No próximo domingo, dia 17 de dezembro de 2023, ocorrerá a última eleição europeia do ano, quando os sérvios vão às urnas tanto para elegerem o parlamento nacional quanto nas eleições locais municipais, como na capital, Belgrado. Além disso, a Província Autônoma de Vojvodina também escolherá seu parlamento local. As eleições estavam programadas para abril de 2026, mas o presidente Aleksandar Vučić convocou eleições antecipadas e vamos entender esse processo e o que está em jogo.
Os motivos da convocação de eleições antecipadas são principalmente três. Primeiro, o Partido Progressista Sérvio, na sigla em sérvio-croata SNS, está em crise. Apesar do nome, trata-se do maior partido conservador do país. Liderado por Aleksandar Vučić, o político mais popular do país, o SNS está no poder desde 2012. Nas eleições gerais de abril de 2022, entretanto, perdeu a maioria absoluta do parlamento. Dos 250 assentos da casa, hoje, o SNS possui 109.
O partido ainda possui, de longe, a maior bancada, mas teve que fazer concessões e criar uma coalizão com uma série de partidos de bancada reduzida. Principalmente, teve que trazer para o governo o Partido Socialista da Sérvia, o SPS. Como já explicamos antes em nosso espaço, além da típica divisão esquerda e direita, o espectro político da Sérvia também é bastante marcado pela clivagem entre nacionalistas e os pró-União Europeia. O SNS e o SPS, apesar de ideologicamente diferentes, são ambos nacionalistas.
Ainda assim, não se trata de uma aliança fácil. O SPS já foi a principal força política da Sérvia e ainda pode ser uma ameaça ao próprio SNS. O então ministro da Educação, do SPS, Branko Ružić, renunciou meses atrás, em meio a uma suposta falta de diálogo dentro da coalizão. Outra crise foi a demissão do então ministro da Economia, Rade Basta, do Sérvia Unida, uma legenda conservadora e nacionalista que faz parte da coalizão de governo. Os dois episódios colaboraram para o fim da coalizão.
Maioria absoluta e violência
Um dos objetivos de Aleksandar Vučić ao convocar novas eleições é tentar reconquistar a maioria absoluta para seu partido, obter uma vitória que dispense a necessidade de uma coalizão. Outro fator importante na decisão de convocação de novas eleições foram protestos populares decorrentes de dois episódios recentes de violência armada no país. No dia três de maio de 2023, em uma escola primária da região metropolitana de Belgrado, um estudante de 13 anos, abriu fogo contra alunos e funcionários.
Nove estudantes e um segurança morreram e outras seis pessoas ficaram feridas. O atirador se rendeu voluntariamente e foi preso. Ele não enfrentará acusações criminais, já que tem menos de catorze anos de idade, e foi colocado sob a custódia de um hospital psiquiátrico. As duas pistolas utilizadas eram legalmente registradas em nome do pai do estudante, que foi indiciado por crimes contra a segurança pública. No dia seguinte, outras nove pessoas foram mortas.
Um homem de vinte anos de idade, armado com um fuzil automático, abriu fogo de um carro. Dentre os mortos estava um policial. Outras doze pessoas ficaram feridas. Ele foi preso no dia seguinte, escondido em uma vila. O criminoso é acusado de homicídio, tentativa de homicídio, posse ilegal de arma de fogo, sequestro e roubo de carro. Seu pai, um tio e um primo também foram presos, enfrentando acusações relacionadas à posse ilegal de arma de fogo.
Similares a episódios de violência nos EUA, os dois eventos, em dias consecutivos, são bem incomuns na Sérvia e motivaram uma série de protestos, que tomaram as ruas por meses. Protestavam contra a violência, contra a posse de armas de fogo e contra o que era visto como promoção da violência pela mídia pró-governo. Na Sérvia, parte considerável do complexo midiático está nas mãos do SNS e de seus aliados. Além disso, a posse de armas de fogo é relativamente comum no país, embora o porte não seja habitual.
Os manifestantes conseguiram a já citada renúncia do então ministro da Educação Branko Ružić, além de o governo anunciar um aumento nos subsídios para agricultores, que se juntaram aos protestos. As manifestações foram intituladas “Sérvia contra a violência”, nome que batiza uma nova coalizão que disputará as eleições, com a sigla SPN. A coalizão junta quinze partidos diversos, variando da centro-esquerda para a centro-direita, assim como os verdes. Todos eles têm em comum a postura pró-adesão à União Europeia.
