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O ditador soviético Joseph Stalin
O ditador soviético Joseph Stalin| Foto: Biblioteca do Congresso Americano

“A noção de que alguma vez pregáramos a revolução e a violência deveria ser ridicularizada como um espantalho, refutada como uma calúnia espalhada por reacionários maliciosos. Já não nos referíamos a nós mesmos como ‘bolcheviques’, nem mesmo como comunistas – e o uso público da palavra era agora reprovado dentro do partido. Éramos apenas honestos, humildes e pacíficos antifascistas, defensores da democracia” (Arthur Koestler, The God that Failed)

O filósofo Jean-Paul Sartre escreveu certa vez que, para os homens de sua geração, nascidos no começo do século 20, o evento mais decisivo não haviam sido as duas grandes guerras mundiais, mas a ascensão do socialismo e a fundação do Estado comunista na Rússia. Comentando sobre o assunto, disse o filósofo Thomas Molnar: “A avaliação de Sartre sugere que ocorrências trágicas e catastróficas como as guerras modernas, a despeito das profundas cicatrizes deixadas em seus contemporâneos, importam menos em nossa memória coletiva do que eventos que encarnam, ou parecem encarnar, os grandes sonhos e aspirações da humanidade”.

De fato, desde a época de Sartre, o Comunismo foi e continua sendo um catalizador de utopias. Por todo o mundo, pessoas continuam a usar a foice e o martelo (estampada em camisetas, bottons, bandeiras) como símbolo de rebeldia e luta por um mundo melhor. Che Guevara, ícone da Revolução Cubana, possui estatuto de santo entre os jovens do mundo todo. Há ainda no Ocidente (e especialmente na América Latina) uma série de partidos declaradamente comunistas, herdeiros da Internacional Socialista dos tempos da União Soviética. E, de um jeito ou de outro, o fato é que o Comunismo enquanto símbolo da luta por justiça e igualdade continua influente, a despeito da calamidade humanitária dos regimes que o puseram em prática.

Tudo se passou de modo bem diferente com uma outra utopia modernista, também socialista (nacional antes que internacional, embora igualmente expansionista), também em busca de um mundo melhor e de uma humanidade renovada, igualmente crente no poder redentor da ciência (agora já biológica, antes que sociológica). Refiro-me, é claro, ao Nazismo ou – termo que caiu em desuso – Nacional-Socialismo. Hoje em dia, o Nazismo definitivamente não é cult, muito menos pop, ainda que grupos neonazistas pipoquem aqui e ali. Muito pelo contrário, em quase todo o mundo a apologia ao Nazismo é, felizmente, considerada um crime grave.

O que terá se passado com essas duas utopias, semelhantes em muitos aspectos, quase contemporâneas, para que recebessem da história tratamento tão desigual? Como escreveu Alain Besançon em A Infelicidade do Século: “A memória histórica, no entanto, não os trata igualmente. O Nazismo, apesar de completamente extinto há mais de meio século, segue sendo, com razão, objeto de uma execração que não diminui com o tempo. A reflexão horrorizada sobre ele parece até aumentar a cada ano em profundidade e extensão. O Comunismo, em compensação, apesar de sua memória mais recente, e apesar inclusive de sua dissolução, beneficiou-se de uma amnésia e de uma anistia que colhem o consentimento quase unânime, não apenas de seus partidários, pois eles ainda existem, como também de seus mais determinados inimigos e até mesmo de suas vítimas. Nem uns nem outros sentem-se confortáveis para tirá-lo do esquecimento”.

A resposta mais plausível é que, enquanto o Nazismo foi derrotado, o Comunismo saiu-se o grande vitorioso da Segunda Guerra Mundial. E, como se sabe, são os vitoriosos quem costumam contar sua versão da história. Se, ainda por cima, esse vitorioso for Stalin, aí mesmo é que a história sairá do feitio que lhe interessa, mesmo que para isso seja necessário esconder documentos, manipular biografias, cortar retratos. Só recentemente, após a abertura dos arquivos de Moscou, descobriu-se, por exemplo, que Stalin entregou para a Gestapo milhares de judeus que haviam buscado refúgio na URSS, acreditando inocentemente na farsa montada pelo ditador comunista, que publicamente alardeava seu antifascismo de propaganda, enquanto, nos bastidores, cooperava intensamente com o Estado-Maior alemão. Mas estou me adiantando.

