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Foto: Reprodução/O Mestre dos Gênios (2016)
Foto: Reprodução/O Mestre dos Gênios (2016)| Foto:

“Aí ele disse: ‘Bom, então você assume essa responsabilidade?’ E respondi: ‘Preciso assumir a responsabilidade. Mais que isso, levarei a culpa de um jeito ou de outro’.” Eis um trecho de uma carta escrita pelo possivelmente maior e melhor editor da história, Maxwell Perkins, a Ernest Hemingway, um de seus autores, falando sobre outro, Thomas Wolfe (não confundir com Tom Wolfe, que não chega aos pés do outro). Todo pretenso escritor e, mais ainda, editor, deveria ler a biografia escrita por Scott Berg, Max Perkins – Editor de Gênios, especialmente se for algum surgido ou por surgir “à direita” no atual contexto brasileiro de uma cultura rebaixada à pura guerra ideológica.

Em uma entrevista, o biógrafo foi perguntado se existia algum editor atual que se assemelhasse à Perkins. Berg respondeu: “Hoje em dia, há excelentes editores, alguns deles poderiam rivalizar com Max Perkins. Mas as atuais circunstâncias são muito diferentes e não encorajam mais necessariamente o tipo de trabalho como o de Max Perkins – descobrir escritores e trabalhar com eles ao longo de toda uma carreira, até mesmo em meio aos fracassos. Na realidade, nós não temos o que eles costumavam chamar o “universo da publicação”; nós temos “o negócio do livro”. É justamente por acreditar que  a “direita cultural” vive uma realidade de transição entre o que Berg chamou de “universo da publicação” para “o negócio do livro” que acredito que Perkins seja um modelo para os novos editores que sabem que precisam assumir uma responsabilidade cultural maior do que a existente em épocas “normais”.

Na coluna da semana passada tratei desse contexto de guerra cultural, como venho fazendo há mais de dois anos neste espaço, e é em razão disso que o “universo da publicação” brasileira ainda é algo sendo criado por aqui. Afinal, o próprio mercado editorial não sabe seu tamanho real, uma vez que o maior comprador de livros do país é o Estado, o que distorce as medições que permitiriam saber se o livro no Brasil é realmente um negócio ou não. E a probabilidade de não ser viável como negócio é considerável, afinal, as pesquisas e comparativos com outros países demonstram que o brasileiro mal lê e lê mal. Como se isso não bastasse, basta pesquisar as publicações feitas pelas grandes editoras desde, pelo menos, a década de 1990 até hoje, para se constatar a imensidão de autores e obras ignoradas, desconsideradas ou francamente repelidas por serem “de direita” ou “conservadoras” ou “liberais”, o que significa dizer que há um “universo da publicação” que estava à espera de ser criado e vem sendo formado na atualidade.

É o que vem se tentando fazer primeiro pelas iniciativas editoriais vinculadas a think tanks liberais, como a novata LVM, citada na coluna passada, que surgem com recorte ideológico explícito e com propósito claro de divulgação dessas ideias, o que é absolutamente necessário para a criação de um “universo de publicação” digno desse nome, plural e abrangente. Então, se as grandes editoras restringiram o mundo das ideias, nada mais necessário do que o surgimento de editoras com propósito de ampliação do horizonte de publicação divulgando ideias antes indisponíveis, seja por qual razão for. Mas há outras iniciativas editoriais cujo propósito vai para além desse, que também possuem. Creio não errar ao colocar como pioneira nesse contexto a editora É Realizações, em cujo site se informa qual é seu negócio:

“Empresa produtora de conhecimento em uma perspectiva única, que combina o projeto editorial com a dimensão da educação e que une diferentes aspectos da vida intelectual – cultura, religião e arte –, dando a seus clientes a possibilidade de conhecer o que de melhor foi produzido nessas áreas do conhecimento humano nas mais diferentes épocas e lugares do mundo. Assim, a atuação da empresa se divide em: Editora (unidade de maior representação), Livraria e um Espaço Cultural que recebe e oferece cursos, palestras e eventos de alta qualidade e excelência.”

A É Realizações foi fundada por Edson Manoel de Oliveira Filho, que permanece à frente da empresa, tendo começado como um espaço cultural em 1995, no qual aconteciam palestras e cursos. Dentre estes, passou a receber a partir de 1996\1997 dois cursos do filósofo Olavo de Carvalho, que aconteciam em um final de semana por mês, sendo que às sextas se dava o curso de História Essencial da Filosofia e aos sábados o Seminário de Filosofia. Ambos os curso foram gravados para posterior publicação através da editora que surgiria no ano 2000, mas somente o de História Essencial da Filosofia foi disponibilizado em formato de fitas VHS ou DVD’s acompanhados de livretos com as transcrições das aulas respectivas, formando a coleção História Essencial da Filosofia que, infelizmente, não mais aparece no catálogo da editora, fruto de desentendimentos de ordem pessoal e editorial ocorridos entre o editor e o filósofo, o que também explica a razão das aulas gravadas do Seminário de Filosofia não terem sido disponibilizadas.

