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A Nova Direita nos primeiros meses do governo Bolsonaro
| Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas

Quando perguntado pelo apresentador de tevê Ratinho, em entrevista dada nesta semana, sobre qual teria sido a medida mais importante do governo até aqui, o presidente Jair Bolsonaro respondeu que foi o ministério que conseguiu formar. De fato, foi um bom começo e um dos méritos foi ter albergado praticamente todos os grupos formadores da nova direita: liberais, lavajatistas, militares, evangélicos e os chamados olavistas ou olavetes. Creio que ninguém ficou de fora, todos sendo representados em maior ou menor medida.

Com isso, esperava que a nova direita, que antes era informe e descentralizada (e justamente por ser assim), passaria necessariamente a tomar forma a partir do governo, mais especificamente conforme o presidente administrasse as diferenças e conflitos inevitáveis que não demorariam a acontecer, como de fato não demoraram. Nos primeiros meses assistimos à luta interna entre militares e olavistas, as duas alas mais influentes sobre o presidente, mas não somente. No início também houve diferenças entre Paulo Guedes e Bolsonaro, em algumas medidas anunciadas e depois recuadas, como também entre Sergio Moro e o presidente, como no caso da nomeação de Ilona Szabó e do decreto sobre a posse e porte de armas.

Entretanto, salvo em raras exceções, o presidente optou por não tomar posição definitiva a favor deste ou daquele grupo, preferindo deixar a confusão se instalar e de certa forma se resolver sozinha, como parece ter ocorrido com a briga entre militares e olavistas – talvez por perceberem que nenhum venceria, recuaram e pararam de se atacar, ao menos publicamente. Significa dizer, por consequência, que a nova direita pouca forma tomou desde então, ainda mantendo a mesma característica de antes, qual seja, um arranjo precário entre alas diversas.

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Mas isso parece estar mudando desde as manifestações do último dia 26 de maio. Primeiro, porque a aposta bem-sucedida do presidente na mobilização popular lhe deu não apenas respaldo, mas uma autoridade que parecia perdida, se é que um dia exercida, o que foi prontamente reconhecido também fora do governo, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do STF, que nitidamente recuaram. Desde então, processos judiciais polêmicos foram tirados de pauta do STF e projetos de lei e medidas provisórias começaram a caminhar no Congresso sem maiores entraves. Ou seja, depois dessas manifestações o governo começou a, enfim, ganhar unidade e estabilidade.

Se isso vai durar, não sei, mas que Bolsonaro, até aqui apenas reagente, começou a assumir o protagonismo que o cargo que ocupa lhe impõe já é um fato, como se viu nesta semana com a apresentação do projeto de lei mudando as regras de validade para a CNH, levado pessoalmente ao Congresso e pautando o debate na imprensa a respeito. Além disso, começou a se comunicar de forma mais recorrente com o povo, não apenas por meio de suas lives às quintas-feiras, mas dando mais entrevistas a canais de televisão, como ao programa do Ratinho citado acima, e à imprensa em geral, nas quais retomou sua retórica popularesca, mas – e isso é um fato digno de nota – sem a agressividade ou maiores escorregões que ele mesmo chama de “caneladas”. Tem falado não apenas com as conhecidas sinceridade e simplicidade, mas também com a responsabilidade que o cargo exige.

Ainda é muito cedo para dizer se Bolsonaro está deixando de ser um símbolo agregador de grupos formadores da nova direita para se tornar um seu verdadeiro líder articulador, mas que está tentando, está. E este protagonismo enfim assumido trará sem dúvida mudanças na nova direita, que parecem já estar em curso graças também àquelas manifestações. A não participação de movimentos como MBL e Vem Pra Rua, por exemplo, também por temerem que a manifestação servisse mais de apoio ao presidente do que às pautas alegadas e que dizem também defender, serviu para descolar a direita bolsonarista e permitir enxergá-la com mais clareza.

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Ao contrário de liberais que têm no MBL e no Partido Novo, dentre outros movimentos e partidos, uma militância organizada e projeto de poder, os bolsonaristas claramente não têm organização, apenas uma militância virtual aguerrida que pouco se mobiliza fora das redes sociais, servindo como defensores do presidente e de suas ações, mas sem um norte fora da órbita da família Bolsonaro. São profundamente reativos e só. Tanto que têm vindo de dentro do governo, por meio do assessor presidencial Filipe Martins, as tentativas de organizar melhor essa possível militância, como os balões de ensaio que vêm fazendo tentando criar um símbolo que dê alguma unidade e identidade ao grupo. A escolha do tal texugo-de-mel, aliás, simboliza perfeitamente esta reatividade virtual agressiva, mas, para além disso, o que significa? Nada, ao menos por enquanto. Tudo está no reino da possibilidade, quando muito no da verossimilhança.

Significa dizer, portanto, que as análises sobre as ações do presidente e o governo, como da parte da nova direita que parece ser sua real base de apoio, não apenas em pautas pontuais, só podem se dar hoje muito mais pelo que podem vir a ser do que pelo que vêm sendo de fato. Por isso mesmo que lá se vão cinco meses de governo e a medida mais importante reconhecida pelo presidente ainda é o ministério formado, sinal de que as realizações ainda estão aquém da expectativa criada em torno desse mesmo ministério.

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