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Bolsonato tem 28 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados
| Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A saída de Sergio Moro do governo marca o ponto exato onde saltarão os últimos bolsonaristas com alguma percepção da verdade. O trem do governo já voltou a se movimentar, seguindo viagem para um precipício mais à frente. Quem não desceu na estação Moro-Valeixo não desce mais.

Vou tentar resumir o que penso de tudo isso.

Na semana passada, Moro fez um pronunciamento – seria coletiva se tivesse aberto para perguntas – bastante sóbrio e muito bem planejado. Suas ideias foram se concatenando ao longo dos 37 minutos em que falou, começando por um resumo de suas realizações e seguindo para acusações graves contra Jair Bolsonaro. Eu não morro de amores por Sergio Moro, pois entendo que sua atuação na Lava Jato levou a diversas ocorrências de abuso de poder por parte tanto da Polícia Federal como do Ministério Público. Entendo também que a prisão de inúmeros corruptos tenha jogado esses exageros para debaixo do tapete, e que o brasileiro inconformado com a injustiça tenha elevado Moro à categoria de herói nacional. E, justamente por isso, aqueles bolsonaristas que são antes de tudo moristas e/ou lavajatistas resolveram pular do trem. E não foram poucos. Quanto às acusações contra o presidente, não acredito que alguém com a experiência de Moro as fizesse sem ter provas. Até onde me lembro, não há registro do ex-juiz – e agora ex-ministro – ter se envolvido com mentiras ou calúnias em sua longa carreira.

Bolsonaro, quase que imediatamente depois, anunciou que “restabeleceria a verdade” sobre Moro em um pronunciamento marcado para as 17 horas daquele mesmo dia. O que vimos, em vez disso, foi uma grande salada improvisada de assuntos desconexos e nenhuma resposta convincente às acusações contra si. O presidente estava visivelmente nervoso e falou sobre coisas completamente sem nexo, como quando disse que havia desligado o aquecimento da piscina do Alvorada para economizar energia (sendo que o aquecimento é solar), ou nas diversas vezes em que abusou do sentimentalismo barato – “ele praticamente me ignorou”, “eu sempre abri o coração para ele”, “será que pedir à Polícia Federal, quase implorar” – para se fazer de vítima, ou ainda quando falou de seus familiares e usou a palavra “escrotizar”.

Quem não desceu na estação Moro-Valeixo não desce mais

É claro que a fala sem pé nem cabeça de Bolsonaro foi classificada pelas mídia chapa-branca como uma resposta à altura, um pronunciamento de um estadista, quando na verdade ela se resumiu a: a) bobagens em geral; b) admissão de que desejava contato direto com o diretor da PF para se informar, sendo que a PF é polícia do Estado e não do governo e; c) tentativa de acusar Moro de algo que o próprio presidente havia dito em diversas entrevistas, que indicaria o ex-ministro ao STF na primeira oportunidade que surgisse.

Nos dias que se seguiram, enquanto o trem bolsonarista estava parado, moristas e lavajatistas abandonaram seus vagões. Bolsonaristas menos radicais também aproveitaram a última oportunidade de sair sem se machucar tanto. Mas, tão logo as narrativas ficaram prontas, o trem voltou a se mover, deixando para trás um rastro de fumaça negra e pestilenta, composta de assassinatos de reputação, atuação frenética de robôs para subir tópicos no Twitter, justificativas para os crimes supostamente cometidos por Bolsonaro, ameaças, xingamentos e outras baixezas de que somente bolsonaristas e petistas são capazes. O presidente rapidamente soltou dois nomes para os cargos que haviam vagado, ambos de amigos da família Bolsonaro. Detalhe: como grande mentiroso que é, Bolsonaro tratou de apresentar Jorge Oliveira como possível indicado para o lugar de Moro somente com o intuito de enganar e causar confusão, tamanho era o absurdo da indicação de um sujeito sem capacidade técnica nem sequer para atuar como advogado júnior. O objetivo era fazer com que Alexandre Ramagem, que apesar de ser amigo da família tem currículo compatível com o cargo de diretor da PF, fosse de certa forma visto como uma opção não tão ruim quando comparado a Oliveira.