Pode-se dizer que é dessa relação entre ambos que surgiu a “dimensão da educação” como parte do projeto editorial da É Realizações que, na sua origem, tinha o filósofo como um editor informal, pois além das publicações da editora terem se iniciado com a reedição de uma de suas obras essenciais, O Jardim das Aflições, passou a lançar majoritariamente autores e obras recomendadas por ele em seus artigos, livros e cursos. O desentendimento posterior entre ambos prejudicou não apenas a continuidade do projeto de publicação dos cursos do filósofo – pois além da Coleção História Essencial da Filosofia sequer constar no catálogo atual da editora, as aulas do Seminário de Filosofia nunca foram publicadas –, mas também a reedição das obras de outro filósofo brasileiro importante, Mário Ferreira dos Santos, que encontra-se atrasada, pois antes estavam a cargo de Olavo de Carvalho, que foi substituído, com alteração significativa no tratamento editorial dado às novas publicações, ainda em pequeno número.

A partir de 2010 a editora entrou em nova fase, investindo muito mais. Até então, havia lançado cerca de 30 títulos e só em 2011 publicou 80. A capacidade de investimento pensando no longo prazo não seria possível, segundo o próprio editor, se não contasse com o auxílio de sua esposa, Angela Zogbi de Oliveira, de uma rica família de empresários e banqueiros, conforme o próprio editor explicou em entrevista: “O dinheiro dela ajuda, claro. Ela acredita no meu projeto e está junto comigo, senão eu não teria condições de investir a longo prazo.” Nessa mesma entrevista fica claro que a partir dali a editora não apenas atuava no “universo da publicação”, mas também no “negócio do livro”, pois, em suas palavras, a editora “não é filantrópica, é comercial”. O viés conservador de suas publicações, porém, não mudou. Graças à É Realizações temos boa parte das obras de gigantes como Eric Voegelin, René Girard e Theodore Darlymple – que, aliás, esteve no país recentemente lançando novo livro e dando entrevista até em programas populares, como o talk show de Danilo Gentili –, sem esquecer da publicação das obras de Gilberto Freyre. Como desdobramento do projeto editorial da É Realizações, há 2 anos Edson lançou outra editora, a Filocalia, “que privilegia obras que tratam do sublime e do poético”.

Por volta de 2008\2009, enquanto o desentendimento entre Edson Filho e Olavo de Carvalho, com consequente afastamento, já era público, Silvio Grimaldo, aluno do filósofo, seu assistente e administrador do Curso Online de Filosofia, vinha procurando uma editora para reeditar livros do filósofo, bem como publicar um novo com aulas antigas compiladas por ele, Silvio (infelizmente, esse livro nunca foi publicado). Silvio já tinha tentado montar uma editora com o hoje cientista político Lucas Mafaldo, quem, aliás, chegou a comprar os direitos da obra famosa de Thomas Woods, Como a Igreja Católica construiu a civilização, mas a tentativa não vingou e o livro citado acabou saindo pela Quadrante posteriormente. De outro lado, César Kyn D’avila e sua esposa, Adelice Godoy, empresário da área de telecomunicações e que integrava uma ONG em Campinas, de viés liberal, chamada “Vigilância Democrática”, vinha pensando em também montar uma editora, também por motivação pessoal, por sentir necessidade de dar mais sentido à sua vida.

Foi por essa época de 2008\2009 que Silvio e César, conversando na casa de Olavo de Carvalho nos EUA, decidiram se associar para criar uma nova editora. O plano era, tal como a É Realizações em seu início, dar suporte ao Curso Online de Filosofia de Olavo Carvalho, que não era outra coisa do que a versão “à distância” do seu Seminário de Filosofia, publicando livros do filósofo e outros indicados por ele que tivessem relação com seu projeto pedagógico. O primeiro produto seria algo semelhante à coleção da História Essencial da Filosofia, da É Realizações, com um curso de Olavo sobre os filósofos do século XX, mas isso jamais saiu do papel. Para poder tornar viável economicamente essa editora, que veio a se chamar Vide Editorial, a ideia foi lançar outra editora, a Ecclesiae, para atuar no nicho católico, com possibilidade maior de também financiar a Vide, que não esperavam fosse dar lucro, ao menos no seu primeiro ano de vida. Ambas as editoras nasceram, assim, ao mesmo tempo. A Vide com a publicação de Marxismo e Descendência, de Antônio Paim, em 2009, e a Ecclesiae com o lançamento de um curso de Introdução à Teologia, do padre Paulo Ricardo, em DVD, CD e livro, em março de 2010.