Ao contrário do que se diz, o Comunismo não acabou com a queda do muro de Berlim. A versão de Stalin ainda é a versão corrente no imaginário popular. Até mesmo o abandono do termo Nacional-Socialismo para caracterizar o regime de Hitler – por sugerir uma incômoda proximidade verbal com o “Internacional Socialismo” – é obra do ditador soviético.

Embora Stalin tenha sido criticado por tantos comunistas que o sucederam, o fato é que também estes se beneficiaram da narrativa farsesca criada pelo czar vermelho, tão bem-sucedida em dissociar historicamente os dois socialismos modernos, o Internacional e o Nacional. Ao primeiro, coube o privilégio de poder manter intacta e imaculada sua ideologia, independentemente dos crimes hediondos cometidos contra a humanidade.

Ao integrar o campo aliado ao fim da Segunda Guerra, Stalin conseguiu difundir a ideia de que Comunismo e Nazismo eram inimigos quintessenciais. No entanto, qualquer estudo sério dessas duas grandes utopias modernas revela que, excetuando questões de detalhe, elas eram fundamentalmente gêmeas. O que ocorreu na Segunda Guerra entre comunistas e nazistas foi algo como um conflito entre irmãos, uma disputa entre facções rivais, ambas modernas e revolucionárias, ambas ansiosas por instaurar uma nova ordem mundial.

A questão é que o Nazismo e o Comunismo rezavam pela mesma cartilha. Ambos acreditavam que, para criar a nova ordem mundial, era sumamente necessário a eliminação de certas categorias de pessoas: os judeus, no caso dos nazistas; os burgueses, no caso dos comunistas. Não por acaso, os dois regimes foram os campeões mundiais em genocídio, atingindo, juntos, números até então inéditos na história da humanidade. Segundo o estudo estatístico do cientista político R. J. Rummel, autor do livro Death by Government, os regimes comunista (incluindo URSS e China) e nazista assassinaram, juntos, cerca de 120 milhões de pessoas, isso em pouco mais de 50 anos. Rummel propôs o termo democídio para qualificar as mortes provocadas deliberadamente por um governo contra a população civil.

Mas a contribuição dos nazistas para essa macabra estatística de democídio é até modesta, se comparada aos feitos de Stalin e Mao. Dos 120 milhões de pessoas mortas por comunistas e nazistas, os regimes soviético e chinês são responsáveis diretos por cerca de 96 milhões, o que representa 80% daquele total. Ou seja, mesmo o horror do Holocausto não se equipara ao potencial destrutivo dos regimes comunistas. O Comunismo é, sem sombra de dúvida, o grande campeão em genocídio (ou democídio) da história.

Na apresentação de Death by Government, o também estudioso do assunto Irving Louis Horowitz sugere que o estudo de Rummel aponta para a necessidade de rever nosso senso da profundidade dos horrores cometidos por regimes comunistas contra a humanidade: “Os números são tão grotescos quanto a isso que devemos, de fato, revisar nossa sensibilidade acerca do estudo comparativo dos totalitarismos para perceber que, dos dois maiores horrores sistemáticos do século, os regimes comunistas possuem uma considerável vantagem sobre os fascistas no que diz respeito à sua propensão homicida”.

Diante do exposto acima, resta ainda mais surpreendente que o Comunismo goze de autoridade moral e política (e, em muitos casos, desperte simpatia) ainda nos dias de hoje. Enquanto acusar alguém de nazista é uma ofensa grave, muitos se orgulham de ser chamados de comunistas, ostentando a convicção na justeza de sua causa como um claro indício de força de caráter e “sensibilidade social”. Outros, mesmo negando o rótulo, acreditam ter superado ou aprimorado o Comunismo de outrora, desatentos para o fato de que a eterna superação dialética de si próprio é uma característica essencial do movimento comunista desde seus primórdios.

O fato é que se hoje a apologia do Nazismo dá cadeia, a apologia do Comunismo resulta frequentemente em cargos e posições de destaque no meio universitário, nas artes, no show business, na indústria cultural. Como foi possível ao movimento comunista manter intacta sua autoridade moral? A resposta é uma só: os comunistas subsequentes fizeram com Stalin o que este fizera com Hitler. Transformando Stalin em bode expiatório, o movimento comunista logrou salvaguardar a doutrina, que teria sido traída e aviltada pela brutalidade stalinista. Num golpe retórico digno de Rousseau, o revisionismo comunista concluiu: a doutrina era essencialmente boa, Stalin é que a corrompera. Foi um golpe de mestre!

