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Comércio fechado em meio a lockdown em Curitiba: análise da Universidade Johns Hopkins mostrou que política de fechar tudo foi ineficaz para conter a pandemia.
Comércio fechado em meio a lockdown em Curitiba: análise da Universidade Johns Hopkins mostrou que política de fechar tudo foi ineficaz para conter a pandemia.| Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

“Não existe essa coisa de imunidade natural” (fala de uma senadora na CPI da Covid, porta-voz da ciência, ciência, ciência...)

Tive hoje o prazer de participar do programa Opinião no Ar, apresentado por Luís Ernesto Lacombe, onde falei um pouco sobre racismo – com base na polêmica envolvendo o já famoso artigo de Antônio Risério, sobre o qual já escrevi aqui na Gazeta –, pandemia, globalismo e comunismo, assuntos de que tenho tratado frequentemente.

A certa altura do programa, quando o bate-papo girava sobre a relação entre globalismo e a pandemia, fui perguntado pela jornalista Amanda Klein: “Quando se fala de Covid, por exemplo, as medidas de saúde me parecem muito lógicas e científicas... são validações e conceitos científicos”.

Como a pergunta fora mais ampla, se estendendo para outros tópicos, não tive tempo de responder aquele aspecto em particular, até porque a questão me parece compactar, sob a forma de slogans e frases feitas recorrentemente repetidos pela grande imprensa, uma série de imprecisões e equívocos sobre o conceito de “ciência” e, particularmente, sobre o que foi feito da “ciência” durante esta pandemia. Gostaria de aproveitar este artigo para complementar a resposta, a partir de um conjunto de fatos que não devem ser esquecidos do público.

Diante de um vírus novo, e de um cipoal de incertezas sobre sua origem, comportamento, alcance etc., soa até ridícula a pretensão de falar numa ciência consensual que deveria informar uniformemente as políticas públicas de combate à doença

Antes de tudo, convém lembrar que, na história da ciência, e pela própria natureza do método científico, é rara a ocorrência de consensos estabelecidos para todo o sempre. Quando acontecem, giram em torno de aspectos muito específicos de um determinado fenômeno, e, ainda assim, só se estabelecem após décadas ou séculos de intenso debate. Portanto, diante de um vírus novo, e de um cipoal de incertezas sobre sua origem, comportamento, alcance etc., soa até ridícula a pretensão de falar numa ciência consensual que deveria informar uniformemente as políticas públicas de combate à doença.

Antes que de ciência propriamente dita, a forma como Amanda e muitos outros jornalistas usam palavras como “científicas” e científicos”, quase como títulos honoríficos, é um dos seis sinais característicos de cientificismo, como propôs a filósofa da ciência Susan Haack em artigo célebre. E, com efeito, o que mais temos visto durante a pandemia é cientificismo, ou seja, o uso político-ideológico da “ciência” a fim de impor, na base da força e de uma falsa autoridade, uma determinada interpretação exclusivista da realidade. É a “ciência” usada como porrete e mordaça.

Mas, à parte esses jogos retóricos de imposição de vontades políticas, como funcionou, de fato, a ciência durante a pandemia? Vejamos.

Acaba de ser publicada, agora em janeiro deste novo ano, uma ampla revisão literária e meta-análise sobre os efeitos do lockdown sobre a mortalidade da Covid-19. Coautorada por três pesquisadores do Instituto de Economia Aplicada da Universidade Johns Hopkins – que ocupa a nona posição no ranking atualizado das 1.750 melhores universidades do mundo –, a pesquisa exibe o seguinte resumo:

“Esta revisão sistemática e meta-análise foram projetadas para determinar se há evidências empíricas para apoiar a crença de que ‘lockdowns’ reduzem a mortalidade por Covid-19 (...) Este estudo empregou um procedimento sistemático de busca e triagem em que foram identificados 18.590 estudos potencialmente correlatos à crença mencionada. Após três níveis de triagem, 34 estudos foram qualificados. Desses, 24 se qualificaram para inclusão na meta-análise. Eles foram separados em três grupos: estudos do índice de rigor do confinamento, estudos de abrigo no local (SIPO – shelter-in-place-order) e estudos específicos de NPI (non-pharmaceutical invervention). Uma análise de cada um desses três grupos sustenta a conclusão de que os bloqueios tiveram pouco ou nenhum efeito na mortalidade por Covid-19 (...) Embora esta meta-análise conclua que os bloqueios tiveram pouco ou nenhum efeito na saúde pública, eles impuseram enormes custos econômicos e sociais onde foram adotados”.

