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O primeiro-ministro do Vietnã, Nguyen Xuan Phuc, é retratado na tela (D) enquanto discursa para seus homólogos durante a 4ª Cúpula Regional de Parceria Econômica Abrangente (RCEP) na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), realizada virtualmente em Hanói em 15 de novembro, 2020| Foto: Nhac NGUYEN/AFP

Na semana passada foi assinado um dos maiores acordos de livre-comércio da história. Quinze países da Ásia e da bacia do oceano Pacífico anunciaram, no dia 15, a conclusão da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que conta com um terço da população e um terço do PIB mundiais. Japão e, principalmente, China, vão se beneficiar de uma ampla gama de possibilidades econômicas. Um contratempo para os EUA. Paradoxalmente, é ao final do governo Trump que chega a conta de um erro cometido em seus primeiros dias como presidente dos EUA.

No dia 23 de janeiro de 2017, três dias depois de sua posse, Donald Trump assinou uma ordem executiva que retirou seu país da Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês). A negociação para o TPP durou quase dez anos e criaria uma zona comercial que diminuiria tarifas e uniformizaria barreiras não-tarifárias. A economia dos EUA, a maior do mundo, teria maiores possibilidades perante outros doze países: Singapura, Brunei, Nova Zelândia, Chile, Austrália, Peru, Vietnã, Malásia, Japão, México e Canadá. Esses dois últimos já são parceiros dos EUA em livre comércio.

O acordo juntava desde algumas das maiores economias do mundo, como a do Japão, passando por algumas das que mais crescem, como o Vietnã, até países de alto desenvolvimento humano, como a Austrália. E a lista de países integrantes possui motivo, frisar a ausência da China. Criava, em mais de um terço da economia mundial e do comércio global, uma zona onde a economia dos EUA seria a proeminente, a de maior peso. De quebra, deixava a China de lado e, com um acordo de livre comércio e de investimentos tão amplo como a TPP, o caminho para que Japão ou outro país negociasse um acordo similar com a China seriam reduzidos.

Com a retirada de Trump, antes mesmo da maioria dos países ratificarem o acordo, os termos da parceria ficaram natimortos. E por qual motivo Trump saiu do TPP? Sua principal crítica era sobre a proteção de postos de trabalho que supostamente seriam perdidos com o acordo. O primeiro grande ato dentro do slogan eleitoral “América Primeiro”. Nessa crítica ele teve até aliados curiosos, como Bernie Sanders, e não foi unanimidade entre sua chapa, já que Mike Pence, o atual vice-presidente, defendeu o TPP quando governador de Indiana. Também havia os comentários ideológicos, a luta contra moinhos de vento representando acordos comerciais, zonas de livre comércio, o “globalismo”.

Ganho nenhum

Mais que isso, o autor do livro A Arte da Negociação fez algo que ele mesmo diz que é um erro: tomar uma decisão que não renda nenhum ganho. Trump sequer usou o TPP para barganhar por termos que considerasse mais vantajosos. Ele tinha algo em suas mãos e rasgou sem colher nada em troca. Afirmou que sua prioridade seria a busca por acordos bilaterais. Nas véspera de deixar o cargo, Trump não tem sequer um acordo de livre-comércio para exibir. Nenhum. O máximo foi um acordo preliminar com o Japão, limitado a alguns temas, não se tratando de acordo de livre-comércio.

Ou seja, Trump abriu mão do TPP para buscar um caminho diferente, e fracassou nessa busca. Mais importante e mais grave, da perspectiva de Washington, foi ter deixado um vácuo na bacia do Pacífico. Em sua enorme preocupação em confrontar a China, ele negligenciou o preenchimento de espaços, tão importante quanto o confronto. Talvez mais. Ter circunstâncias favoráveis em uma relação antecipa e evita o confronto, e ter um bom aliado pode ser de valor no eventual confronto citado. Ao retirar seu país do TPP, foram abertas as portas para que os países restantes buscassem outro peso pesado econômico para reconstruir a parceria. E foi o que aconteceu.

Vácuo preenchido

E, modestamente, essa coluna não se trata de um comportamento de “engenheiro de obra pronta”, já que esse mesmo colunista que aqui escreve afirmou, em outro veículo de comunicação e no dia 27 de janeiro de 2017, que Trump correria esse risco quando abriu mão do TPP. Na época, a China já aceitava o dólar australiano para investimentos em seu país e, em 2015, China e Austrália assinaram um acordo de livre-comércio, retirando tarifas de 95% dos produtos australianos. No mesmo ano, China e Coreia do Sul estabeleceram o seu acordo de livre-comércio.

Contando com o fato de que China e a Associação de Nações do Sudeste Asiático possuem uma zona de livre-comércio consolidada desde 2010, o grande ator do Pacífico que não tinha acordos de livre-comércio nem com a China e nem com os EUA era o Japão. Era. Agora, a RCEP liga os pontos e conecta diversos atores e acordos. O Japão se junta à China, Coreia do Sul, Austrália, Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Nova Zelândia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã em um grande bloco comercial que afetará cadeias de produção mundiais. Há ainda a possibilidade de entrada da Índia, que saiu por protecionismo agrícola.

Trump acreditava que as economias asiáticas ficariam sentadas, esperando o governo dos EUA mudar de ideia? Não existe vácuo na política, muito menos na política internacional. Ao sair do TPP de maneira unilateral, sem negociação, Trump simplesmente abandonou um espaço, que foi preenchido pela segunda maior economia do mundo. Agora, será a vez dos EUA ter eventuais problemas em conseguir maior penetração na região, com Vietnã, Indonésia e Japão, por exemplo. O próprio texto do acordo, em seus aspectos técnicos, favorece o comércio intrarregional e os investimentos dentro dos signatários. Washington vai ter que remar bastante para alcançar seus concorrentes no Pacífico. Se alcançar.

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