Uma das consequências do revisionismo comunista foi a beatificação de certos personagens, paralelamente à demonização de Stalin. Uma vez que o czar vermelho já não servia para representar a maravilhosa ideologia comunista, tratou-se de eleger uma nova figura. Isso foi o que ocorreu com Trotsky, por exemplo. Por sua oposição a Stalin, pela qual terminou brutalmente assassinado, Trotsky caía como uma luva para ocupar o papel de mártir do “verdadeiro” Comunismo. Sendo assim, um conflito apenas estratégico e circunstancial entre os dois líderes comunistas, passou a ser representado como uma ruptura fundamental entre um traidor da causa e o seu mais nobre defensor.

Mas a dissociação radical entre Stalin e Trotsky não passa de uma total distorção da história da URSS. Como sugere Leszek Kolakowski em Main Currents of Marxism: “Trotsky não ofereceu nenhuma forma alternativa de Comunismo ou qualquer doutrina diferente da de Stalin”.

Com efeito, foi Trotsky quem, em 1918, seguindo orientação de Lenin, inaugura os campos de concentração soviéticos, que continuaram funcionando até muito tempo depois do fim da Segunda Guerra. Os campos soviéticos foram designados inicialmente para punir os inimigos do Exército Vermelho e os ex-oficiais czaristas relutantes em aderir à Revolução. No entanto, logo passaram a servir também para a detenção de camponeses insurgentes, pois que submetidos à requisição forçada de grãos por parte do governo revolucionário (uma política que, entre os anos de 1932 e 1933, já com Stalin, resultaria na morte por inanição de milhões de ucranianos (no crime contra a humanidade conhecido como Holodomor ou A Grande Fome). Estima-se que, por volta de 1921, cerca de 80% dos detentos nos campos de concentração soviéticos era de camponeses.

O Grande Terror não começou com Stalin, apenas foi intensificado por ele. Em 1919, Lenin já havia decretado: “Não reconhecemos qualquer liberdade, ou igualdade, ou democracia trabalhista que se oponham aos interesses de emancipar o trabalho da opressão do capital”. A Revolução fora feita em nome da classe operária, mas logo a vanguarda do Partido começou a considerá-la indigna de confiança. Lenin sempre insistiu que a violência revolucionária era também essencial “contra os elementos vacilantes e rebeldes das próprias massas de trabalhadores”. Se, para a doutrina comunista, o trabalhador abstrato e genérico exaltado em prosa e verso, o trabalhador real, de carne e osso, representava um incômodo obstáculo à revolução mundial.

Em 1921, por exemplo, já estava bastante claro que a maior parte dos trabalhadores russos se opunha ao Partido. Karl Radek, discursando para cadetes do Exército, disse-o com todas as letras: “O Partido é a vanguarda politicamente consciente da classe trabalhadora. Estamos agora num momento em que os trabalhadores, no limite de sua resistência, se recusam a seguir a vanguarda que os conduz à batalha e ao sacrifício... Deveríamos render-nos aos clamores de proletários que, tendo atingido o limite de sua paciência, não compreendem seus reais interesses como nós o compreendemos? O seu estado mental é, no presente, francamente reacionário”.

Reacionário. Tínhamos aí a palavrinha mágica da retórica genocida comunista, usada, agora, contra os próprios supostos beneficiários da revolução. A acusação de “reacionário” foi uma constante no modus operandi comunista e nazista. “Reacionários” eram os entraves que impediam o advento da nova sociedade, e que, portanto, deveriam ser eliminados. Note-se que o rótulo é extremamente flexível e, manipulado por líderes prepotentes e fanáticos, só poderia conduzir – como conduziu – a um brutal sistema de acusação, perseguição e extermínio em massa.

Nas palavras do historiador Robert Conquest: “O Partido, apartado de sua justificação social, agora sustentava-se apenas sobre o dogma. Tornara-se, no modo mais clássico, um exemplo de seita, um fanatismo. O Partido assumiu que o apoio popular ou proletário podia ser dispensado e que a mera integridade dos pretextos seria adequada, justificando tudo pelo caminho”.

