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Candidato democrata à presidência, Joe Biden, e o candidato à reeleição, o republicano Donald Trump| Foto: Jim WATSON e Brendan Smialowski/AFP

Nesta terça-feira (29) ocorrerá o primeiro debate televisivo entre Donald Trump e Joe Biden, faltando pouco mais de um mês para as eleições presidenciais dos EUA. É claro que, em um espaço dedicado aos temas internacionais, as eleições dos EUA já apareceram por aqui em diversas colunas anteriores, mas agora, com a corrida estabelecida, qual o panorama do embate? Pontos fortes e fracos de cada candidato? Além disso, quais as incógnitas e temas que podem sacudir o voto?

Talvez seja interessante também lembrar algo que pode soar óbvio para muitos, mas infelizmente não o é. Qual o sentido de acompanhar eleições em outro país? Diferentes motivos podem responder essa pergunta em uma miríade de casos, mas, tratando-se dos EUA, as respostas são claras. A maior potência econômica e militar do planeta está em um momento que pode ser um divisor de águas na sua influência global e nas suas relações exteriores. O que inclui o Brasil, com o atual governo bastante próximo do de Trump.

O que pesa em favor de Trump

Começando pelo ocupante do cargo. A principal arma de Trump é, sem dúvida, seu eleitorado fiel. Em um país continental e onde o voto não é obrigatório isso é um benefício que não pode ser subestimado. O eleitor de Trump vai votar faça chuva ou faça sol, um poder de mobilização que não é comum e que pode fazer a diferença, especialmente no caso de um baixo comparecimento eleitoral.

O segundo ponto é a economia, especialmente aspectos domésticos dela, como o baixo desemprego registrado até o início de 2020. Biden sabe disso, tanto que seu discurso eleitoral investe cada vez mais em questões de postos de trabalho. Além disso, em um cálculo frio, Trump pode colocar os problemas da economia na conta da pandemia do novo coronavírus, daí seu discurso de “vírus chinês”.

O terceiro ponto é o impacto eleitoral de sua política externa. Isso não é exatamente habitual, mas Trump conseguiu agradar o eleitorado conservador e evangélico com sua política para o Oriente Médio, agradar parte do eleitorado latino com seu endurecimento em relação à Cuba e o acordo comercial com México, além de ter retirado parte do contingente militar no estrangeiro, algo que agrada especialmente a classe média baixa.

O que pesa em favor de Biden

O ponto mais forte de Biden não tem relação com ele. É a rejeição de Trump. Segundo uma pesquisa do Pew Research Center, o principal motivo para o voto em Biden é “ele não é Trump”. Outra pergunta interessante da pesquisa foi a sobre o sentimento que uma vitória de cada candidato representaria. “Com raiva” é o maior sentimento numa reeleição de Trump. A rejeição de Trump implica que cidadãos não estarão neutros.

O segundo ponto é a pandemia, especialmente os aspectos de saúde pública. A campanha de Biden vai bater na tecla de que o alto número de mortes e que os efeitos econômicos da pandemia são culpa do governo federal. Especialmente de Trump e seu comportamento. Exemplos explorados são Trump contradizendo o médico Anthony Fauci e sua diminuição do possível impacto do vírus nos primeiros meses.

O terceiro ponto é sua vice, Kamala Harris. As eleições dos EUA são muito marcadas por aspectos demográficos e, se Trump possui boa parte do eleitorado rural branco e do eleitorado latino, Biden conseguiu assegurar uma parcela razoável do eleitorado urbano e dos eleitores negros com Kamala Harris como sua vice. O fato de Biden se projetar como um candidato “de transição”, sem reeleição, aumenta o peso dela.

As incógnitas da eleição

Em suma, as pesquisas apontam vantagem de Biden, mas uma vantagem numérica no voto popular não necessariamente implica vitória no colégio eleitoral, ainda mais com Trump contando com eleitorado fiel e bem espalhado geograficamente. O tema da pandemia vai dominar os debates e as acusações, podendo influenciar os dois lados da balança. Biden larga atrás no voto latino, Trump larga atrás no voto urbano.

Agora, as incógnitas. É necessário um esclarecimento. Incógnitas, nesse caso, são aspectos que certamente vão afetar as eleições, mas não é possível precisar o quanto, ou quem vai se beneficiar mais. Ou seja, a dúvida não está sobre o fenômeno citado em si, mas sobre qual será o peso de cada um desses aspectos: o voto pelo correio, as denúncias contra Trump na imprensa e os protestos Black Lives Matter.

O voto pelo correio, em teoria, beneficia Biden. O eleitor que não levantaria do sofá por ele não precisará mais fazer isso. Isso torna a vantagem numérica dele mais significativa, assim como a rejeição de Trump. Por outro lado, Trump está focando sua campanha justamente nisso, para equilibrar a disputa nos votos pelo correio, chamando a atenção de seus eleitores para que fiquem atento na via eleitoral de sua região.

