Ucrânia consiga prover respostas pontuais sem grandes riscos.

O uso de drones não é exatamente novidade, mas, até alguns anos atrás, era virtual monopólio de grandes potências. Os EUA usam aviões não-tripulados desde o início do século, especialmente na chamada Guerra ao Terror, realizando milhares de ataques no Afeganistão, no Paquistão, no Iêmen, na Somália e no Kosovo. “Milhares” não é uma hipérbole, e o custo do uso dos drones foi inclusive político, com calorosos debates sobre a ética do uso de drones durante o governo Obama.

Hoje, Turquia, Irã e Israel são desenvolvedores importantes de drones. Mais que isso, também são exportadores. Nos últimos anos, a China entrou no mercado e “tirou o atraso”, tornando-se também uma grande exportadora de aeronaves não-tripuladas de combate. A Rússia também desenvolve projetos na área, mas, até o momento, não exporta suas aeronaves. Talvez o melhor exemplo de como essas aeronaves baratas e “descartáveis” podem impactar o campo de batalha veio da guerra no Cáucaso em 2020.

Ciclo de desenvolvimento

A vitória do Azerbaijão sobre a Armênia é explicada por diversos fatores. Um deles é a aliança do país com a Turquia, refletida no amplo uso de uma frota de drones de origem turca pelas forças azeris. Além do TB2 já citado aqui, o Azerbaijão usou diversos “drones suicidas”, chamados em inglês de loitering munition, algo como “munição errante”. O drone, que contém um explosivo, fica no ar, sem destino definido, até receber o comando de “se jogar” sobre o alvo, uma mistura de aeronave e míssil.

As forças armênias, despreparadas para enfrentar essa “novidade”, sofreram um duro revés até conseguirem adaptar suas táticas e equipamentos para esse cenário. Era tarde demais, porém. Enquanto a primeira guerra entre os dois países durou seis anos, entre 1988 e 1994, e custou cerca de cinquenta mil vidas, a de 2020 durou dois meses e tirou menos de dez mil vidas. E ambas tiveram os mesmos impactos em mudanças territoriais.

A expansão do uso de drones será o teor dos próximos anos, especialmente nos chamados “conflitos de baixa intensidade”. Pelas razões apresentadas ao leitor, eles representam uma solução cômoda para os custos das guerras, tanto econômicos quanto humanos. Pensando no lado que os usa, claro, não no outro. Que, por sua vez, vai se armar também com drones. O que levará ao desenvolvimento de drones ainda mais modernos. Uma repetição das corridas armamentistas dos últimos séculos de História.

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