Mas o extermínio como método revolucionário tampouco foi, digamos, apenas uma necessidade pragmática da revolução. Tratava-se igualmente de uma exigência filosófica intrínseca ao projeto comunista desde sua fundação intelectual, com Marx e Engels.

Argumentando contra movimentos nacionalistas dos povos eslavos, e em favor do imperialismo austro-húngaro, Marx e Engels escreveram no capítulo 14 de Revolução e Contrarrevolução na Alemanha: “Acabaram, assim, por agora e, provavelmente, para sempre, as tentativas dos eslavos da Alemanha para recuperar uma existência nacional independente... Essas nacionalidades moribundas, os boêmios, os caríntios, os dálmatas etc., tentaram tirar partido da confusão universal de 1848, de modo a restaurar o seu status quo político do ano de 800... O destino natural e inevitável dessas nações moribundas era de permitir que se completasse o progresso de dissolução e de absorção pelos seus vizinhos mais fortes. Essa não é, decerto, uma perspectiva muito lisonjeira para a ambição nacional dos sonhadores pan-eslavistas que tinham conseguido agitar uma parte dos boêmios e dos eslavos do sul; mas podem eles esperar que a história volte atrás mil anos a fim de agradar alguns grupos humanos tísicos que, em toda a parte do território que ocupam, estão penetrados e rodeados de alemães, que, desde tempos quase imemoriais, não tiveram, para todos os efeitos de civilização, outra língua a não ser a alemã, e a quem faltam as mais elementares condições de existência nacional, o número e a solidez de um território?... Depois do seu primeiro esforço, que se evaporou em 1848, e depois da lição que o governo austríaco lhes deu, não é provável que seja feita outra tentativa em ulterior oportunidade. Mas se eles tentarem de novo, com pretextos semelhantes, aliar-se à força contrarrevolucionária, o dever da Alemanha é claro. Nenhum país num estado de revolução e envolvido numa guerra externa pode tolerar uma Vendeia no seu próprio seio”.

Por “Vendeia”, Marx e Engels referiam-se ao motim contrarrevolucionário naquela província ocidental da França, desencadeado em 1793 pelos realistas franceses, que utilizaram o campesinato local para a luta contra a Revolução. O motim foi reprimido com brutalidade e os realistas, massacrados, no episódio que alguns historiadores (ver, por exemplo, Reynald Secher) consideram como o primeiro genocídio moderno.

Em O Conflito Magiar, artigo publicado em 1849 na revista Nova Gazeta Renana (editada por Marx), Engels voltava a atacar os pan-eslavistas em termos brutais: “Essas relíquias de nações impiedosamente mantidas sob botas no curso da história, como dizia Hegel, esse lixo étnico [Völkerabfälle, no original] sempre se transforma em porta-estandarte da contrarrevolução, e assim permanece até o seu completo extermínio [gänzlichen Vertilgung, no original] ou perda de seu caráter nacional, na medida em que a sua própria existência em geral é, por si mesma, um protesto contra uma grande revolução histórica”. Segundo George Watson, historiador da literatura socialista, essa foi uma das primeiras vezes na história que a ideia de genocídio era advogada de forma tão explícita.

Os pais fundadores do Comunismo acreditavam que “nada na história se conquista sem violência e crueldade implacável”, e que, portanto, haveria fatalmente “uma batalha inexorável de vida ou morte contra aqueles eslavos que traíssem a Revolução; uma luta de aniquilação e terror cruel – em defesa não dos interesses da Alemanha, mas dos interesses da Revolução”.

Em suma, as afinidades ideológicas e pragmáticas entre Comunismo e Nazismo são inegáveis. Antes que o serviço de propaganda soviética viesse a inverter a realidade – contando, para isso, com o auxílio dos “idiotas úteis” espalhados pelo globo, todos sabiam de tais afinidades. Em 1940, por exemplo, o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt considerava a URSS uma potência do Eixo. O projeto de ambas as utopias mortíferas já havia sido profetizado por Alexis de Tocqueville: “O Estado pode fazer à humanidade tudo o que quiser – isso resume as suas teorias”. Qualquer pessoa relativamente culta seria capaz de perceber aquelas afinidades apenas pela leitura das obras dos principais líderes comunistas e nazistas. Ou seja, as afinidades fazem parte da essência mesma dos dois movimentos (talvez devêssemos chamar de um movimento – o Socialismo) desde a sua origem.

