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AsPoNe
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Pela primeira vez em cinco anos, vou tirar férias de verdade. Tudo bem, serão apenas dez dias, mas serão férias mesmo: sem atender telefonemas relacionados à empresa, sem verificar minha conta de e-mail corporativo e sem olhar o aplicativo de controle de vendas para saber se entrou algum pedido. Posso finalmente tirar minhas férias porque, como já escrevi nesta mesma coluna no início do ano, contratei a primeira funcionária de minha empresa depois de trabalhar sozinho por mais de quatro anos. Como eu, muitos outros empresários iniciam suas atividades sozinhos e permanecem assim até que haja faturamento suficiente para pagar a ajuda de alguém.

Existe, no entanto, uma atividade profissional em que a pessoa raramente produz riqueza ou benefícios para a sociedade – na verdade, é mais comum que gere somente gastos e prejuízos – e ainda conta com a ajuda de dezenas de pessoas para tanto. Estou falando, é claro, de muitos vereadores, deputados e senadores do nosso Brasil. Quero mostrar, no decorrer deste artigo, o tamanho da imoralidade e da indecência que é o Legislativo brasileiro no tocante a esse aspecto. Obviamente que há equivalentes no Executivo, com suas dezenas de milhares de cargos comissionados, mas quero focar especificamente nas casas legislativas para dar uma ideia a você, leitor, de como estamos fazendo a coisa da maneira mais errada possível.

Arrisco dizer que mais da metade de todo o dinheiro gasto nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso Nacional acaba escoando pelos ralos da corrupção

Comecemos logo com o campeão. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), em primeiro mandato na câmara alta do parlamento federal, tem 85 assessores registrados (de acordo com dados do dia 24 de junho deste ano), bem acima da média já absurda de 34 assessores por senador. A título de comparação, trabalho com a importação de produtos odontológicos feitos no Brasil. Uma das empresas fornecedoras é considerada a maior fabricante de limas para tratamento endodôntico em todo o Hemisfério Sul, é líder isolada de mercado no Brasil e exporta para mais de 30 países, incluindo a operação nos Estados Unidos, sob minha direção. Essa empresa tem 88 funcionários.

Enquanto no Senado as regras para contratação de assessores são turvas a ponto de permitir uma excrescência como a citada acima, na Câmara dos Deputados há um limite claro para os gastos mensais com gabinete. O valor atual é de R$ 111.675,59, e cada deputado pode contratar até 25 pessoas para auxiliá-lo no mandato. Fui pesquisar o site da Câmara para ver se achava alguém que tinha usado a cota inteira, e foi mais fácil que eu imaginava. Bastou acessar o primeiro nome da lista, deputado Abílio Santana (PL-BA), para encontrar os nomes de 25 assessores devidamente preenchidos. A título de comparação, a Associação de Apoio à Criança com Câncer, ONG que faz um lindo trabalho na cidade de São Paulo, opera com 26 pessoas em dedicação integral. Essa equipe atende 36 crianças com câncer e mais 36 acompanhantes que permanecem na casa durante o tratamento, além de organizar eventos e congressos na área.

Nas assembleias estaduais a coisa não é nada diferente. No Rio Grande do Sul, por exemplo, há um limite regimentar de 17 cargos de confiança para cada deputado estadual. Aparentemente, diversos deputados acham que ter 17 pessoas em sua equipe não é suficiente. O deputado Gilmar Sossela, líder da bancada do PDT, tem 31 assessores cujos salários e encargos somam R$ 166 mil. A título de comparação, antes de vir para os Estados Unidos eu trabalhava em uma empresa de engenharia automotiva. É uma empresa de alta tecnologia, que presta serviços de consultoria, teste e medição para quase todas as multinacionais do ramo. Essa empresa tem 30 funcionários, entre eles cinco engenheiros de carreira, e sua folha de pagamento mensal é da ordem de R$ 162 mil já com encargos trabalhistas. É reconhecida mundialmente em seu setor de operação.

O sistema não precisa de todo o dinheiro que existe ao seu dispor para funcionar

E a mamata vem desde as câmaras municipais, onde vereadores de capitais chegam a ter mais assessores que muitos deputados federais. Minto: não precisamos ir a uma capital para provar esse ponto. A Câmara Municipal de Campina Grande, cidade paraibana com 355 mil habitantes, permite que cada um de seus vereadores contrate até 12 assessores. Enquanto isso, a bancada do Partido Novo na Câmara Federal tem uma média de apenas sete assessores por deputado, a menor entre todos os partidos. Aliás, a atitude do Novo, não só no tocante ao número de assessores como na redução do gasto mensal geral de cada deputado, é prova cabal de que o sistema não precisa de todo o dinheiro que existe ao seu dispor para funcionar. Em qualquer empresa do mundo, um exemplo de eficiência vindo de um departamento seria prontamente aplicado ao restante dos setores para melhorar a lucratividade do negócio. Nos legislativos brasileiros, nem tanto.

As comparações que fiz nos casos citados mostram o quão mal empregados são os recursos entregues nas mãos de nossos legisladores. O setor privado, tanto com fins lucrativos como sem eles, faz muito mais com muito menos. Só isso já seria razão para uma profunda reforma nas casas legislativas de todo o país. Mas sabemos que há outras razões, baseadas em imoralidades ainda maiores, na verdade em ilicitudes como as rachadinhas e outros esquemas de enriquecimento criminoso praticados por vereadores, deputados e senadores do Oiapoque ao Chuí. Arrisco dizer que mais da metade de todo o dinheiro gasto nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso Nacional acaba escoando pelos ralos da corrupção. É muito dinheiro. E é muito aspone – assessor de porcaria nenhuma – mamando nas tetas do Estado, ou seja, no seu bolso.

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