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Foto: United States Library of Congress
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Um dos assuntos que nunca sai da pauta da imprensa é a imigração. Na Europa, a questão tem suscitado debates acalorados por causa das grandes mudanças culturais que alguns países têm sofrido. Alemanha, França e Suécia são exemplos de nações que têm passado por isso, muitas vezes com impactos profundos no estilo de vida de suas populações, especialmente em áreas com grande concentração de alguns grupos específicos de imigrantes. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump traz consigo propostas sobre o tema desde o primeiro dia de campanha, a mais famosa delas sendo a construção de um muro na fronteira sul do país, divisa com o México.

Mas, na mais completa honestidade, o que é ser imigrante? Se você está lendo esta coluna aí no Brasil, é bem provável que não seja e nunca tenha sido imigrante. Eu, como imigrante que sou, gostaria de passar a minha perspectiva sobre o assunto, ainda mais depois de ter visto a entrevista de Bolsonaro para a Fox News, onde o presidente fez algumas declarações sobre o assunto.

Em primeiro lugar, deve-se ter bem claro que pouquíssimos imigrantes o fazem com o intuito de destruir ou mesmo transformar o local para onde vão. Um processo de imigração começa com um desejo de se mudar, que costuma surgir com o objetivo principal de melhorar a vida própria e/ou da família nuclear. Surge então um plano, que abrange o país de destino, o tipo de visto ou categoria de imigração, as oportunidades de trabalho que darão sustento à nova vida no exterior, onde as crianças estudarão, quais bens serão deixados e quais serão vendidos no país de origem, quanto tempo se passará no novo país antes de se considerar um retorno etc. É tanta coisa para se pensar e tantos documentos e etapas entre a primeira ideia e o dia da viagem que somente terroristas e psicopatas se dariam ao trabalho de passar por tamanha mudança de vida com objetivos torpes e criminosos (e eles o fazem!).

Uma vez em solo estrangeiro, a coisa fica muito mais difícil. Imigrar é como passar em vestibular de faculdade difícil: você só percebe a enrascada em que se meteu depois que chega lá. A adaptação de cada membro da família ocorre em um ritmo diferente, a vida sem amigos e parentes é totalmente distinta daquela levada no país de origem, e os costumes e coisas básicas do dia a dia podem se transformar em fontes de estresse constante. Adicione-se à lista a falta de domínio do idioma estrangeiro, o medo de ficar doente em um lugar onde a conta do hospital pode facilmente chegar a US$ 1 milhão (este ponto é específico para os EUA) e a saudade absurda que dá dos amigos e familiares mais chegados, e tem-se a receita para tempos de luta. A maioria dos meus amigos brasileiros não tem um parente sequer num raio de 8 mil quilômetros, ou seja, nada de vovó ou titia para olhar as crianças quando surge um compromisso, nada de macarronada em família no domingo, nada de dar aquele pulo na casa dos amigos de infância ou da época da faculdade. A vida no exterior é com a família nuclear e com pouquíssimos novos amigos.

Alguns argumentarão que a experiência é mais fácil para aqueles que tinham uma situação social pior no país de origem. Nada mais falso. Depois de um certo tempo, a única coisa que une o imigrante à sua terra natal são os relacionamentos, jamais as coisas. Na terra nova, pode-se conquistar tudo: boa casa, bom carro, roupas legais, segurança, respeito como pessoa, entre outras coisas. O que sempre falta são as pessoas. E, no meu caso, o pão francês, porque até pizza igual à de São Paulo já achamos aqui em Orlando.

Com tudo isso em mente, ao ver Bolsonaro sendo entrevistado na Fox News e dizendo que a vasta maioria dos imigrantes potenciais não tem as melhores intenções quanto aos Estados Unidos, decidi escrever este texto. Eu o escrevi pensando em mim e em minha esposa, lembrando dos cinco anos de muita dificuldade que passamos e nos empregos que hoje geramos com nossas empresas. Pensei no José, mexicano, proprietário da empresa que cuida com maestria de nosso gramado. Pensei no doutor Mauricio, dentista colombiano que fez carreira aqui e que carrega consigo valores tão nobres quanto os dos pais fundadores da nação. Pensei no venezuelano Juan Corona, que não vê esposa e filhos há quase dois anos, aguardando que o processo de asilo político seja finalizado para mandar buscá-los. Pensei no Christopher, italiano já naturalizado americano, melhor instalador de papel de parece da região e entusiasta do futebol brasileiro. Pensei no Arnold, meu vizinho da Guiana Francesa, empresário bem-sucedido no ramo de construção civil, imigrante já de mais de uma década. Enfim, pensei em um monte de gente do bem que conheço, gente respeitadora da lei, cujo maior sonho é um dia obter cidadania americana, que é justamente a finalização bem sucedida de um processo de imigração.

Como nação mais rica do planeta e maior destino imigratório do mundo, os Estados Unidos precisam cuidar muito bem de suas fronteiras. Não tenho a menor dúvida disso, e meu apoio à construção de um muro na fronteira sul vem dessa convicção. Entretanto, jamais se pode confundir o crime de cruzar uma fronteira sorrateiramente com o projeto de vida que é imigrar legalmente. São duas coisas absolutamente distintas, com apenas um fato em comum: as pessoas vão parar em outro país em ambos os casos. As semelhanças terminam aí. Por conseguinte, esse tipo de generalização feita por Jair Bolsonaro não somente falta com a verdade, mas também denigre a imagem de um grupo de pessoas que, em sua grande maioria, deveriam ser classificadas como corajosas, e não como mal intencionadas. Falar em fronteiras abertas é uma grande bobagem e um perigo ao futuro de qualquer nação, mas denegrir a imigração como um todo é algo tão idiota quanto.

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