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Veteranos de guerra participam de cerimônia que marcou os 70 anos di início da Guerra da Coreia, no Memorial de Guerra Baengmagoji em Cheorwon, perto da Zona Desmilitarizada
Veteranos de guerra participam de cerimônia que marcou os 70 anos di início da Guerra da Coreia, no Memorial de Guerra Baengmagoji em Cheorwon, perto da Zona Desmilitarizada| Foto: Ed JONES / AFP

25 de junho de 1950, setenta anos atrás, começou o primeiro conflito que colocou o medo de uma guerra nuclear na boca das pessoas. A Coreia do Norte, auxiliada pela China, atacou a Coreia do Sul, buscando uma rápida vitória militar que unificasse a península coreana, dividida em duas zonas de ocupação em 1945. O mais espantoso é que, caso fossem tiradas as datas, esse parágrafo poderia soar atual, com a instabilidade e a hostilidade na península coreana infelizmente em alta.

O conflito durou três anos e custou cerca de três milhões de vidas coreanas, mais dezenas de milhares de vidas de pessoas de outros países. Poderia ter, inclusive, custado vidas brasileiras, já que o governo do Brasil quase enviou tropas para a força internacional que lutou na Coreia sob comando dos EUA. E, por de certo modo durar até hoje, o conflito acaba sendo sempre um tema sensível. Por exemplo, o próprio uso do verbo “atacar” na introdução desse texto pode ser contestado.

“Oras, como a Coreia do Norte atacou seu próprio território”, vão alegar alguns, já que as duas repúblicas coreanas, até hoje, se vêem cada uma como a única representante legítima da Coreia. A origem do conflito reside especialmente, dentre outros fatores, no descaso das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial com a “questão coreana”. Enquanto a partilha e ocupação da Europa do pós-guerra foi discutida em detalhes, a Ásia foi relegada ao segundo plano, com muito feito às pressas e desconsiderando grupos locais.

Implosão

Recapitulações históricas de lado, na terça-feira, dia 16 de junho, a Coreia do Norte implodiu um prédio de escritórios dedicados às relações com a Coreia do Sul. O verbo “implodir” é literal. O edifício ficava em Kaesong, território norte-coreano, na zona desmilitarizada entre as duas repúblicas. O local havia sido reformado em 2018, como parte da aproximação entre os dois Estados coreanos. A reforma custou cerca de oito milhões de dólares, financiados pela Coreia do Sul.

O prédio era dividido entre os dois governos. Sul-coreanos no segundo andar, norte-coreanos no quarto, reuniões bilaterais no terceiro. Desde janeiro o prédio estava vazio, por causa das medidas sanitárias devido ao novo coronavírus e o fechamento de fronteiras. Oficialmente, o motivo da implosão foi como um protesto contra o lançamento de propaganda por grupos dissidentes sediados na Coreia do Sul em direção ao território do norte, usando balões.

Isso não é novidade, nem na História da propaganda política, nem na das relações coreanas. Panfletos políticos, notas de dólares ou de won e pen drives com programas de TV e música sul-coreana são alguns dos objetos que eram enviados ao norte nos balões. A ideia é que, no momento que o balão caísse, pessoas encontrassem os objetos e os lessem ou assistissem. Alguns anos atrás, em outro exemplo, instalaram poderosas caixas de som que ressoavam música k-pop em direção ao norte.

Dentre os grupos que realizam essas atividades existem desde os que alegam motivos “inocentes” para isso, como a ideia de manter os coreanos unidos, enviando episódios de doramas (algo como as novelas sul-coreanas), até os com finalidades explicitamente políticas, que desejam fomentar propaganda ou fornecer rotas de migração para os norte-coreanos. Para o governo do norte, entretanto, não há diferença, são todos atos hostis, que violam sua soberania.

O governo da Coreia do Norte chegou a dizer que tais balões violavam as medidas sanitárias e poderiam estar infectados com o novo coronavírus, talvez até mesmo de maneira intencional. Até o momento, não há nenhuma prova disso. Indo além o governo norte-coreano acusou Seul de “conivência” com tais atos hostis, emitiu diversos alertas e críticas, cortou comunicações e, finalmente, implodiu o prédio. O sul alega que estava colaborando, mas não tinha como ser responsável por atos privados.

Explicações e retrocesso

Quatro hipóteses podem explicar a atitude radical da Coreia do Norte. Primeiro, a de que Kim Yo-jong, irmã de Kim Jong-un, desejava dar uma demonstração de força. Ela que capitaneou todo esse processo, como chefe da diplomacia norte-coreana. Ela que emitiu os alertas ao sul, usou palavras fortes e anunciou a implosão do prédio. Recentemente, com os boatos de uma suposta morte de Kim Jong-un, se desenharam os cenários de sua hipotética sucessão, incluindo sua irmã.

A segunda hipótese é a de que o ato tenha sido uma forma de chamar a atenção dos EUA, já que as conversas entre a Coreia do Norte e Washington estão congeladas desde o fracasso da cúpula no Vietnã. As outras duas hipóteses giram em torno da possibilidade de alguma frustração aos interesses norte-coreanos. Primeiro, uma frustração nos bastidores das conversas intercoreanas, alguma ação, ou falta de, que tenha gerado, fora do olhar público, uma necessidade de represália.

Dá-se então a justificativa pública dos balões para uma ação que, na verdade, é motivada por alguma outra razão. Convenhamos, implodir um prédio é uma ação desproporcional aos balões de propaganda que, novamente, não são novidade. Finalmente, uma frustração interna norte-coreana, como possíveis efeitos da pandemia, ou efeitos das sanções econômicas, ou a não concretização dos planos originais norte-coreanos, de que nesse período o país já seria foco de investimentos.

Para contornar, ou sobrepor, essa frustração, cria-se uma crise externa, contra o “inimigo tradicional”, uma pauta que seja um virtual consenso. Se a coluna tivesse que “botar dinheiro” em alguma hipótese, seria nas duas últimas. Kim Yo-jong não precisa de demonstrações de força atualmente, e o governo da Coreia do Norte sabe que Trump não dedicará atenção aos coreanos nesse momento, em meio a uma pandemia, as sequelas do novo coronavírus e período eleitoral.

Principalmente, e infelizmente, foi um ato que causa um retrocesso nas relações coreanas em um momento em que o sul estava otimizado para o diálogo. Um presidente favorável, de família de norte-coreanos, com maioria no parlamento e popularidade em alta por sua liderança perante a pandemia. Nesse sentido, pode existir um lado positivo. O então ministro da Unificação do sul, Kim Yeon-chul, renunciou após a implosão, assumindo parte da responsabilidade pelo desgaste nas relações.

Em seus catorze meses no cargo, ele não realizou nenhuma reunião ou diálogo de alto nível com representantes do norte. Se ele era o problema ou o sintoma, pode-se descobrir no futuro próximo. Ainda assim, os setenta anos do início do conflito poderiam ter sido rememorados de outra maneira, mais otimista, com mais diálogo entre os coreanos, que constituem uma só nação, que foi ocupada, explorada e depois dividida entre dois Estados por décadas.

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