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Astronauta Buzz Aldrin posa para uma fotografia ao lado da bandeira dos Estados Unidos durante atividade extraveicular da Apollo 11 na superfície da Lua. O módulo lunar está à esquerda e as pegadas dos astronautas estão visíveis
Astronauta Buzz Aldrin posa para uma fotografia ao lado da bandeira dos Estados Unidos durante atividade extraveicular da Apollo 11 na superfície da Lua. O módulo lunar está à esquerda e as pegadas dos astronautas estão visíveis| Foto: Nasa

Vinte e um de Julho de 1969, cinquenta anos atrás. Neil Armstrong dava o seu famoso “pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade” ao se tornar o primeiro ser humano a pisar em outro corpo celeste. O tema é interessante por diversos aspectos, alguns mais caricatos, como as teorias da conspiração carregadas de falhas que negam a viagem à Lua, e outros mais importantes e presentes, o que inclui a geopolítica e a política internacional.

Muito se fala de “polarização” em nossos dias. Em alguns momentos isso é uma mera constatação óbvia de posições políticas diferentes e ambas com legitimidade; por exemplo, pessoas que possuem visões distintas sobre a legalização do uso de certas drogas. Em outros é uma caricatura nociva que dilui valores fundamentais e normaliza absurdos; relativizar algo hediondo como a tortura por achar que se trata de “lado”, por exemplo. Aqui fala-se da polarização ideológica, um McCartismo ou Jdanovismo, de acordo com o freguês.

Na maioria desses casos caricatos a origem está na polarização da Guerra Fria, com a ideia de que existem posições absolutas, bem e mal, EUA ou URSS. Justamente o período da chamada Corrida Espacial, que tem na chegada na Lua um de seus símbolos e considerada também a “linha de chegada”, um sinal de que os EUA venceram. Então, em um mundo e Brasil, ou sociedade, polarizados, os cinquenta anos do passo de Neil Armstrong acabam, por vezes, servindo para alimentar ainda mais essas caricaturas da “polarização”.

Um olhar mais atento e histórico aos aspectos da exploração humana do espaço exterior, entretanto, fornece exemplos e reflexões que superam essas caricaturas. Importante, não se trata de negar a política, o debate político, que existam visões antagônicas sobre diversos assuntos que impõe um cotejar de ideias. Existe sim direita e esquerda, sob diversas facetas e em diversos temas, com gradações. E é de interesse que existam ambas. O ponto é mostrar que, como sempre, as caricaturas não sobrevivem à análise.

A Terra é azul

Ao mesmo tempo em que existia uma corrida espacial, também existia cooperação e o simbolismo de que, no espaço exterior, o que está em jogo é a humanidade. Claro, a propaganda da Guerra Fria impunha as bandeiras nacionais e os discursos oficiais, algo de desinteresse da maioria dos cientistas, dos cosmonautas e dos astronautas. Apenas meses após declarar que “a Terra é azul”, o pioneiro Yuri Gagarin recebeu honras de herói no Reino Unido e no Canadá, dentre outros países.

Gagarin não foi aos EUA por, basicamente, ciúmes da parte do então presidente Kennedy; não é exagero dizer isso, JFK temia que Gagarin conseguisse atenção demais, e a visita foi cancelada. Quando Armstrong pisou na Lua, a Apollo 11 levava duas medalhas celebrando a memória dos cosmonautas Komarov e Gagarin, além de uma placa em que diziam estar ali “pela humanidade”. No ano seguinte, 1970, Armstrong visitou a URSS, onde foi ciceroneado por Valentina Tereshkova, a primeira mulher no espaço.

Dentre outros aspectos da visita, Armstrong foi o primeiro cidadão dos EUA que viu alguns dos novos aviões e motores espaciais soviéticos. Pode-se achar que tudo isso é apenas simbólico, mas existia cooperação real na exploração espacial, incluindo a partilha de dados obtidos em missões. Oras, chegou-se a cogitar uma missão conjunta para a Lua no início dos anos 1960, iniciativa interrompida pelo assassinato de JFK nos EUA e pela derrubada de Kruschev no golpe da linha dura na URSS.