Após a queda do muro de Berlim, e a abertura dos arquivos de Moscou, a situação se esclareceu ainda mais. As afinidades ideológicas, antes já facilmente identificáveis (e, de fato, identificadas por autores perspicazes), revelaram-se muito mais profundas. Na verdade, começou-se a descobrir que não estávamos diante de meras “afinidades”, mas, em ampla medida, de um projeto comum de poder. A ascensão política e militar do Nazismo só foi possível graças a uma colaboração de anos com a URSS, a grande responsável pelo rápido fortalecimento do exército de Hitler.

Essa história tenebrosa, inacessível ao público durante muitos anos, pode ser lida em The Red Army and the Wehrmacht: How the Soviets Militarized Germany, 1922-33, and Paved the Way for Fascism, livro dos historiadores russos Yuri Dyakov e Tatyana Bushuyeva, e que que confirma pesquisas anteriores de autores como Ernst Topitsch e Viktor Suvorov.

Fruto de uma minuciosa pesquisa nos arquivos de Moscou, o livro mostra como, nos anos que antecederam a Segunda Guerra, o regime soviético investiu no rearmamento secreto da Alemanha e cedeu parte do território da URSS para que as tropas alemãs se reestruturassem, longe da vigilância franco-britânica. Como se sabe, os vitoriosos na Primeira Guerra haviam imposto à Alemanha (por meio do Tratado de Versalhes) pesadas punições e humilhações, incluindo o desarmamento forçado. Dizem os autores na introdução: “E chegado o momento de contar às pessoas uma amarga verdade: que nada menos do que o fascismo real assolou o nosso país, e que o totalitarismo que comandou o destino das pessoas na URSS e na Alemanha foi uma das razões para a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Sob muitos aspectos, o fascismo de Hitler foi estimulado por Stalin. Poucos historiadores sabem que o Wehrmacht alemão (Reichswehr) saiu das restrições de Versalhes para se restabelecer em nosso solo. Na URSS, sob condições ultrassecretas, medidas militares conjuntas foram tomadas, campos de pouso foram construídos, tanques e aviões eram operados. A nata do Wehrmacht fascista foi treinada lá. Isso tudo foi atestado em documentos. Os documentos disponíveis chocam até mesmo profissionais, mas eles constituem apenas uma parte dos segredos ocultados das pessoas”.

Enfim, fica cada vez mais claro que Comunismo e Nazismo fazem parte de uma mesma história de terror, e que os conflitos que os dividiram ao fim da Segunda Guerra Mundial foram um estremecimento excepcional em relações outrora amistosas e de cooperação. O respeito imerecido que o Comunismo ainda goza nos dias de hoje só pode ser explicado, portanto, como fruto de uma deliberada cegueira ideológica por parte de seus apologistas. Com uma historiografia cada vez mais abundante sobre os horrores dos regimes soviético e chinês (para não falar em Cambodja, Cuba, diversos países da África etc.) é inadmissível que haja ainda gente disposta a dar mais uma chance ao projeto, como se as tragédias concretas dele resultantes tivessem sido meros acidentes e desvios de uma bela utopia. É incrível que uma doutrina famosa por postular, justamente, a conexão íntima entre teoria e prática (como postula o marxismo) possa ter sido reinterpretada por seus adeptos de modo a servir ao argumento contrário: a afirmação de que a prática concreta dos regimes comunistas não teve qualquer relação com o fundamento teórico da doutrina. O problema do pensamento utópico quando aplicado à Realpolitik não são os desvios da utopia. O problema é a utopia mesma.

Já está mais do que na hora de difundir as descobertas da historiografia soviética pós-1989 para o grande público, derrubando de vez a versão fraudulenta propagandeada por Stalin e seus rebentos. O que, até o momento, tem impedido essa realização é a cega obstinação de intelectuais, jornalistas, formadores de opinião em geral, na recusa em lidar com sua própria consciência. Muitos se recusam a amadurecer e ver desfeitos seus sonhos e utopias de juventude. Mas essa é a sua responsabilidade: fazer com que a foice e o martelo, em vez de desfilar livremente no peito dos jovens desavisados, passe a ocupar o mesmo lugar que o de sua camarada, a suástica: a lata de lixo da história. E que, sempre juntas, as duas nunca mais saiam de lá!

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