As denúncias contra Trump na imprensa, em teoria, beneficiam Trump. Sim, o leitor leu corretamente. Trump se alimenta dessas polêmicas desde as primárias da sua primeira eleição, fortalecendo seu discurso de ser um candidato “de fora”, um “redentor” alvo de campanha de difamação por mentiras da imprensa. E dá-lhe acusação de “fake news” para todos os lados.

Isso quer dizer que tais denúncias podem não ter repercussão negativa para Trump? Não, significa que depende. Por exemplo, no início do mês, o jornal The Atlantic publicou uma matéria afirmando que Trump teria chamado os mortos em guerra pelos EUA de “perdedores” e “otários”. Fontes? Todas testemunhas anônimas. Nenhuma testemunha nomeada ou fonte material, como uma gravação.

Quer dizer que a matéria era mentirosa? Não necessariamente, mas que ela abre as citadas brechas para Trump explorar e sair por cima. No caso das novas denúncias, feitas pelo New York Times, envolvendo as declarações de imposto de renda de Trump, existe a possibilidade do jornal, se confrontado com o discurso de “fake news”, trucar e publicar os documentos, fontes materiais. Esse sim poderia ser um episódio prejudicial para Trump.

Finalmente, os protestos Black Lives Matter podem influenciar, mas provavelmente vão servir apenas para viés de confirmação individual. Os pró-Trump dirão que são exemplos da necessidade de uma política de “lei e ordem”, como Trump diz, e que os democratas aprovam uso da violência. Os pró-Biden vão acusar Trump de ser racista, de apoiar violência excessiva policial e de contar com apoio de milícias de supremacistas brancos.

Os estados-chave

Os democratas vão vencer na Califórnia e os republicanos vão levar Mississippi e o Tennessee. Isso é certo. Uma eleição tão equilibrada e apertada será decidida, é claro, nos chamados swing states, estados que por vezes vão para um partido, em outras vezes o outro partido é vencedor. Provavelmente o vencedor das eleições será decidido em seis estados: Arizona, Carolina do Norte, Flórida, Geórgia, Michigan e Pensilvânia.

Começando pelo Arizona, que representa onze votos no colégio eleitoral e foi vencido por Trump em 2016. As pesquisas colocam Biden em vantagem de 3%, mas, nas eleições de 2018, o estado reelegeu seu governador republicano, Doug Ducey, embora com democratas mais votados no legislativo estadual. Para o legislativo federal, os republicanos foram derrotados nas eleições para a Câmara, um placar de 5 a 4 para os democratas, e a vaga no Senado foi para a democrata Kyrsten Sinema. Biden sai na frente.

A Carolina do Norte representa quinze votos no colégio eleitoral e foi vencida por Trump em 2016. As pesquisas apontam empate técnico. Não houve eleição para governador em 2018, e o democrata Roy Cooper foi empossado em janeiro de 2017, mas ocorreram eleições para o legislativo estadual, vencidas pelos republicanos com boa margem. Para o legislativo federal, os republicanos venceram por 10 a 3. Ambas as vagas do estado no Senado são ocupadas por republicanos, um deles Richard Burr, envolvido em denúncias de ter se aproveitado da pandemia. Ainda assim, vantagem de Trump.

A Flórida e seus vinte e nove assentos no colégio eleitoral provavelmente será o estado mais disputado e equilibrado. Tanto que Trump mudou seu domicílio eleitoral para a Flórida, junto com o quartel-general de sua campanha. O estado é bastante diverso em sua demografia e já decidiu eleições antes, como em 2000, quando George W. Bush derrotou Al Gore. Aquela eleição teve até recontagem no estado. A Flórida foi vencida por Trump em 2016 e as pesquisas também apontam empate técnico.

Na eleição para governador em 2018, o republicano Ron DeSantis foi o vencedor. Por uma diferença de menos de quarenta mil votos. Um dia de tempestade no estado pode mudar qualquer previsão. Um elemento, entretanto, favorece os republicanos. No caso, as vitórias eleitorais para as duas casas do legislativo do estado, mostrando um voto bastante distribuído por toda a Flórida. Já no legislativo federal, o placar também foi apertado, 14 a 13 para os republicanos na Câmara, e a vaga no Senado que estava em jogo foi vencida pelo ex-governador republicano Rick Scott. Vantagem mínima para Trump.

Já a Geórgia representa dezesseis votos no colégio eleitoral e também foi vencida por Trump em 2016. Mais um estado onde as pesquisas apontam empate técnico. Na eleição para governador em 2018, o republicano Brian Kemp foi o vencedor, em mais um caso de diferença pequena, de menos de sessenta mil votos. Os republicanos venceram ambas as casas do legislativo estadual e, embora tenham perdido um assento na Câmara federal, continuaram com 9 a 5 de vantagem. Vantagem para Trump aqui também.

Michigan representa dezesseis votos no colégio eleitoral e também foi vencida por Trump em 2016. Aqui as pesquisas apontam vantagem de Biden por quase 7%. Na eleição para governador em 2018, a democrata Gretchen Whitmer foi eleita com margem confortável, embora os republicanos tenham vencido ambas as casas do legislativo estadual. Na Câmara federal, a vantagem republicana foi transformada num empate de 7 a 7 e, no Senado, a democrata Debbie Stabenow foi reeleita. Vantagem para Biden.

