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Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo
Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo| Foto:

Há meses venho escrevendo neste espaço um rascunho da história da chamada “nova direita”. A eleição atual, como era previsível, tem sido mais do que apenas um capítulo dessa história, mas um dos fatos a começar a dar forma mais clara ao fenômeno. Até aqui, três fatos são inegáveis sobre a nova direita.

O primeiro é que ela é um fenômeno da juventude. Das figuras surgidas nas grandes manifestações populares desde 2013, praticamente todos são muito jovens, a maioria abaixo dos 30 anos de idade. A constatação é também estatística. Já citei por aqui uma pesquisa da Paraná Pesquisas de novembro de 2017 sobre o posicionamento político do brasileiro. Há um empate técnico entre a direita e a esquerda, mas, quando se analisa o resultado pelo recorte de idade, a direita tem vantagem clara e considerável na faixa etária que vai dos 16 aos 34 anos, sendo a maior vantagem de todas entre os 16 e os 24 anos de idade, com 30% se dizendo de direita contra 20% de esquerda.

Dizer que a nova direita é jovem é algo óbvio, mas isso pouco tem sido considerado no seu significado. Se nada está na realidade política de um país que antes não esteja na sua cultura, então o fato de a nova direita ser um fenômeno jovem significa que sua origem cultural não pode estar muito antes da década de 1990. O que, por sua vez, significa dizer que a origem da “nova direita” não está nas ideias que parecem formá-la, tanto liberais quanto conservadoras e também tradicionalistas, mas na resistência ao rebaixamento da cultura à ideologia capitaneado pela esquerda desde o regime militar, pelo menos. Não se tratava de defender a direita ou quaisquer dessas ideias, mas de resistir ao desaparecimento de todas elas. Paulo Francis, Roberto Campos, Bruno Tolentino e Olavo de Carvalho pouco mais fizeram do que isso: resistir.

Dessa resistência bem sucedida começou a nascer, na década seguinte, uma reação cultural, ainda tímida e vacilante, mas real, constante e crescente, vinda especialmente da internet, a grande “causa” da existência da nova direita como realidade política na segunda década do século 21. Mas esse ressurgimento político foi abrupto, sem que houvesse retaguarda cultural suficiente a lhe dar sustentação e forma. Com as grandes manifestações de 2013, a nova direita que vinha sendo germinada, já ganhando alguma vida especialmente no campo liberal com a criação do Partido Novo, em 2011, brota com uma única característica: ser reagente.

Eis aqui o segundo fato: a nova direita é reagente. Insisto no uso desse termo, reagente, porque é fundamental não confundir reagente com reacionário. A direita reacionária é aquela que reage ao presente propondo o resgatar de algo no passado que teria sido melhor. Reacionário é quem gostaria, por exemplo, que houvesse o retorno do regime militar como solução para o descalabro atual. Embora houvesse grupos assim participando daquelas manifestações, eram nitidamente minoritários e sem apoio da imensa maioria dos que protestavam. Que a grande imprensa tenha dado destaque maior a esses grupos ínfimos pouco diz sobre as manifestações, mas muito da grande imprensa, uma das principais responsáveis pelo sufocamento das vozes de direita desde a década de 1990, pelo menos.

Mas algo reagente não propõe nada, apenas reage a algo. É só olhar novamente as fotos e vídeos dessas grandes manifestações para constatar esta outra obviedade: nada se propunha para além do “Fora PT”. A presença de partidos foi recusada, a presença de políticos foi recusada, e ainda que um ou outro grupo tenha levado faixas e cartazes propondo alguma pauta, nada disso tinha maior alcance ou unia aquelas multidões do que a reação ao PT. Mas, novamente, o que é óbvio de ser percebido nem sempre é devidamente considerado quanto ao seu significado. Se não havia pauta para além da reação, significa dizer que a reação cultural dos anos anteriores ainda é frágil demais a fornecer alguma possibilidade verossímil de futuro, algum norte. Por isso mesmo tampouco surgiram líderes articuladores dessas manifestações. Grupos como MBL e Vem Pra Rua, e todos os demais, podem ter conquistado notoriedade e assumido o protagonismo em certos momentos, mas serem reconhecidos como representantes do “todo”, ninguém.

Uma consequência dessa realidade é o terceiro fato característico da nova direita: é descentralizada. Não há comando único, nem mesmo alguma unidade entre esses movimentos e grupos, salvo pontualmente conforme as circunstâncias, como ocorre agora com o apoio cada vez maior de praticamente toda a nova direita a Jair Bolsonaro, que, de todos os atores surgidos nesse contexto, é o que reúne todas essas características.

Primeiro, ser reagente ao PT e ao esquerdismo reinante, independentemente de qualquer outra coisa. É a razão principal pela qual Jair Bolsonaro se tornou, com a atual eleição, o verdadeiro líder articulador da nova direita. Por sua história militar e parlamentar, faz parte da história também da resistência à esquerda, quando não se conseguia fazer mais do que isso, sendo ignorado ou ridicularizado; agora, quando uma reação efetiva pôde ser feita, assumiu esse papel como ninguém. Nenhum outro parlamentar se opôs ao PT e à esquerda com o vigor de Jair Bolsonaro, que por isso mesmo se tornou o “extremo” oposto da esquerda atual que aceitaria qualquer um, menos ele. Ele não.

Segundo, observando sua campanha, é impressionante quão descentralizada está. Por mais que existam responsáveis e coordenadores, a campanha vem sendo feita de forma descentralizada, espontaneamente por seus eleitores. As constantes carreatas e manifestações em diversas cidades do país todo foram e são todas organizadas por seus apoiadores sem pedir autorização ou esperar condução de quem quer que seja.

Quanto à terceira característica, a da juventude, por óbvio não a possui em si, mas a simboliza como nenhum outro candidato conseguiu fazer. E aqui é preciso acrescentar à análise não apenas os fatos, mas outros símbolos que Jair Bolsonaro vem condensando em sua figura. Trouxe para si o liberalismo com a escolha do “posto Ipiranga” Paulo Guedes e, sendo um típico “tiozão” brasileiro, identifica-se facilmente com o que podemos chamar de conservadorismo brasileiro, que não é o anglo-saxão de Burke, Kirk, Scruton etc., cuja presença ou retorno à cultura brasileira é ainda incipiente a criar frutos políticos, mas o conservadorismo cuja mentalidade de sua elite foi descrita com precisão por Paulo Mercadante em seu indispensável A Consciência Conservadora no Brasil, e cuja mentalidade popular é hoje mais bem representada por figuras como a do personagem de Twitter Joaquin Teixeira. Além disso, traz consigo, por sua história militar e parlamentar, a velha direita, com tudo de bom e ruim que ela tinha e que era o principal obstáculo para que parcela considerável da nova direita o aceitasse, o que já acontece porque os demais valores e símbolos e características são muito mais fortes do que isso, que acaba sendo absorvido no novo conjunto.

Como se dará na prática a conciliação desses símbolos e dessas tendências, e como serão equacionadas as inevitáveis discordâncias e incoerências, é o que veremos nos próximos capítulos da nova direita, seja com vitória ou derrota de Jair Bolsonaro.

PS: enquanto isso, à esquerda e na mídia, segue o show de horrores histéricos que só consegue enxergar a figura de Jair Bolsonaro encarnando apenas um único valor e símbolo: o do retrocesso à ditadura militar. Por isso mesmo, quanto mais o consideram como sendo o único candidato intolerável, mais reforçam sua força simbólica de ser o único a reagir a tudo que está aí.

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