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Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Aniele Nascimento/Gazeta do Povo| Foto:

Finalmente acabou o primeiro turno, e eu não poderia escrever sobre outro assunto nesta coluna de 9 de outubro de 2018. Não pretendo fazer um texto longo e único, já que há muita coisa para ser falada. Usarei, portanto, pequenos tópicos e subtítulos para organizar as ideias.

Legislativo

A maior e melhor surpresa deste primeiro turno foi a lista de eleitos para Congresso e Senado. Arrependo-me de não ter feito pipoca para acompanhar a apuração e as notícias, que vinham a cada minuto, sobre deputados e senadores que perderam o mandato e deixarão de mamar nas tetas formosas de Brasília por pelo menos quatro anos. Com muita alegria no coração, dei adeus a Roberto Requião, Chico Alencar, Cristovam Buarque, Miro Teixeira, Romero Jucá, Cássio Cunha Lima, Lindbergh Farias e Eduardo Suplicy; mais feliz ainda, mandei um “tchau querida” a Dilma Vana Rousseff. O povo brasileiro votou com raiva e mandou boa parte da escória política nacional para casa. Por outro lado, elegeram gente de qualidade e que pode trazer mudanças profundas no parlamento brasileiro. Quero destacar Paulo Eduardo Martins, que em minha visão deve ser o melhor parlamentar da nova legislatura; Kim Kataguiri, um garoto que fez história e cuja competência em fazer política foi corroborada com sua ampla votação; e os oito deputados eleitos pelo Partido Novo, atestando o sucesso de um projeto com apenas três anos de vida.

Em termos partidários, o Congresso ficou bem interessante. As duas maiores bancadas – PT e PSL – são diametralmente opostas no tocante à ideologia. Serão os dois astros de maior porte ao redor dos quais orbitarão os outros partidos. PSDB, PP e MDB saíram diminuídos, rebaixados de grandes para médios. Juntam-se a PSD, PR, PSB, PRB, PDT e DEM nessa turma com mais de 25 e menos de 40 deputados. Na grande bagunça partidária brasileira, 30 agremiações estão agora representadas na Câmara, um recorde. Com apenas 240 reeleitos e 273 novatos, a renovação ficou bem acima da média histórica – 53,2% em 2018 contra 49% da média –, contrariando a expectativa de Jair Bolsonaro que, em entrevista a este jornal em 13 de junho, afirmou que “Teremos com toda certeza a menor taxa de renovação nessas eleições por causa do fundão que apareceu aí”.

No Senado, a coisa foi ainda mais brutal – somente oito senadores dos 54 que foram eleitos em 2010 continuarão com mandatos. O PT foi o grande derrotado na Casa Alta do parlamento, perdendo sete cadeiras e caindo para a quinta posição, com seis senadores na bancada. O centrão também perdeu cadeiras, mas continua com a primeira e a terceira maiores bancadas: MDB com 12 e PSD com 7. O PSDB perdeu duas cadeiras e ficou com a segunda maior bancada – 9 senadores –, e o DEM empata com o PT, fechando os top 5. A faixa intermediária tem Podemos, PP, Rede, PDT e PSL, todos com 4 ou 5 cadeiras. A lista termina com outros 11 partidos com 3 senadores ou menos. A composição distinta da Câmara e privilegiando partidos mais tradicionais dá ao Senado de 2019 uma ótima capacidade de equilíbrio democrático. Será no mínimo interessante observar como serão as votações com toda essa gente nova chegando.

Estados  

Não comentarei os Legislativos estaduais por serem muitos e porque não tenho conhecimento regional suficiente para dizer algo que valha a pena ser lido. Quero apenas destacar a votação monumental de Janaína Paschoal para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Com mais de 2 milhões de votos, quebrou todos os recordes e obteve mais votos que 10 dos 13 governadores eleitos no primeiro turno, e mais votos que os presidenciáveis Daciolo, Meirelles, Marina, Alvaro, Boulos, Vera Lúcia, Eymael e João Goulart Filho. Quem disse que tirar a Dilma da Presidência não dá fama?

Sobre os governadores, foram 13 estados com a fatura já fechada. Destaque para Ratinho Júnior e Ronaldo Caiado, que venceram com 60% dos votos em seus estados. No Nordeste, o PT conseguiu manter a legenda viva com vitórias expressivas na Bahia (75% dos votos) e Ceará (80% dos votos), levando ainda o Piauí de primeira, com 56%. Os maranhenses parecem não conseguir se livrar dos demônios que povoam sua história: trocaram uma Sarney por alguém do PCdoB, o equivalente a sair do fogo para a frigideira. Triste destino.

Nos estados que terão segundo turno, destaque principal para Minas Gerais, onde o Novo emplacou Romeu Zema em primeiro lugar, com quase 43% dos votos válidos, e onde mais um petista foi defenestrado pela população, o infame Fernando Pimentel. Em São Paulo, João Dória chegou em primeiro e imediatamente em seguida já anunciou apoio a Jair Bolsonaro, antes que seu adversário o pudesse fazer. Com esse movimento, e em caso de vitória no segundo turno, Dória deve tomar o PSDB para si e aproximar o partido do centro.

Presidência

Como já era esperado, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad disputarão o segundo turno em menos de três semanas. Sendo esta a eleição mais importante da minha vida até hoje, gastarei algumas linhas a mais com minhas opiniões e percepções.