Em vista dos dados analisados, os autores do estudo concluem categoricamente: “As políticas de lockdown são infundadas e devem ser rejeitadas como instrumento de gestão da pandemia”.

Diante de conclusão tão inequívoca, ficam as seguintes perguntas: seria a Johns Hopkins “negacionista”? Estariam seus pesquisadores espalhando desinformação que “atenta contra a ciência, a saúde pública e a vida”? Ou “incentivando o desrespeito ao lockdown”? Porque essas têm sido algumas das acusações lançadas por autoridades covidocratas e sua imprensa de estimação contra quem questiona as políticas de confinamento. Ainda hoje, quem quer que duvide da pertinência do lockdown como política pública corre o risco de ser tachado de “anticientífico”, censurado nas redes sociais, perseguido pelo Estado e cancelado pelos pares. Afinal, o lockdown – diz o consenso-miojo da grande imprensa, pronto em três minutos – é uma política “muito lógica e científica”.

“As políticas de lockdown são infundadas e devem ser rejeitadas como instrumento de gestão da pandemia”, concluíram os pesquisadores da Universidade Johns Hopkins. Seriam eles “negacionistas”?

Aliás, foi posando de porta-vozes de uma tal “ciência” oracular – que, na verdade, só existe na mente de quem desconhece a natureza do método científico, ignora as discussões conceituais dos últimos cem anos em filosofia e história da ciência, e que, na realidade, não saberia distinguir entre um tubo de ensaio e um galheteiro –, que os agentes brasileiros da covidocracia global decidiram investigar-me na CPI da pandemia, acusando-me, entre outras coisas, justamente disso: “incentivar o desrespeito ao lockdown”. E, já que as mesmas figuras burlescas – posto que ignoradas em Haia e desprezadas por familiares de vítimas da Covid – planejam reeditar o picadeiro sobre o qual desfilaram sua “ciência” peculiar, fica a sugestão para que convidem os pesquisadores da Johns Hopkins a explicar sua conclusão de que “as políticas de lockdown são infundadas e devem ser rejeitadas como instrumento de gestão da pandemia” (mas que os convidem e permaneçam no recinto, em vez de fugir à presença das evidências, como da última vez...)

Todavia, não são apenas os covidocratas brasileiros que, com sua assombrosa incultura e sua reles politicagem, enlameiam o conceito de ciência. A bem de verdade, quase tudo o que, nessa pandemia, recebeu o título honorífico de “ciência” – e que, de maneira estranhamente homogênea, passou a ditar as políticas públicas ao redor do mundo – foi baseado em erros metodológicos, fraudes ostensivas e manipulação de dados, logo convertidos em mandamentos divinos pelo establishment midiático global, menos interessado em oferecer jornalismo investigativo ao público do que em servir de assessoria de propaganda dos covidocratas. Recordemos alguns exemplos.

Ainda no começo da pandemia, tivemos o famigerado modelo estatístico do Imperial College, que rendeu manchetes alarmistas e influenciou decisivamente (e catastroficamente) as decisões de governos ao redor do mundo, induzindo-os a adotar políticas rígidas de lockdown e distanciamento social, incluindo o fechamento do comércio e das escolas, cujos impactos devastadores são hoje bem conhecidos. Mais tarde – ou tarde demais –, constatou-se que o modelo estava grosseiramente errado. Após admitir o erro e, em seguida, ter sido flagrado desobedecendo às próprias regras de lockdown que o seu modelo ajudara a impor, Neil Ferguson, autor do modelo, caiu em desgraça. Tudo muito lógico e científico.

Em maio de 2020, tivemos o escândalo conhecido como Lancetgate. Duas das até então mais prestigiadas revistas médicas do mundo – The Lancet e New England Journal of Medicine (NEJM) – publicaram estudos que supostamente demonstravam não apenas a ineficácia, mas também o perigo da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, uma vez que o medicamento teria aumentado a mortalidade cardíaca entre os pesquisados.

