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Foto: Isac Nobrega/Presidência da República
Foto: Isac Nobrega/Presidência da República| Foto:

É oficial: o governo Bolsonaro é mais amador, na arte da política, que o mais otimista dos opositores imaginava. O episódio da exoneração de Gustavo Bebianno foi extremamente didático tanto para mostrar essa deficiência como para confirmar o fenômeno de sequestro mental dos apoiadores mais fanáticos do presidente.

Ninguém nega que a internet teve, pela primeira vez em nossa história, um papel fundamental na eleição de um presidente da República. O bunker digital de Bolsonaro, que iniciou suas atividades pouco após a reeleição de Dilma Rousseff, cumpriu com maestria seu papel durante a campanha. Qualquer candidato que queira se aproveitar de futuros movimentos de massa que venham a surgir no cenário brasileiro – como foi o sentimento anti-PT e anti-establishment que deu massa crítica à campanha bolsonarista – tem como obrigação estudar minuciosamente es eleições de 2018. No entanto, em política vale a máxima do “treino é treino, jogo é jogo”. As estratégias de guerrilha digital, implementadas principalmente através de uma rede de influenciadores de mídias sociais, embora perfeitas para o ambiente de combate presente em campanhas eleitorais, são inadequadas para o ambiente de governo.

A novela da demissão de Bebianno deixou bem claro o papel preponderante de Carlos Bolsonaro no governo. Jair, como presidente, tem deixado o filho agir como na época da campanha, disparando ataques via Twitter a qualquer pessoa que entenda ser de alguma forma opositora ou traidora do governo. Fosse um endosso tácito, já seria ruim; mas o presidente vai além e replica os tuítes acusatórios de seu pimpolho, conferindo-lhes legitimidade oficial. Como tudo o que está ruim pode piorar, desta vez o resultado das tuitadas de Carlos não ficou apenas no mundo digital: em vez disso, levou à demissão de um ministro de Estado de maneira totalmente avessa às regras da boa política e aos protocolos da Presidência da República. Presidentes demitem ministros desde que existe Presidência, mas o processo geralmente é conduzido com o máximo possível de sobriedade e discrição, para evitar desgastes políticos desnecessários. Demissões bem feitas dispensam vídeos com falsos elogios e trocas de vazamento de áudios de WhatsApp.

Ficou claro também que uma parcela barulhenta e integrante da tropa de guerrilha virtual do bolsonarismo está mentalmente cativa e completamente entregue à subserviência cega ao seu mito. Um bom exemplo foi a narrativa de que Carlos agiu heroicamente para salvar seu pai de um impeachment. De acordo com essa explicação, a ação rápida de Carlos – que divulgou áudios de Bolsonaro através de sua conta no Twitter – impediu que Bebianno trouxesse Jair para dentro do escândalo das candidaturas femininas laranjas, evitando assim que diversos pedidos de impeachment fossem protocolados e salvando o Brasil mais uma vez. A hipótese é absurda e improvável, mas transformou-se na tábua de salvação lógica do bolsonarismo radical, que precisa sempre de um certo nível de teoria conspiratória para justificar apoio incondicional ao presidente e aos seus filhos. O militante dessa turma elegeu um presidente quase perfeito, moralmente retíssimo, enviado por Deus para salvar o Brasil, e precisa que esse mito continue a existir para manter sua sanidade mental. Daí os contorcionismos lógicos e as teorias conspiratórias aplicados a qualquer fato que mostre alguma fraqueza do presidente.

As sequelas políticas da demissão atrapalhada de Gustavo Bebianno ainda não são claras, mas é certo que existirão. Ingerência familiar costuma ser pouco tolerada em ambientes profissionais, que dirá na condução de um país. O tom agressivo de Carlos Bolsonaro baixou bastante nos últimos dias, passando a sensação de que não são seus dedos que têm digitado os tuítes e postagens. Além disso, os ministros militares passaram a ocupar uma fatia ainda maior do governo. É nas mãos deles, de Paulo Guedes e de Sergio Moro que se encontram nossas esperanças de que o governo tenha sucesso e o Brasil saia dessa lama fétida em que se encontra há tanto tempo. A alternativa é terrível: o fracasso de Bolsonaro pode significar a volta da esquerda radical ao poder. Que o presidente seja presidente em Brasília e pai no Rio de Janeiro, que a demissão de Bebianno marque o fim da ingerência familiar no governo federal, que lições sejam aprendidas e que as reformas realmente necessárias sejam negociadas e aprovadas. É só isso que a grande maioria dos brasileiros deseja.

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