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Existem arrependimentos e arrependimentos. Jesus Cristo, eu sua sabedoria divina, mandou que nos arrependêssemos de nossos pecados. Nesse sentido, nada melhor que se arrepender, pois o pecado é qualquer ato ou comportamento que nos separa de Deus. Em outras palavras, é uma vazão que damos à parte baixa de nossa alma, fazendo-a ganhar domínio sobre a parte alta, que é justamente a que se conecta ao divino. Arrepender-se, portanto, é devolver o domínio de nosso ser a quem realmente deve dominá-lo; e não se arrepender significa endossar o nosso lado animal e louvar os piores aspectos da natureza humana. Minha intenção, no entanto, não é discutir esse tipo de arrependimento, e sim aquele outro que nos corrói por dentro e torna a vida amarga e desgostosa. Quero, neste curto texto, mostrar a você que nunca vale a pena se arrepender de qualquer outra maneira que não seja a descrita por Jesus.

A vida humana é feita basicamente de um ato, a escolha. O livre arbítrio está presente em cada momento de nossas vidas, desde quando optamos por uma meia branca em vez de uma preta, até quando decidimos nos casar com alguém. Todos os dias, fazemos centenas de pequenas escolhas, começando pela opção entre acordar com o despertador ou apertar o botão da soneca. Os diálogos que travamos com nossos familiares, amigos, colegas de escola ou trabalho, ou mesmo com estranhos que cruzam nosso caminho, são repletos de escolhas, dado que cada palavra que sai de nossa boca é devidamente pensada e inserida em um contexto, uma frase, uma pergunta, uma resposta, uma afirmação etc. O desdobramento de cada escolha que fazemos ecoa em nossa linha do tempo de uma maneira que somos, em grande parte, incapazes de prever. É claro que é possível estudar e entender a causalidade de nossos atos, mas quanto mais longo for o prazo de análise, mais difícil será enxergar os elos que se formam com o decorrer do tempo. Cito um exemplo: quando me casei com Alessandra, ambos dizíamos que não queríamos ter filhos. Na verdade, essa concordância foi uma das condições importantes para nos conhecermos, já que nosso “cupido” sabia muito bem que tanto eu como ela não tínhamos planos de criar pimpolhos. No decorrer de nossos primeiros anos juntos, a decisão de ambos continuou firme, e em nenhum momento paramos para nem sequer discutir o assunto. Foi somente aqui nos Estados Unidos, depois de um período de difícil adaptação e de muita solidão, que a ideia de fazer uma família soou atrativa e, para falar a verdade, extremamente necessária. Assim, em retrospecto, a decisão de mudar do Brasil talvez tenha sido o pontapé inicial da decisão de ter filhos. É possível dizer que, caso não tivéssemos vindo, estaríamos até hoje curtindo a vida como casal apenas, e que a janela de oportunidade de ter filhos tivesse se fechado antes que considerássemos a possibilidade.

Qual é o ponto da discussão? Em minha opinião, não existem grandes escolhas, mas apenas escolhas. Em determinados momentos, a linha temporal de uma sequência de escolhas acaba chegando a um ponto de inflexão, um ponto em que a próxima escolha acaba sendo percebida como uma escolha importante simplesmente por estar posicionada como um fechamento de uma série de escolhas prévias. Por exemplo, quando um namorado propõe casamento a uma namorada, aquela escolha entra para a história como uma das mais marcantes e importantes da vida do proponente. Mas, se fosse possível colocá-la em perspectiva histórica, analisando cada uma das milhares de escolhas feitas durante o tempo de namoro, ela seria apenas a culminação de todas as anteriores. A resposta da garota, por sua vez, será a culminação tanto de suas escolhas como das do garoto.

Com isso em mente, pense comigo: se não há escolhas importantes, mas apenas sequências de escolhas mais simples, e se temos uma capacidade bem limitada de analisar os desdobramentos de nossas escolhas além de um período curto de tempo, então é bastante óbvio que o arrependimento seja um dos sentimentos mais inúteis e prejudiciais na vida de um ser humano. Afinal, arrepender-se de algo pequeno como uma escolha isolada não faz sentido, pois é muito fácil reverter algo assim. Você disse algo que magoou seu cônjuge? Peça desculpas, esclareça o ocorrido e cancele ao máximo os efeitos deletérios desse ato impensado. Se você deixar que as escolhas ruins se acumulem no tempo, também não fará sentido arrepender-se daquela escolha percebida como importante, como por exemplo a decisão de se divorciar, pois a mesma não passa de uma culminação de muitas outras anteriores. Quando algo assim acontece, fica claro que o problema não foram as escolhas todas, e sim o hábito ruim de seguir de uma para outra sem reflexões e sem nenhuma tentativa de autoconhecimento. E é justamente esse tipo de comportamento que cai na definição de pecado, aquele que mencionei no começo do texto, quando citei as palavras de Jesus. Voltamos à mesma afirmação: se há um arrependimento que valha a pena é o arrependimento dos pecados. Em outras palavras, se há um arrependimento que valha a pena, é o arrependimento de um comportamento destrutivo sistemático e muitas vezes automático.

Resumindo, o que tenho aprendido nos últimos anos, anos em que vivi muitos desafios e muitas mudanças de vida, é que o nosso presente está conectado profundamente com cada segundo de nosso passado, e que a linha sequencial de escolhas que fizemos para chegar aqui é uma de trilhões de derivações possíveis, sendo esse número exponencialmente proporcional à nossa idade. O corolário disso é que, a não ser que sua vida seja completamente desgostosa e que você não tenha absolutamente nenhum momento de felicidade, a melhor abordagem existencial possível consiste em não se arrepender de escolhas feitas – pois nossa natureza limitada jamais permite que analisemos seus desdobramentos com precisão suficiente – e de buscar um autoconhecimento que permita abandonar comportamentos danosos, os pecados, e caminhar em direção a um futuro sempre melhor, ainda que a passos curtos ou mesmo em um ziguezague de intensidade cada vez menor. Se deixarmos a bagagem pesada do arrependimento amargo para trás, a jornada será certamente mais fácil.

Nesta quinta-feira, 22 de novembro, comemora-se o Dia de Ação de Graças aqui nos Estados Unidos. O tema de minha coluna tem muito a ver com a disposição de dar graças. Afinal, quanto mais arrependimento, menos graças; e quanto mais entendemos que Deus nos guia e protege em nossas infinitas sequências de escolhas, mais somos agradecidos a Ele por nos levar a lugares e situações melhores do que poderíamos estar.

Feliz Dia de Ação de Graças a todos!

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