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Céu noturno acima do Very Large Telescope do ESO, no Atacama, Chile
Céu noturno acima do Very Large Telescope do ESO, no Atacama, Chile| Foto: Petr Horálek/Embaixador Fotográfico do ESO

Em Dois de Julho de 2019, parte do hemisfério Sul da Terra poderá apreciar um total eclipse solar. Além de apreciado por leigos ele também será estudado, registrado e analisado por astrônomos e outros cientistas. E qual a relação do tema com uma coluna de política internacional, escrita por outro leigo em astronomia, embora entusiasta? A astronomia, especialmente a observação dos corpos celestes à partir da Terra, faz parte importante da política externa chilena.

Astronomia

Nos dias próximos ao eclipse vai ocorrer a segunda edição do encontro de cientistas e divulgadores científicos #MeetESO no Chile. “Encontro no ESO”, acrônimo para European Southern Observatory, Observatório Meridional Europeu. O ESO foi fundado em 1962, hoje é formado por um consórcio de dezesseis países e possui três complexos em território chileno, com um quarto em construção. Um desses complexos é o Observatório de La Silla, no Atacama, com mais de uma dúzia de telescópios.

Os equipamentos são operados pelo consórcio, por agências nacionais e por universidades. Algo que torna o vindouro eclipse importante é o fato de que ele ocorrerá no céu diretamente acima do observatório, algo que se repetirá apenas daqui a 212 anos. A trajetória celeste favorece o estudo do fenômeno em condições excepcionais, para escrever o mínimo. Outros observatórios do ESO no Chile são o de Paranal e o de Llano de Chajnantor, ambos também no Atacama.

No complexo de Chajnantor está o ALMA, acrônimo para Atacama Large Millimeter Array, um conjunto de sessenta e seis rádio telescópios, construídos cinco mil metros acima do mar, ao custo de um bilhão e meio de dólares. O observatório mais caro do mundo, resultado da cooperação da ESO mais os EUA, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e o governo chileno. O ALMA talvez perca em breve o primeiro lugar de observatório mais caro, para outro projeto da ESO.

Em 2025 deve entrar em operação o Extremely Large Telescope, ELT; um nome não muito criativo, “Telescópio Extremamente Grande”. A nomenclatura, entretanto, deixa clara a ambição do projeto e basicamente tudo relacionado ao equipamento é superlativo. O orçamento da construção é coberto pelos governos dos Estados-membros do ESO, além da contribuição anual de 162 milhões de Euros para os custos de operação e de manutenção do quadro de cerca de setecentos funcionários.

Geopolítica

Essa coluna poderia se prolongar por páginas e páginas caso o propósito fosse listar equipamentos astronômicos presentes no Chile. Mais da metade da infraestrutura de astronomia de todo o mundo está no país sul-americano. A região do Atacama é alta, seca e pouco habitada. Isso significa distância da poluição visual das grandes cidades, ausência de chuvas e de céus nublados e noites mais escuras. Por mais de trezentas noites por ano o céu e o cosmos além podem ser observados e estudados com condições ideais.

Por esses motivos o país sul-americano atrai investimentos e parcerias oriundos de uma variedade de outros Estados; um deles é o Brasil, inclusive. Recentemente, a Academia Chinesa de Ciências iniciou os trabalhos do Centro Sul-americano para Astronomia. O convênio criou uma linha direta entre o governo do Chile e o da China, algo de valor estratégico no século XXI. Além das relações entre os dois países do Pacífico, o convênio implicou quase um bilhão de dólares de investimentos chineses em universidades chilenas.

Essas várias relações entre o Chile e países interessados em seus céus são acompanhadas de políticas públicas e de governo. Por exemplo, isenções fiscais para diversos equipamentos científicos, algo frequentemente centro de controvérsias no Brasil, onde pesquisadores e universidades costumam se digladiar com a Receita Federal para manterem suas pesquisas. Apoio legislativo, com o estabelecimento de santuários físicos para pesquisa e a criação de linhas de fomento de pesquisa, são outros exemplos.

Com isso o Chile torna-se um ótimo exemplo do conceito de geopolítica; a relação entre as características geográficas de um Estado, físicas e humanas, e os processos políticos e relações entre Estados e sociedades. A mera localização do país e características de seu relevo tornam-se ativos usados pelo Estado chileno em suas relações e no seu desenvolvimento interno. O termo geopolítica, entretanto, não é sinônimo de relações internacionais, tampouco implica num pensamento determinista, no que é outro debate.

Identidade e ganhos

Além da geopolítica, a astronomia no Chile também serve para propósitos diplomáticos, na criação de relações internacionais e na melhoria da imagem exterior do país, uma forma de soft power. Dentro do Ministério de Relações Exteriores do Chile existe uma divisão de temas científicos e tecnológicos. Essa divisão, em 2008, elaborou uma Estratégia para Astronomia, com quatro pilares, então com a colaboração do embaixador e pesquisador Gabriel Rodríguez García-Huidobro.

Os pilares são, primeiro, a ciência; segundo, o desenvolvimento de infraestrutura astronômica; terceiro, a difusão e pesquisa em educação e cultura; finalmente, a imagem do país e o turismo. Para isso, a Fundación Imagen de Chile articula campanhas turísticas buscando atrair entusiastas amadores da astronomia de todo o mundo. Turistas que injetarão dinheiro na economia do país, além de um crescente número de intercâmbios científicos e acadêmicos que fortalecem as universidades chilenas.

Esse potencial chileno para a observação do cosmos e para as descobertas científicas não é novo. O primeiro observatório moderno do país data de 1849, localizado em território hoje ocupado pela metrópole de Santiago. Mesmo na Guerra Fria, astrônomos dos EUA, da Europa e da União Soviética conviviam no Chile. Foi do Atacama que o primeiro planeta fora do Sistema Solar foi fotografado. Enquanto a humanidade busca compreender melhor o cosmos, o Chile acumula ganhos políticos, econômicos e culturais.

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