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Rumo ao abate!
| Foto: Pixabay

Há pouco mais de dois anos, Donald Trump anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. A maior parte da mídia brasileira criticou o presidente americano e pintou cenários catastróficos para o planeta Terra em decorrência dessa decisão. Somente os jornalistas e influenciadores mais à direita no espectro político (eu incluso) comemoraram o fato, dado que o acordo tem baixíssimo impacto real no controle de agressões ambientais; ele é, basicamente, um arcabouço burocrático supranacional a serviço de uma agenda comprovadamente furada. O atual assessor internacional do presidente da República, Filipe G. Martins, estava entre os que louvaram a decisão de Trump. Em artigo onde lista os maiores feitos do presidente americano em seus primeiros seis meses de governo, Martins diz que Trump "retirou os EUA do Acordo de Paris, evitando que a economia fosse afetada por uma carga extra de regulações ineficazes”.

Mais de um ano depois, Martins trabalhava ativamente na campanha de Jair Bolsonaro à presidência. No início do mês de setembro, o então candidato disse em público que, se eleito, poderia tirar o Brasil do Acordo de Paris, pois as premissas previstas afetavam a soberania nacional. Passadas algumas semanas, com a eleição já decidida, Bolsonaro reiterou a posição contrária ao acordo. Disse ele, em 28 de novembro de 2018: "Ao nosso futuro ministro [Ernesto Araújo], eu recomendei que se evitasse a realização desse evento [Conferência do Clima] aqui no Brasil. Até porque eu peço que vocês nos ajudem, está em jogo o 'triplo A' nesse acordo.” Um dia depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, deu a entender que a possibilidade de que seu governo apoiasse o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul dependia da posição do presidente brasileiro sobre o acordo. Suas palavras foram "Não podemos pedir aos agricultores e trabalhadores franceses que mudem seus hábitos de produção para liderar a transição ecológica e assinar acordos comerciais com países que não fazem o mesmo. Queremos acordos equilibrados.” Em resposta, Filipe Martins tuitou "Uma modestíssima sugestão ao Presidente Emmanuel Macron. Antes de defender o Acordo de Paris, que tal defender primeiro Paris? Faça um acordo com o seu próprio povo antes de criticar as decisões do governo brasileiro e interferir desrespeitosamente em nossas questões domésticas.”

Como se pode ver, não faltam provas de que Martins desaprovava o Acordo de Paris, nem que defendia que o Brasil saísse dele o quanto antes. Ou não?

A data agora é 28 de junho de 2019. O mesmo Filipe Martins, agora assessor da presidência, tuitou "Histórico! Graças ao grande empenho do Presidente Jair Bolsonaro, nossos negociadores acabam de fechar o Acordo Mercosul-UE, o maior acordo comercial entre blocos econômicos de todos os tempos, cobrindo 1/4 da economia mundial e um mercado de 750 milhões de pessoas. Grande dia!” Nenhuma menção, no tuíte, a uma das condições para que o acordo seja realmente posto em prática: que os países do Mercosul continuem signatários do Acordo de Paris.

Qual a “moral" dessa história? Simples: o bolsonarismo não tem nada de inovador em termos de propaganda política populista. Os fins continuam justificando os meios no Brasil sob Bolsonaro. Os princípios não passam de bandeiras temporárias para captar a admiração e submissão do povo. A adoração ao político da vez continua bovina e a esperança do povo brasileiro continua sendo depositada em um falso herói. Quase tudo que a “direita" criticava na esquerda se tornou prática comum de grande parte dos críticos, especialmente da parte que se beneficiou com poder ou dinheiro. E o governo, movido a toneladas de adoração popular, usa e abusa do ufanismo e da manipulação emocional para realimentar o processo. O próprio Martins, dois dias atrás, tuitou “O povo brasileiro é grandioso” em razão de mais uma manifestação popular, desta vez em apoio ao ministro Sérgio Moro. Na sequência de tuítes não falta a simbologia ufanista: “a mensagem da nossa brava gente brasileira”, “patriotismo significa amor de um povo pelo que ele é”, “é o que nossa gente está construindo nas ruas”. Cada tuíte com milhares e milhares de likes e outros milhares de compartilhamentos. E ai de quem fizer um comentário em tom de crítica! A única posição aceitável é de joelhos ao presidente enviado por Deus para salvar nossa pátria. Os que ousam se levantar são tachados de isentões, covardes e traidores. Não há espaço para o contraditório na manada. A ordem é pastar em silêncio. Se for preciso falar, que seja para exaltar o mito. Rumo ao abate!

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