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Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo| Foto:

Menino Neymar – é assim que minha sogra chama o marmanjo que ganha, em um dia, literalmente, mais do que ela conseguiu acumular em quase 50 anos de trabalho –, um menino de 26 anos que representa com exatidão o estereótipo de sua geração.

Meu avô paterno já tinha três filhos com 26 anos, e trabalhava duro como policial rodoviário para sustentar o trio, fora a minha tia que já vinha na barriga da vó Maria. Meu outro avô era mais raiz ainda, e fez nada menos que 13 filhos com minha avozinha, todos criados com o dinheiro suado de um pedreiro do interior de São Paulo. Meu pai nunca conseguiu terminar a faculdade nem fazer carreira na Força Aérea – seus dois maiores sonhos não realizados – porque, com 26 anos, saía às 5 da manhã de casa e voltava só às 23 horas para alimentar este que vos escreve, que sempre comeu como um pequeno boi. Eu não tinha filhos aos 26, mas já estava casado e enfrentando as dificuldades que você, leitor que não tem dinheiro sobrando e nem quem o sustente, conhece bem. Lembro-me claramente de quando fiquei sem emprego por causa de uma das muitas crises econômicas do Brasil, e descobri que uma empresa de ônibus de Piracicaba estava contratando temporários para bater de casa em casa e fazer uma pesquisa sobre itinerários. Enfiei o diploma de engenharia na gaveta e corri para conseguir uma das vagas. Deram o bairro mais feio da cidade para eu fazer. Ainda bem que as pessoas eram simpáticas, e de vez em quando ofereciam até mesmo um suco de caju para aplacar o calor do verão piracicabano. Nesses dias, em que a gente faz o que é preciso para sobreviver, acordar e tentar achar uma motivação que não seja a sobrevivência independente em si é pura e simples perda de tempo e de recursos. Quem reclama não faz. Quem não faz não come.

“Difícil encontrar forças para voltar a jogar futebol (…) interromperam nosso sonho mas não tiraram da nossa cabeça e nem dos nossos corações.”

A frase de Neymar, postada em sua conta de Instagram após a eliminação do Brasil para a Bélgica, é bem típica dos Millennials, essa turminha que nasceu entre 1980 e 2000, também chamados de “Geração Y”. O primeiro trecho que copiei dá testemunho de quanto essa geração consegue sofrer e derreter por coisas mínimas – tanto é assim que são conhecidos como “flocos de neve”. É um comportamento extremamente comum e nocivo, que originou alguns dos conceitos mais bizarros de nossa época, tais como as “microagressões”, os “locais seguros” e os “avisos de gatilho”. O segundo mostra o quanto gostam de jogar a culpa em qualquer outra pessoa ou circunstância.

Mas, afinal, o que são esses termos bizarros que não existiam até pouco tempo atrás?

Microagressão, de acordo com os psicólogos e psiquiatras que inventaram esse troço, é um insulto sutil que uma pessoa dirige, geralmente sem intenção, a um grupo minoritário, reforçando estereótipos sobre esse grupo, posicionando a cultura do “agressor” como normal e a cultura do “agredido” como patológica. Em outras palavras, microagressão é um nome chique para frescura. Frases comuns em minha época de colégio e faculdade, como “tem de matar um japa pra conseguir vaga em Engenharia”, “empresta uma caneta, negão”, “se roubar o lanche do gordinho ele vira o Chuck Norris” e “se precisar de uma lupa, pega ali com o fundo de garrafa”, hoje são combatidas veementemente para que a integridade emocional dos floquinhos de neve seja preservada. Eu, que era gordo e sempre usei óculos muito grossos (tenho 16 graus de miopia em cada olho), ouvia essas pérolas com frequência, e sobrevivi. Noventa por cento de meus amigos também foram “microagredidos” e sobreviveram. Mas o meu exemplo não é nem de perto o mais adequado. Uma geração inteira de meninos lutou na mais sangrenta das guerras e, graças a eles, sobrevivemos. É realmente deprimente que eles tenham enfrentado mega-agressões – fome, dor, frio, lacerações, amputações e morte – para que um dia alguém tivesse a liberdade de formular uma ideia tão idiota quanto essa das microagressões. Deprimente.

Local seguro é um ambiente criado para reunir indivíduos que se sentem marginalizados, possibilitando que eles compartilhem de suas “terríveis” experiências – microagressões, em sua maioria – e promovendo a segurança emocional para os participantes. O conceito é muito comum em universidades americanas, onde os professores pregam a não tolerância a “discursos de ódio” e protegem seus alunos dos malvadões da direita, que insistem em falar de liberdade individual, direito à defesa, liberdade de expressão (sinônimo de discurso de ódio, no linguajar da esquerda) etc. Em outras palavras, local seguro é uma creche para adultos bocós.

Aviso de gatilho é um aviso dado a alguém que vai ler, ver ou ouvir algum conteúdo, prevenindo essa pessoa sobre o teor ofensivo ou violento que ela está prestes a acessar, e que pode desencadear fortes emoções latentes, que por sua vez podem derreter qualquer floquinho de neve num raio de 100 quilômetros. É o equivalente de você não deixar seu bebê de 2 aninhos ver um filme de terror, mas com adultos marmanjões.

Voltemos ao menino Ney. Como bem disse André Pugliesi, aqui mesmo nesta Gazeta do Povo, o “menino” é dono de um salário de R$ 14 milhões mensais, mora em Paris e carrega um grupo de camaradas para todo canto em jatinho particular. É esse menino que não consegue mais achar forças para jogar futebol. É esse menino que não é capaz de sentar na frente de um grupo de jornalistas e dar uma coletiva. É esse menino que não teve liderança dentro de campo. E por que esse menino não consegue fazer nada disso? Justamente por ser menino, sempre menino, eterno menino. Menino agora, com 26 anos; provavelmente, será menino com 36, 46, 56.

Costumo brincar que, caso passássemos por uma guerra mundial, essa turma das microagressões e dos locais seguros morreria desidratada de tanto chorar. Não seria necessário um único tiro para tirar-lhes a vida. A história é cíclica, e há fortes indícios de que a geração seguinte, os que nasceram depois da virada do milênio, cresce para ser uma esperança de sanidade e de força. Eles chegarão às Copas e às Olimpíadas já na próxima década. Quem sabe, então, possamos pensar novamente no hexa, em mais medalhas de ouro, em homens e mulheres fortes para reformar o Brasil. Até lá, teremos de aguentar choro e teatro, teatro e choro. E um pouco mais de choro.

PS: este texto não contém um aviso de gatilho pois o autor pretendia desencadear todo e qualquer tipo de emoções latentes nos leitores.

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