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Foto: Mani Albrecht/Proteção das Alfândegas e Fronteiras dos Estados Unidos/Divisão de comunicação social
Foto: Mani Albrecht/Proteção das Alfândegas e Fronteiras dos Estados Unidos/Divisão de comunicação social| Foto:

Imigração é um tema tanto atual como controverso nos Estados Unidos, especialmente na era Trump. Infelizmente, a grande maioria dos analistas políticos brasileiros segue a abordagem que o Partido Democrata usa para pautar a discussão, e que não somente é imprecisa para explicar a realidade como também dolosamente mentirosa em muitas de suas alegações.

O leitor brasileiro certamente se lembra da animosidade entre petistas e tucanos durante os governos desses partidos. Quando Fernando Henrique Cardoso foi presidente, absolutamente tudo o que ele fazia era alvo das críticas mais virulentas de políticos e militantes do PT. Bastou que Lula fosse eleito para que diversas realizações de seu antecessor fossem devidamente sequestradas e pintadas de vermelho, transformando-se em bandeiras de campanha para as três eleições seguintes. Foi assim com o Bolsa Família e com o Plano Real, só para citar dois exemplos. Entender esse comportamento é fundamental para entender o que acontece entre republicanos e democratas aqui nos Estados Unidos. Em que pesem as diferenças ideológicas entre republicanos e tucanos – enquanto estes são social-democratas, ou seja, alinhados à esquerda moderada, aqueles são majoritariamente conservadores, ou seja, alinhados à direita –, a comparação é possível principalmente devido à semelhança entre democratas e petistas, que nem sequer se envergonham por mudar radicalmente suas posições sobre determinados assuntos em curtos períodos de tempo.

A luta de Trump para construir um muro na fronteira sul dos Estados Unidos tem ocupado boa parte dos noticiários americanos durante os últimos meses. Em dezembro, por exemplo, a falta de acordo para incluir o custo da obra no orçamento federal causou uma paralisação recorde nas atividades do governo, o chamado shutdown, que durou 35 dias. Os caciques democratas não admitem ceder uma polegada sequer nas negociações por uma única razão: é Donald Trump quem deseja construir o muro. A prova disso? Em 2006, o então presidente George W. Bush propôs a construção e reforma de 1,1 mil quilômetros de cerca na fronteira com o México, uma obra orçada em US$ 1,4 bilhão. A respeito da lei que proveu o suporte orçamentário da obra, disseram:

“A lei que está diante de nós certamente trará benefícios. Ela autorizará o financiamento demasiadamente necessário à melhoria das cercas e da segurança de fronteira, e ajudará a conter parte da onda de imigração ilegal neste país” (senador Barack Obama)

“Cada linha deste projeto de lei teve o apoio de ambos os partidos” (deputada Nancy Pelosi)

Pelosi referia-se, na época, a um grupo de oito senadores – quatro republicanos e quatro democratas – conhecido como “Gang of Eight” (a “Gangue dos Oito”) e que trabalharam ativamente para a aprovação do orçamento para a cerca de fronteira. Foram eles: Chuck Schumer (D-Nova York), Dick Durbin (D-Illinois), Robert Menendez (D-Nova York), Michael Bennet (D-Colorado), Marco Rubio (R-Flórida), Jeff Flake (R-Arizona), John McCain (R-Arizona) e Lindsey Graham (R-Carolina do Sul). Note-se a presença do atual líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, uma das vozes mais ativas contra a segurança de fronteira nos dias de hoje.

Cinco anos depois, quando era presidente, Obama continuou a apoiar os esforços contra a imigração ilegal, gabando-se publicamente do aumento da segurança de fronteira realizado durante seu mandato:

“Nós fortalecemos a segurança de fronteira além do que muitos achavam ser possível. Temos mais homens na fronteira sudoeste do que nunca. A Patrulha de Fronteira possui 20 mil agentes – mais que o dobro do que havia em 2004” (presidente Barack Obama)

A seletividade dos democratas quanto ao tema da imigração só não está mais escancarada porque boa parte da imprensa americana acoberta esse tipo de hipocrisia, preferindo não mostrar ao público fatos e declarações que podem ser facilmente encontradas nos arquivos das sessões da Câmara e do Senado. Ao agir dessa maneira, esses políticos não geram absolutamente nenhuma discussão benéfica ao assunto, deixando os pontos realmente importantes da imigração intocados. Ninguém está discutindo, por exemplo, a importância da imigração no preenchimento de vagas de trabalho cada vez mais abundantes em um país com menos de 4% de desemprego. Quem vive aqui sabe que não existem Estados Unidos da América sem imigrantes. Porém, imigração benéfica é aquela com contrapartidas, incluindo um forte processo seletivo com verificação de antecedentes, avaliação de capacitação técnica/intelectual, demonstrações de valores compatíveis com os princípios que nortearam a fundação deste país, comprovação de capacidade produtiva etc. No embate político contemporâneo, os democratas querem apenas uma maneira de inserir mais eleitores que votem em suas propostas assistencialistas.

Para mim, que sou imigrante nesta terra, uma coisa é muito clara: falta perspectiva dos dois lados. Do lado dos democratas, como já mencionei acima, falta honestidade intelectual e seriedade, além de uma disposição mínima para negociar com Donald Trump. Infelizmente, não tenho nenhuma esperança de que mudarão sua postura enquanto ele for presidente. Do lado dos republicanos, falta constatar a realidade de que o país não conseguirá sustentar um crescimento econômico acentuado sem uma entrada controlada de imigrantes qualificados. Os processos que existem hoje são cansativos, custosos e, muitas vezes, humilhantes. Imigrantes muito bem qualificados passam por entrevistas em que são tratados como criminosos, mesmo depois de terem submetido centenas de documentos necessários ao processo. Enquanto o assunto for discutido com base em falácias e slogans publicitários, perderão imigrantes e americanos, ou seja, todos. Na verdade, quase todos. A classe política sempre arruma uma maneira de tirar vantagem dessas situações, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. É por isso que a frase de autor desconhecido, ora atribuída a Eça de Queiroz, ora a Benjamin Franklin, continua sendo atual: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo”.

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