“Então, termina sendo o abrigo uma espécie de paraíso.” (Luiz Inácio Lula da Silva, mandatário brasileiro, em 15 de maio de 2024)
Em São Leopoldo, um dos municípios mais afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, parece que o show da Madonna não terminou. Sim, tal como no evento-catarse na Praia de Copacabana, no qual pulularam tentativas kitsch de “arte” blasfema anticristã e propaganda esquerdista de DCE, recendeu a pornografia (só que política) o evento montado pelo regime lulopetista na cidade rio-grandense. Ali, como em tudo o mais promovido pelo PT, o que deveria ser uma reunião dedicada aos esforços de ajuda humanitária às vítimas da tragédia transformou-se em comício e ostentação teatral de virtudes inexistentes.
Quando da vitória do atual mandatário na heterodoxa eleição de 2022, lembro-me de ter publicado aqui na coluna um singelo poema de desgosto. Intitulado “De bode”, e composto por versos alexandrinos (pelo que quero dizer versos de 12 sílabas métricas, bem entendido, sem qualquer referência a personagens de nossa República Democrática Popular e Lagosteira), o poema destacava uma característica do atual mandatário brasileiro, a saber: o seu dom de “barganhar” e “apoucar” tudo no que se envolve. Pois não é que o sujeito conseguiu apoucar e apequenar um evento que, no caso de qualquer líder político respeitável, seria marcado por demonstrações de grandeza, solidariedade e desinteressada compaixão? E, como o vício político é contagioso, diga-se que o rebaixamento promovido pelo líder transbordou necessariamente para os seus acólitos. Como no verso de Antonio Machado: “Cuán difícil es, quando todo baja, no bajar también”.
O que deveria ser uma reunião dedicada aos esforços de ajuda humanitária às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul transformou-se em comício e ostentação teatral de virtudes inexistentes
Pois muitos baixaram no indecente comício de São Leopoldo, evento-símbolo de uma série de posturas e medidas aviltantes tomadas por políticos, militantes e propagandistas de esquerda desde o início da tragédia. O sinal mais evidente desse rebaixamento geral foi o exibicionismo estatal e o ciúme satânico do governo em relação à caridade civil espontânea, sobre o qual já discorri na semana passada. Foi esse ciúme, por exemplo, que fez o líder do regime indicar para o cargo de ministro especial para a reconstrução do Rio Grande do Sul ninguém menos que Paulo Pimenta, antes ministro da propaganda e hoje governador rio-grandense de fato, uma vez que o timorato Eduardo Leite, auto-humilhado por sua própria ausência de virtudes, foi cassado sem oferecer resistência.
Sem qualquer feito digno de nota referente ao auxílio às vítimas das enchentes – e, a bem da verdade, sem qualquer feito digno de nota em geral, exceto o de disseminar teorias da conspiração como a da “fakeada” em Bolsonaro –, o sujeito foi premiado única e exclusivamente por sua obstinada dedicação a perseguir e censurar os críticos do regime, o que, por si só, basta para demonstrar a real preocupação lulopetista em relação à tragédia. A presença de uma tal criatura no evento, e sua promoção a “reconstrutor” do Rio Grande do Sul, foi um ato de escárnio com todos aqueles indivíduos e organizações que, diante da letargia paquidérmica e da ineficiência estatal, empenharam esforços heroicos para os primeiros socorros às vítimas. Pela postura tirânica do comissário Pimenta, fica claro que, em lugar de reconstruir o estado afetado, o que o governo quer reconstruir é a própria imagem, gravemente danificada aos olhos da sociedade. Esperando por um Plano Marshall, os gaúchos receberam o Plano Pepper.
A ostentação de generosidade e a afetação de empatia por parte do regime foram teatralizadas do início ao fim. E, dentre os muitos atores canastrões da peça, destaca-se a senhora Janja da Silva, uma espécie de ministra informal de propaganda e, segundo denúncia de uma ex-colaboracionista ressentida, comandante de uma verdadeira milícia digital pró-governo. Começando pelo sensacionalismo em torno do cavalo Caramelo, e culminando na inusitada foto do avião presidencial com kits de ajuda humanitária ocupando cada um dos assentos (numa clara subutilização do espaço), todas as iniciativas da primeira-dama visaram tão somente à autopromoção.
Diante de um tal teatro macabro – que contou com a animada presença de um cada vez mais militante e menos magistrado Luís Roberto Barroso –, não pude deixar de lembrar daquilo que, em O Caminho de Swann (primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido), Marcel Proust comenta sobre a bondade genuína:
“Quando tive mais tarde ocasião de encontrar, no curso da vida, em conventos, por exemplo, encarnações verdadeiramente santas da caridade ativa, tinham geralmente um ar alegre, positivo, indiferente e brusco de cirurgião apressado, essa fisionomia em que não se lê nenhuma comiseração, nenhum enternecimento diante da dor humana, nenhum temor de feri-la, e que é a fisionomia sem doçura, a fisionomia antipática e sublime da verdadeira bondade.”
O espetáculo grotesco de caridade estatal encenado em São Leopoldo foi repleto de exibicionismo moral, pieguice, narcisismo, espalhafato, autocomiseração, roubo de méritos alheios e autopromoção às custas das vítimas
Com uma evidente alusão bíblica, o trecho recorda a passagem dos Evangelhos na qual Jesus Cristo trata da autêntica caridade, também ela discreta, sem comiseração, sem doçura e, sobretudo, sem autopromoção:
“Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto de vosso Pai Celeste. Quando, pois, deres esmola, não toques trombetas diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, recompensar-te-á.” (Mt,6,1-4)
Nada podia ser mais distante do espetáculo grotesco de caridade estatal encenado em São Leopoldo, repleto de exibicionismo moral, pieguice, narcisismo, espalhafato, autocomiseração, roubo de méritos alheios e autopromoção às custas das vítimas. Aos promotores de uma tal pantomima, resta, mais uma vez, o recado dos Evangelhos: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mt,23,27-28).
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