Em primeiro lugar, ao contrário do que muitos partidários de Bolsonaro andaram dizendo, vencer no primeiro turno não era provável, e certamente não estava próximo como espalharam nos dias que antecederam o pleito. Com 13 candidatos, o PT na disputa e Bolsonaro fazendo campanha de casa, o desfecho mais improvável era a resolução em primeiro turno. E aqui quero deixar minha primeira crítica ao rumo que a militância está tomando nas redes sociais desde ontem: em um sistema pluripartidário, em que o primeiro turno serve justamente para fazer o afunilamento para um bipartidarismo, não faz sentido tachar os eleitores de outros partidos de culpados por um resultado que já era altamente provável. Para evitar a volta do PT ao poder, a campanha bolsonarista precisa cortejar e atrair os que não votaram no candidato do PSL no primeiro turno. Destaco que essa última afirmação é o bê-á-bá da política, a lição número um, o básico do básico ululante. O candidato Jair Bolsonaro, como já disse em minhas contas de Twitter e Facebook, deveria soltar um apelo com jeito de bronca à sua militância mais selvagem, conclamando os que votaram 17 a conquistar o coração dos que votaram 45, 30, 15, 19, 51, 50, 27, 12, 54, 16 e 18. Até mesmo os que votaram 13 podem ser cortejados. Afinal, o que se ganha xingando quem já não votou no seu candidato? Uma antipatia ainda maior, certamente.

Em segundo lugar, quero abordar a questão das urnas e possíveis fraudes. Bolsonaro, já no começo de sua fala pós-primeiro turno, focou no assunto das possíveis fraudes eleitorais e urnas defeituosas. Seus cabos eleitorais mais proeminentes na internet começaram a espalhar que só haverá segundo turno porque houve fraudes massivas em todo o país. Considero esse discurso idiota e ineficaz. Por menos que eu goste das urnas eletrônicas, e eu realmente não gosto delas, não se pode negar o fato de que são equipamentos sujeitos a falhas, algumas delas já com várias eleições nas costas. Equipamentos, especialmente computadores, podem não conseguir ler um arquivo, não conseguir gravar uma informação, travar, funcionar de modo estranho etc. Qualquer pessoa com um computador em casa sabe do que estou falando. Portanto, boa parte dos vídeos postados nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais, mostrando urnas falhando aqui e ali, não é necessariamente evidência de fraude, mas sim de uma porcentagem pequena de urnas que falham devido à sua própria natureza. Destaco ainda que, caso o excelente projeto de lei que exigia a presença de voto impresso nas urnas eletrônicas tivesse sido mantido, esses tipos de falhas ainda aconteceriam.

Por fim, em um universo de 530 mil urnas, seria praticamente impossível imaginar uma estratégia de fraude que envolvesse a manipulação em urnas específicas de modo a favorecer ou desfavorecer um candidato. O trabalho e a logística desse tipo de manipulação exigiria uma teoria conspiratória envolvendo gente demais para manter um segredo. Por isso é que eu não tenho dúvidas em afirmar que a maior vulnerabilidade de nosso sistema atual é na totalização dos dados, etapa feita sem a transparência necessária e sem a possibilidade de recontagem. É nesse ponto que a impressão dos votos é tão importante. No entanto, dentro do que é possível analisar da apuração do primeiro turno, não me parece que tenha havido uma modificação de dados fora do normal desse tipo de conjunto de informações. Como não sou um computador, aguardarei a divulgação do trabalho de consistência de dados que Hugo César Hoeschl está fazendo, e cujos resultados promete divulgar no dia 10 de outubro, para poder opinar com mais qualidade.

Finalizando, não creio que Haddad tenha muita chance de vencer Bolsonaro no segundo turno. Partir de 46% dos votos é algo realmente notável, e todo o eleitorado de Bolsonaro deve comemorar esse desempenho. No entanto, faz-se necessário que o núcleo de campanha paute o discurso da militância para as próximas semanas, adotando um tom mais agregador e menos belicista. Eleitores de Amoêdo, Alckmin e Meirelles não são “traidores da pátria que pensaram somente em si e não no país”. São apenas eleitores que entenderam que o primeiro turno é aquela etapa em que você é livre para escolher quem realmente gostaria que ganhasse, e o segundo turno é a etapa em que muita gente vota somente para que o outro lado não ganhe. Se insistirem na intimidação, no “bullying político”, nos xingamentos e na soberba, poderão colher uma safra enorme de brancos e nulos. Enquanto isso, Haddad vai afagar todo mundo que votou um pouquinho para lá do centro, prometendo amor incondicional e um futuro dos sonhos. Tenho dito isso há semanas, e sempre recebo a mesma resposta dos bolsonaristas mais raivosos: “se a pessoa prefere deixar o PT ganhar porque ficou magoada com algo que eu disse, tem de se ferrar mesmo”. Não, meu caro, não é assim que funciona a política. Isso que você está descrevendo chama-se comportamento de jardim da infância. No mundo dos adultos, principalmente dos minimamente inteligentes, a gente trata bem o nosso “cliente”, mesmo quando ele experimenta comprar na loja vizinha. É a única maneira de trazê-lo de volta.

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