Kosovo
Também são adeptos do discurso “anti-corrupção”, que busca associar o SNS e seu tempo no poder à ideia de establishment e de corrupção. Finalmente, um terceiro fator que explica as eleições é o acordo de Ohrid, entre a Sérvia e a República do Kosovo, que a Sérvia não reconhece. O acordo foi alcançado em março e foi unânime em desagradar todos os atores envolvidos na Sérvia, por isso sequer foi formalmente assinado. O acordo se relaciona com a crise no norte do Kosovo, que dura desde o ano passado.
Principalmente, ocorreu o ataque de Banjska, em 24 de setembro. Homens armados sérvios atacaram a polícia do Kosovo na vila de Banjska, no norte do Kosovo. Depois de trocar tiros com a polícia, os sérvios se abrigaram no mosteiro da cidade, construído na Idade Média, que foi cercado e retomado pela polícia. Um policial albanês kosovar foi morto, três sérvios morreram e oito foram presos. Além disso, foi apreendido um grande arsenal de armas, incluindo drones e um caminhão blindado.
A questão de Kosovo é um fator importante nas eleições. Os nacionalistas acusam os europeístas de serem “traidores”, já que uma eventual adesão da Sérvia à UE passaria pela normalização das relações com Kosovo. Ao mesmo tempo, teremos as eleições na Província Autônoma de Vojvodina, onde o SNS também governa e onde também corre riscos de ser alijado do poder. No caso, com uma possível “ajudinha” do populista Viktor Orbán, primeiro-ministro da vizinha Hungria.
Cerca de 10% da população da província é etnicamente húngara e, segundo o censo sérvio, quase 7% declarou usar o idioma húngaro no seu cotidiano. O reconhecimento dessa minoria é o que justifica a autonomia da província. Os interesses da minoria são representados pelo partido Aliança dos Húngaros da Vojvodina, SVM em sérvio-croata ou VMSZ em húngaro. O partido, assim como a comunidade húngara em geral, tem recebido vultosos aportes do governo nacionalista de Orbán.
Hungria e futebol
Orbán, inclusive, já criou crises diplomáticas com países vizinhos ao aparecer publicamente com símbolos da Grande Hungria, a visão irredentista das fronteiras do país, que busca revisar e negar o papel dos húngaros nas duas guerras mundiais, especialmente na Segunda, quando o governo foi aliado da Alemanha nazista. O exemplo mais visível desses investimentos húngaros é o caso do FK TSC, o pequenino time de futebol da comunidade húngara da província.
Antes de 2019, os únicos feitos de nota do FK TSC eram ter vencido a terceira divisão iugoslava duas vezes. Depois da dissolução do país, nunca tinha disputado a primeira divisão da Sérvia. Então, veio Orbán. Em 2019, o clube venceu o acesso à primeira divisão e, na última temporada, foi o vice-campeão. Terminou à frente do tradicional e poderoso Partizan Belgrado e classificou-se pela primeira vez na História para disputar a prestigiosa UEFA Champions League.
Tudo isso jogando em um tímido estádio com capacidade para apenas quatro mil e quinhentas pessoas. Tímido, mas moderno, construído em 2018 com dinheiro húngaro, que também financia um elenco competitivo para os padrões locais, como meio de incentivar o orgulho nacional húngaro e uma sensação de pertencimento dos húngaros da Sérvia com a Hungria ao norte. Caso o partido da minoria húngara seja chave para tirar o SNS do poder local, podemos esperar isso se refletindo na relação entre os dois países.
Pelas pesquisas atuais, na eleição nacional, o SNS manteria a maior bancada, mas talvez não consiga a maioria absoluta. Caso isso ocorra, sua presença no governo estará em risco, já que a coalizão Sérvia contra a violência ficará em segundo e o SPS em terceiro. Caso a coalizão SPN e o SPS formem uma aliança, com a adesão de mais um ou outro partido que eleja três ou quatro parlamentares, poderiam, então, ter a maioria da casa e tirar o SNS do poder, o objetivo declarado da coalizão. Depois? Isso eles ainda não sabem.
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