Finalmente, a Pensilvânia representa vinte votos no colégio eleitoral e, como todos os outros, foi vencida por Trump em 2016. Aqui as pesquisas apontam vantagem de Biden por 5%. Na eleição para governador em 2018, o democrata Tom Wolf foi reeleito tranquilamente. Os republicanos possuem a maioria de ambas as casas do legislativo estadual, mas metade das cadeiras estavam em jogo em 2018. Dessa metade, os democratas venceram a maioria.

Nas eleições na Pensilvânia para a Câmara federal, a vantagem republicana foi revertida para um empate de 9 a 9 e, no Senado, o democrata Bob Casey Jr. foi reeleito. Vantagem também para Biden. Em suma, dos 91 votos no colégio eleitoral representados por esses seis swing states, 47 estão mais próximos de Biden e 44 mais próximos de Trump. Ou seja, até as previsões ficam empatadas, muito próximas para algo poder ser cravado.

As incógnitas pós-eleição

Passadas as eleições, todas essas dúvidas e incógnitas serão dissipadas e o mundo seguirá adiante sabendo do caminho que o aguarda, certo? Não, errado. Dois potenciais problemas aguardam após o pleito. Um deles é a judicialização da própria eleição, com o voto pelos correios podendo ser contestado, diferentes ritmos de apuração e denúncias, até agora infundadas, de possíveis fraudes. O próprio presidente Trump contribui para esse questionamento da legitimidade eleitoral.

Novamente, sem nenhuma prova material ou contundente. Lembrando que a principal autoridade postal dos EUA é um aliado de Trump, financiador de campanha, nomeado por ele. Ainda assim, a margem para confusão e questionamento está aberta, com a credibilidade democrática ameaçada. Ao menos uma recontagem em algum lugar dos EUA ocorrerá. O outro problema em potencial seria fruto de uma vitória de Biden, que poderia tentar suspender a nomeação da juíza conservadora Amy Coney Barrett para a Suprema Corte. Ela foi indicada para substituir Ruth Bader Ginsburg, recém-falecida.

Existe um certo tabu nos EUA sobre nomeações de juízes da Suprema Corte em ano eleitoral, já que os juízes lá são vitalícios. Algo inclusive meio macabro, com o perdão do comentário. No Brasil, um juiz do STF se aposenta compulsoriamente aos 75 anos de idade. Ou seja, salvo exceções, sabe-se de antemão quando novos integrantes da corte devem ser nomeados. Pode-se ainda usar um sistema de mandatos. Nos EUA, o comportamento é o de um “bolão” de futebol, tentando adivinhar quando um juiz vai falecer para uma nomeação ocorrer.

Ginsburg era mais idosa da corte e faleceu aos 87 anos de idade. No caso da nomeada Barrett, ela certamente será aprovada pelo Senado, de maioria republicana, mas não será empossada antes do novo presidente. Caso esse novo presidente seja Biden, ele pode tentar reverter o processo, embora a maneira de fazer isso seja incerta. Um cenário similar ocorreu em 2016, com polos invertidos. Na ocasião, o juiz Antonin Scalia faleceu e Obama nomeou Merrick Garland. O Senado, dominado pelos republicanos, não aceitou a nomeação. Curiosamente, algumas posturas mudaram nesses quatro anos, no que concerne nomear um juiz da Suprema Corte na véspera de eleição.

O senador Mitch McConnell, líder republicano na casa, por exemplo, disse em 2016 que “o povo americano deve ter voz na escolha de seu próximo juiz da Suprema Corte. Portanto, esta vaga não deve ser preenchida até que tenhamos um novo presidente”. Agora, diz que o voto do Senado é o principal elemento de legitimidade e que a casa vai votar uma nomeação de Donald Trump. O caso do senador Lindsey Graham é ainda mais explícito e contraditório.

No dia 10 de março de 2016, Graham disse “Eu quero que você use minhas palavras contra mim. Se um presidente republicano vencer em 2016 e uma vacância ocorra no último ano do primeiro mandato, você pode dizer que Lindsey Graham disse, vamos deixar o próximo presidente, seja quem for, fazer essa nomeação”. Agora? “Acho importante que procedamos rapidamente para votar qualquer indicação feita pelo presidente Trump para preencher esta vaga”. Novamente, esse tabu não é de hoje, mas, curiosamente, ocorreu em dois anos eleitorais seguidos. Repete-se, ainda, que a culpa é do sistema macabro.

Seja como for, os próximos quatro anos serão decisivos na trajetória política dos EUA. Ou dando força para as políticas de Trump, especialmente as que visam as relações com a China, ou com o proposto interregnum de Biden para reverter parte dessas políticas e reajustar a posição dos EUA no cenário internacional. Difícil fazer qualquer previsão nesse momento, mas uma coisa é certa: não será um processo tranquilo e o leitor estará informado.

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