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O presidente dos EUA, Joe Biden.| Foto: Saul Loeb/AFP

A posse de Joe Biden marcou o fim de um processo eleitoral único na história americana, e a tremenda polarização que tomou conta do país não parece ter data marcada para acabar. A insistência do Senado em prosseguir com o processo de impeachment de Donald Trump – um esforço sem nenhum sentido ou base constitucional, em andamento somente para alimentar a vingança política dos inimigos do ex-presidente – mostra que o espaço para diálogo entre os partidos Democrata e Republicano continua infimamente pequeno.

Dado que mais de 74 milhões de americanos votaram em Donald Trump, o candidato derrotado, e que as plataformas dos dois partidos estão em seu maior afastamento ideológico já registrado, o panorama que se desenrola é o de uma profunda divisão da federação, com estados mais conservadores prontos a contestar as medidas do Executivo nas cortes federais. Foi exatamente o que aconteceu quando Joe Biden anunciou, logo nas primeiras horas do seu governo, o congelamento de certas deportações por 100 dias. Apenas quatro dias depois que a medida começou a valer, o juiz Drew Tipton a suspendeu por 14 dias, em liminar a favor do procurador-geral do Texas, Ken Paxton, que entrou com um processo judicial contra o governo federal. Ontem, 9 de fevereiro, o mesmo juiz estendeu a suspensão até o próximo dia 23, para que a corte tenha mais tempo de analisar o caso e emitir sua decisão.

Os republicanos têm caminhado para se tornar o partido do trabalhador, enquanto os democratas insistem em políticas identitárias e que dividem cada vez mais a nação

Em outra frente, o senador estadual Brian Hughes, também do Texas, disse ontem que está trabalhando com o governador Greg Abbott e com o Legislativo estadual para criar uma lei que proteja os usuários texanos da censura imposta pelas grandes empresas de mídia social, como Facebook e Twitter. A lei está sendo escrita com provisões para que qualquer cidadão cujo direito de livre expressão seja violado por qualquer uma dessas empresas possa solicitar um julgamento declaratório e obter o desbloqueio ou a restauração de perfil imediatamente. É praticamente certo que a lei será aprovada no Texas, e é provável que Facebook, Twitter, Google e afins a contestem em nível federal. No entanto, se assim fizerem, abrirão um caminho sem volta para a Suprema Corte. Em sua configuração atual, são grandes as chances de que um processo desse tipo resulte em decisão favorável ao usuário, o que criaria uma jurisprudência em nível federal.

Esse tipo de iniciativa estadual contra o Executivo federal tende a se tornar um movimento dos estados “vermelhos” contra o governo Biden. Inspirados pelo caso texano, outros governadores e legisladores já estão se movendo na mesma direção. Na Flórida, por exemplo, a legislatura estadual já trabalha em uma lei que penalizará em US$ 100 mil por dia a plataforma digital que cale, bloqueie ou expulse um candidato em época eleitoral. No vácuo dessa lei, a procuradora-geral do estado, Ashley Moody, promete ações judiciais contra as Big Techs que violarem a Lei de Práticas Comerciais Injustas e Enganadoras, já em vigor no estado.

Completando a tríade floridiana, o governador Ron DeSantis disse que “os cidadãos da Flórida devem ter proteção à privacidade de seus dados e informações pessoais, proteção a sua habilidade de acessar e participar de plataformas digitais, e proteção a sua habilidade de participar de eleições livres da interferência das grandes empresas de tecnologia”. Ainda na mesma linha, a ex-secretária de Imprensa do governo Trump, Sarah Huckabee Sanders, anunciou sua candidatura ao governo do Arkansas. Seu primeiro mote de campanha: com a esquerda radical controlando Washington, seu governador estadual é sua última linha de defesa.

Se essa tendência se confirmar e se fortalecer nos próximos dois anos, os Estados Unidos da América podem ficar cada vez menos unidos. Alguns analistas e historiadores já levantam a possibilidade de uma secessão como algo real, ainda que pouco provável. A rixa política, quando aliada à rixa estadual, pode ter consequências imprevisíveis para o país. E, de uma vez por todas, parece que a presidência de Donald Trump serviu para mostrar aos republicanos que não é mais hora de jogar bonito e perder a partida. O partido tem caminhado para se tornar o partido do trabalhador, enquanto os democratas insistem em políticas identitárias e que dividem cada vez mais a nação.

Se o GOP se livrar de políticos como Mitt Romney, Liz Cheney e Mitch McConnell, as chances de o partido ganhar força em redutos democratas antigos é grande. Os trabalhadores do setor petrolífero, por exemplo, já colheram a primeira leva de decepções com o governo Biden. Basta que os republicanos locais se disponham a fazer política de verdade – visitando casas, sindicatos, fábricas etc. – para que sua força nessas comunidades seja multiplicada. Mais uma vez, isso levará a uma polarização ainda maior, pois os interesses dessa parcela dos americanos são diametralmente opostos à agenda atual do Partido Democrata.

Teremos muito a observar nos próximos dois anos. E as eleições de 2022 serão, com certeza, mais um marco para o país. Até lá, o Judiciário federal deve ter muito trabalho com as contestações às medidas de Biden. Exatamente como foi na época de Trump. Isso, pelo menos, parece não ter mudado.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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