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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil| Foto:

A data: 24 de setembro de 2018. O meio de comunicação: mensagens via WhatsApp. A interlocutora: uma amiga muito estimada e conhecida por sua desconfiança generalizada quanto a políticos, especialmente os brasileiros.

Comecei a conversa com uma cutucada: “Tudo bem aí? Vi que você bolsou forte, hein?” A resposta foi bem dentro do que eu esperava: “Bote uma coisa na sua cabeça: não existe alternativa”. Minha réplica: “Sim, mas não me conformo com essa lambeção que fazem com ele, como se fosse um messias enviado por Deus”. E ela, para finalizar: “Acho que nem todo mundo que está defendendo o Bolsonaro agora irá defendê-lo depois. Eu tenho um grupo de amigos cujas postagens no Facebook são super-Bolsonaro. Mas já avisaram que no dia seguinte à eleição tudo volta ao normal. Aí vai todo mundo bater e pedir aquilo que tem de ser feito”.

Quase três meses depois, quando veio à tona o caso de Fabrício Queiroz, não houve nem sinal da minha amiga ou de gente do grupo a que ela se referiu “batendo” ou “pedindo o que tem de ser feito”. O que houve foi uma enxurrada de justificativas injustificáveis: “Quem está sendo investigado é o ex-assessor, não o presidente eleito. Ele não tem nada a ver com isso” ; “Onde estava o Coaf e a imprensa quando o PT roubou bilhões?”; “Movimentação de R$ 1,2 milhão? Basta a pessoa transferir o dinheiro da conta corrente para a poupança, depois retornar para a conta corrente e depois pagar contas para que a movimentação seja múltiplas vezes superior ao dinheiro que efetivamente passou pelas mãos dela”; “Ficam achando pelo em ovo por causa de algumas centenas de milhares de reais enquanto o filho do Lula ganhou milhões de um dia para o outro”; “Não tem nada de mais nas contas do sujeito. Tem depósitos de família, de amigos, nada que não seja justificável”.

Eu, que nunca fui um entusiasta da candidatura de Bolsonaro, que não tenho cargo no governo novo e que nunca recebi um centavo sequer de partido ou organização política, me sinto livre para criticar e fazer os questionamentos que acredito serem necessários ao bom andamento do governo que começa em menos de três semanas. E, munido deste espaço, o farei neste artigo.

Bolsonaro fez campanha assumindo uma posição de outsider, do sujeito que nunca se vendeu, nunca se corrompeu e nunca participou de esquemas dos quais a grande maioria dos políticos participa. Eu sempre rebati essa argumentação citando o fato de que alguém que tenha exercido mandatos políticos pelos últimos 30 anos não pode ser chamado de outsider, e sempre recebi como resposta que “ele é diferente, não é corrupto”. Sem deixar de lado as proporções – jamais cairei na conversa de parte da esquerda, que iguala a pessoa que fura fila ao corrupto que rouba milhões –, é fato que a honestidade não pode ser relativizada. Por exemplo: se tomarmos como base um grupo de pessoas em que 90% pratiquem atos desonestos em diferentes níveis monetários, somente os outros 10% podem ser chamados de cumpridores da lei. Mesmo que o maior corrupto do grupo tenha roubado 1 milhão e o menor tenha roubado 10 mil, ambos são corruptos e parte dos 90%. Em minha opinião, o próprio fato de os Bolsonaro terem mantido três pessoas da mesma família em cargos de assessoria é indicativo das práticas da “velha política”. Quando se junta a isso a movimentação milionária na conta de um sujeito que mora numa casa típica de alguém cuja conta bancária não costuma movimentar nem uma dezena de milhares de reais, um monte de saques feitos sempre após o pagamento do salário de assessor e o fato de que é prática comum entre os parlamentares brasileiros, desde vereadores até senadores, exigir de volta uma parte do salário de seus indicados para cargos de confiança, a teoria mais plausível para este caso fica bem óbvia.

Ainda em relação à relativização da honestidade, recorro à sabedoria popular: onde passa um boi, passa uma boiada; ou, às palavras de Jesus: “Foste fiel no pouco, sobre muito te colocarei” – do servo que não foi fiel no pouco, até o pouco lhe foi tirado, deixando claro o ensinamento desta parábola, de que Deus prova nossa fidelidade nas coisas pequenas antes de nos conceder coisas grandes. Em outras palavras, como poderemos confiar que o novo presidente terá conduta ilibada no “muito” se for confirmado que no “pouco” ele agiu da mesma maneira que todos os outros políticos que já decepcionaram esta nação? Por acaso os políticos do PT já começaram a desviar bilhões de reais no primeiro mês de mandato? Essas são perguntas com respostas óbvias, mas que acertam em cheio o coração dos defensores apaixonados de Jair Bolsonaro. Tivesse ele sido eleito apesar de seus defeitos, a situação seria outra. No entanto, do alto da posição de messias restaurador da ordem, de ungido de Deus, de resgatador da moral e dos bons costumes, seu telhado de vidro aumenta consideravelmente de área, e fica muito mais suscetível às pedradas que mal começaram a acontecer.

O viés esquerdista da grande imprensa torna inevitável uma realidade amarga ao próximo governo: haverá muito mais investigações, muito mais jornalistas procurando por deslizes presentes e passados do presidente, muito mais gente atenta à sua conduta. Isso é errado? Absolutamente não. Errado é a imprensa não ter usado o mesmo nível de escrutínio quando dos governos anteriores; errado é utilizar notícias manipuladas e criar manchetes enganadoras somente para prejudicar Jair e seus filhos. No entanto, qualquer notícia que seja verdadeira e que ocupe as páginas dos jornais e portais de notícias pode e deve ser classificada como aquilo que se espera de uma imprensa livre. Só existe uma resposta à seletividade da grande imprensa: honestidade a toda prova. Qualquer ato dúbio, feito nas sombras ou nas entrelinhas da lei, será certamente desenterrado nos próximos quatro anos. Não é possível exigir um nível menor de escrutínio somente porque a investigação está focando “o nosso lado”. Isso é o que os petistas fizeram durante mais de uma década.

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