Lançadas a mentira e a dissimulação e estabelecida a confusão geral por conta delas, Bolsonaro tratou de agir na calada da noite, nomeando Ramagem no lugar de Valeixo e o “terrivelmente evangélico” André Mendonça para o lugar de Moro. Obviamente, a indicação preciosa (mas temporariamente suspensa por um ministro do STF) para os quatro Bolsonaros é a de Ramagem, pois a Polícia Federal é a fonte dos piores pesadelos da família. Ter o seu diretor nas mãos é tudo o que Bolsonaro queria, tanto que tentou essa exata troca diversas vezes, esbarrando nas negativas de Moro, quando este ainda tinha prestígio no governo.

Não bastasse tudo isso, Bolsonaro fez farta distribuição de cargos ao Centrão fisiológico do Legislativo, numa troca óbvia por votos contra eventual processo de impeachment. O não tão antigo mote dos bolsonaristas de que “negociação é sinônimo de falcatrua” não resistiu nem a um ano e meio de governo. E o grande mentiroso que governa o Brasil – aquele que disse que tinha provas de que a eleição fora fraudada e nunca mais falou disso, nem mostrou as tais provas – está trabalhando arduamente para continuar causando confusão e indignação a fim de seguir governando com o apoio dos mesmos trastes que vêm sugando o Brasil há décadas. Não é surpresa nenhuma quando se considera a carreira de Bolsonaro: três décadas de atuação quase nula, nenhum centavo de riqueza gerado, três filhos que nunca trabalharam na iniciativa privada e que mamam nas tetas estatais desde muito cedo, pencas de amigos e parentes espalhados em cargos de confiança nesse tempo todo, múltiplas ocorrências de graves conflitos de interesse e total incapacidade de separar a vida pública da privada.

Como desgraça pouca é bobagem, o país vem quebrando recorde atrás de recorde no tocante às mortes pela Covid-19. A última contagem diária foi de 474 óbitos, o total já passou de 5 mil e há grande probabilidade de que a subnotificação e a escassez de testes estejam mantendo os números bem abaixo da realidade. O presidente, que desde o começo da pandemia não foi capaz de pronunciar uma única frase de condolências para as famílias das vítimas, desfiou sua elegância costumaz durante a mais recente entrevista do cercadinho. Ao ser perguntado sobre os números mais recentes, respondeu “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres”, seguido, é claro, de risadinhas dos capachos que o orbitam.

O petismo/lulismo não comprometeu a esquerda no Brasil, enquanto o bolsonarismo está enterrando bem fundo quaisquer chances de promoção do conservadorismo em nosso país

Enfim, o Brasil passa por um péssimo momento. Eu critiquei o PT e seus governos desde o primeiro dia de Lula até o último de Dilma, e não achava que sentiria a mesma indignação tão cedo. Mas o bolsonarismo em si, a imprensa chapa-branca, o aparelhamento da máquina pública, a incompetência do presidente, o desprezo às instituições, a maledicência, a soberba e muitos outros defeitos deste governo são um reflexo perfeito do que era o petismo. Até a cafonice é igual. A diferença é que o petismo/lulismo não comprometeu a esquerda no Brasil – continuam firmes em sua ânsia de agigantar o Estado e promover pautas terríveis –, enquanto o bolsonarismo está enterrando bem fundo quaisquer chances de promoção do conservadorismo em nosso país.

Para o bem do Brasil, espero que muita gente tenha desembarcado na última estação. Talvez um bom número de pessoas tenha saído meio na surdina, sem falar para ninguém. Sabemos que o trem ainda segue ocupado, e que os passageiros que sobraram vão fazer barulho para tentar passar a impressão de que os vagões estão lotados. Sabemos também que vai ter gente pulando com o trem em movimento quando o precipício estiver perto. A única dúvida é quanto tempo essa composição vai levar para chegar lá. Particularmente, acho que uma demora de dois anos e meio, com o trem praticamente se arrastando, vai levar o Brasil a uma nova década perdida. Infelizmente, esse é o cenário que mais beneficia os corruptos. Geralmente, é o que prevalece. A não ser que Moro tire uma bala de prata do bolso. Se ele assim fizer, até eu o chamarei de herói, pelo menos uma vez.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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