Pronto! Foi o suficiente para que Anthony Fauci e o seu cartel da vacina celebrassem o ocorrido como o último prego no caixão do tratamento precoce com drogas baratas e reposicionais. “A ciência mostrou que a hidroxicloroquina não é eficaz como tratamento da Covid” – pontificou Fauci à CNN, afirmação imediatamente tratada como verdade absoluta pela imprensa cativa. Com base nos estudos da Lancet e do NEJM, a FDA passou a não recomendar a hidroxicloroquina, e a OMS e o Reino Unido interromperam os ensaios clínicos sobre o medicamento, bem como, em sequência, vários outros países europeus e ao redor do mundo. Quem, afinal, se colocaria contra “a ciência”?

Ocorre que a tal “ciência” era baseada em pura fraude. Foi o que descobriu um grupo de 200 cientistas independentes, que, em artigo publicado na Science, manifestaram a sua preocupação quanto aos dados utilizados nos estudos. Ambos se baseavam num banco de dados de uma obscura empresa de serviços médicos chamada Surgisphere Corporation, fundada em 2008 no estado de Illinois, e contando com 11 funcionários, dentre os quais um escritor de ficção científica e uma atriz pornô.

Quase tudo o que, nessa pandemia, recebeu o título honorífico de “ciência” foi baseado em erros metodológicos, fraudes ostensivas e manipulação de dados, logo convertidos em mandamentos divinos pelo establishment midiático global

As inconsistências dos dados chegavam a ser cômicas, gerando a suspeita de que o banco de dados como um todo pudesse ser inventado. Para citar apenas uma, o número de mortes reportadas de pacientes fazendo uso da hidroxicloroquina em um único hospital da Austrália superavam o número total de mortes em todo o país. Logo se descobriu que o banco de dados simplesmente não existia. Estourado o escândalo, a própria empresa desapareceu da internet. A Universidade de Utah cancelou a matrícula de um dos autores do estudo. O fundador da Surgisphere, Sapan S. Desai, abandonou o seu emprego num hospital de Chicago. E, obviamente, as duas revistas se retrataram pela publicação. Uma manchete do jornal The Guardian dá bem a medida do choque experimentado pela comunidade científica diante do caso: “A Lancet fez uma das maiores retratações na história moderna. Como isso foi possível?”.

Uma pista para responder a pergunta acima pode ser encontrada na relação promíscua – que, em outros tempos, seria um prato cheio para jornalistas investigativos ao redor do mundo – entre as revistas médicas e a indústria farmacêutica. Relação há muito tempo admitida, inclusive, por ex-editores das próprias publicações em tela. É o caso de Richard Horton, ex-editor da The Lancet, que afirmou em 2004: “As revistas especializadas tornaram-se mestres na operação de lavagem de informação para a indústria farmacêutica”. E de Marcia Angell, ex-editora do NEJM, para quem a indústria farmacêutica se tornara primariamente “uma máquina de propaganda”, capaz de cooptar “toda instituição que estiver no seu caminho”. Ambos são citados por Richard Smith, ex-editor do British Medical Journal (BMJ), que publicou no PLOS Medicine um artigo sugestivamente intitulado “As revistas médicas são uma extensão do braço marqueteiro das empresas farmacêuticas”.

O caso faz recordar o bizarro estudo brasileiro publicado no The Journal of the American Medical Association (Jama), que administrou uma superdosagem letal de cloroquina aos pesquisados, a fim de demonstrar a ineficácia do medicamento no tratamento da Covid. O estudo escandaloso, financiado pelo governo do Amazonas e por uma “coalizão de senadores brasileiros”, continua sob investigação do MPF. Ele foi objeto de uma nota da Associação Americana de Médicos e Cirurgiões (AAPS), que questionou: “Os americanos têm sido instados a ‘seguir a ciência’, mas como podemos confiar nas autoridades estabelecidas ou em prestigiadas revistas acadêmicas quando, ao longo desse período, estudos sobre uma droga acessível, barata e longamente consolidada parecem ter sido concebidos para dar errado, chegando a pôr em risco as vidas dos pacientes por conta de superdosagem deliberada e irresponsável?”.

Eis uma daquelas perguntas para as quais a peculiar “ciência” pandêmica não pode oferecer resposta.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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