Em 1975 talvez tenha ocorrido o maior símbolo desse caráter maior da exploração especial. No dia 17 de Julho, o astronauta Thomas P. Stafford e o cosmonauta Aleksei A. Leonov se cumprimentam no espaço, durante uma acoplagem de uma nave Soyuz soviética com uma Apollo dos EUA. Quando se olha para a realidade é fácil deixar de lado a caricatura, a vontade de ser mais realista que o rei, é quando se abandona a visão de que a ideologia ou as preferências de propaganda devem vir acima do que é científico e concreto.

A exploração espacial não foi apenas um passo na Lua, ou ver que a Terra é azul, dentre a miríade de exemplos, alguns de imensa beleza, tanto estética quanto filosófica. Ela é uma busca constante pelo desenvolvimento social e tecnológico não só de grupos isolados, mas também da humanidade. É muito possível que diversos leitores desse texto estejam usufruindo dessa exploração nesse momento, via imagens de satélite, políticas públicas baseadas em dados empíricos ou mesmo uma “banal” internet móvel de celular.

Tal internet móvel que, por exemplo, seria quase inimaginável quando do vôo de Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins. Vôo esse que é apenas um do extenso projeto Apollo, que custou, em valores de hoje, cerca de 160 bilhões de dólares de investimento dos governos dos EUA, um montante inviável para ser sustentado por uma empresa privada, sendo apenas um dos vários exemplos da importância de investimento público em ciência e pesquisa, outro debate distorcido nos dias de hoje.

Novos interessados

Ainda assim, a Guerra Fria foi um intervalo ideológico de um mais profundo e amplo choque geopolítico, em que os pólos não são necessariamente ideológicos, mas de interesses. Seja a garantia de seu interesse ou evitar que os interesses de outrem floresçam. Por isso, em um mundo geopoliticamente multipolar como o em que vivemos, é absolutamente normal e esperado que cada vez mais novos atores surjam na exploração espacial. Tecnologia, prestígio, projeção de força, uma série de motivos existem para isso.

Israel enviou uma sonda à Lua, que não conseguiu pousar nessa tentativa, embora o acidente tenha tido um curioso efeito colateral; a chegada de milhares de tardígrados, as criaturas mais resistentes da Terra. A Índia lançou uma sonda em direção ao satélite natural e assinou recentemente uma série de cooperações técnicas com a Rússia, pretendendo lançar um indiano ao espaço no futuro próximo. O próximo ano de 2020, inclusive, será um ano importante para a geopolítica no espaço.

É o ano em que estava previsto o encerramento da missão da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), que recebeu por alguns dias Marcos Pontes, oficial reformado da Força Aérea Brasileira e atual Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Com um custo total de cerca de 150 bilhões de dólares, a ISS é uma parceria de diversas agências espaciais; entretanto, com as sanções dos EUA contra a Rússia, a colaboração está em risco.

É possível que os russos retirem seus módulos da ISS, usando-os como embrião de uma estação em conjunto com os chineses, os maiores investidores em tecnologia espacial atualmente; o Congresso dos EUA já autorizou uma nova missão que substituiria esses módulos, mas ainda se espera uma solução negociada. Junto com tudo isso, a sombra da corrida para Marte, objetivo de uma possível nova corrida espacial, tema tratado por Donald Trump inclusive em seus comícios de campanha.

Países africanos estão progressivamente lançando seus satélites, em parceria com russos e chineses. A agência espacial europeia expande suas atividades para diminuir a dependência de motores estrangeiros. Empresas privadas entram no mercado de satélites comerciais e turismo espacial. Objetos feitos pelo homem transmitem informações de além do sistema solar. Mesmo em Terra o espaço rende dividendos políticos e econômicos, como analisado recentemente no caso do Chile e o exemplo brasileiro de Alcântara.

No fim das contas, Gagarin, Armstrong, Tereshkova, dentre outros pioneiros e pioneiras, nos lembram que a busca pelo conhecimento, o fruto proibido da árvore, a curiosidade humana, a cooperação das nações, a expansão do bem-estar da humanidade, tudo isso são coisas que não podem ser negligenciadas. Deixar isso de lado, por maior que seja a tensão política, é abrir mão do futuro. Caricaturas podem mobilizar e seduzir incautos por um breve momento, mas a História mostra os benefícios de pensarmos além delas.

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