Nesse projeto de Vide e Ecclesiae se vê muito bem que para atuar no “universo da publicação” no Brasil, mais especificamente de filosofia e ciência política, é preciso também ter um plano para o “negócio do livro”, sem o que nem uma coisa nem outra vingam. Mas o projeto foi bem sucedido, não demorando muito para que a Vide não apenas se mantivesse por conta própria, mas desse lucro, permitindo à Ecclesiae ser mais do que se imaginava em seu início. Se por um lado a Vide Editorial nasceu com propósito claro de entrar na guerra cultural, explicitamente do lado “direito” do combate, visando dar subsídio à militância de direita, tanto liberal quanto conservadora, mantendo sua característica até hoje, por outro lado a Ecclesiae se tornou uma editora católica independente da Vide, focada em ensaístas católicos, como Chesterton e Peter Kreeft e indo muito além do plano inicial.

Com ambas iniciativas tendo sucesso, o projeto foi ampliado, tornando-se uma verdadeira incubadora de novas editoras que nascem com muito boa intenção, mas muitas sem plano de negócios nem perspectiva de manutenção, mesmo de curto prazo, valendo-se de financiamento coletivo através de plataformas digitais como a Kickante para atuarem. Duas editoras, pelo menos, podem ser citadas aqui que nasceram se valendo dessa estratégia e ainda a mantém em alguma medida, ainda que sofrendo com a parte mais complicada do mercado editorial, a distribuição: Livraria Danúbio Editora e Editora Concreta. Com parcerias com a Vide tornou-se possível conseguir colocar seus livros em algumas das grandes redes livreiras do país, como a Livraria Cultura, como a Danúbio tem feito, dando fôlego e auxílio para crescer.

Das pequenas iniciativas editoriais, merece destaque também a de José Lorêdo Filho, que a partir da sua experiência de leitor em São Luís, no Maranhão, obrigou-se a formar sua biblioteca comprando pela internet e posteriormente revendendo em um sebo local para adquirir outros novos. Como os livros vendidos fizeram considerável sucesso, a proprietária do sebo, D. Moema de Castro Alvim, incentivou-o a montar uma livraria, o que Lorêdo Filho fez aos poucos. Primeiro, participou como livreiro em 2010 da Feira do Livro de São Luís. Em 2011 montou uma livraria virtual e em 2012 construiu a sede física da Livraria Resistência Cultural, cujo nome já diz tudo.

Foi em 2013 que a livraria se tornou também editora, começando por publicar o notável poema em prosa de Ângelo Monteiro, O Ignorado, seguindo-se obras de Aristóteles Drummond, Ives Gandra da Silva Martins e Chesterton. Mantendo parceria com os Institutos Mises Brasil e Liberal também co-editou obras de Rodrigo Marinho e Adolfo Sachsida, mas para quem acha que isso daria à editora um viés mais liberal ressalto que neste ano de 2018 irá reeditar a parte mais substanciosa e importante da obra de dois conservadores gigantes da inteligência brasileira: João Camilo de Oliveira Torres e José Pedro Galvão de Sousa, que dispensam ou deveriam dispensar apresentações. Além disso, interessa também aqui para a finalidade dessa série de artigos a publicação pela Resistência Cultural do bom livro de Lucas Berlanza, intitulado “Guia bibliográfico da nova direita”, que será resenhado por aqui no futuro.

Mas a grande prova de que o bom combate cultural vem dando resultados no mercado editorial é o fato mais significativo dessa história que é a abertura de editoras de maior porte para autores e obras mais “à direita”. Por exemplo, em 2011 a Leya publicou o primeiro livro da coleção “Politicamente Incorreta”, a obra “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, de Leandro Narloch, que permaneceu durante mais de 70 semanas na lista dos mais vendidos do país. Outro exemplo ocorreu em 2013, quando uma das grandes editoras, a Record, através de um de seus editores, Carlos Andreazza, lançou um livro inédito de Olavo Carvalho com seus ensaios jornalísticos compilados por temas por Felipe Moura Brasil e que foi um sucesso imediato, revelando não apenas uma demanda reprimida por livros do filósofo que já fora best seller na década de 1990, mas também todo um “universo de publicação” à espera de editores para se tornar uma realidade. Como consequência, a própria Record lançou e continua a lançar vários novos autores “à direita”, com uma política editorial profissional rara no país, qual seja, contratando os autores para escreverem livros, não apenas recebendo escritos prontos e avaliando se valeriam a pena serem publicados ou não.

2018 também deverá ser um marco a comprovar que o “universo de publicação” vem se tornando um “negócio do livro” para a “direita cultural”, tendo em vista a verdadeira batalha de bastidores que houve para a compra dos direitos do best seller internacional do psicólogo Jordan Peterson, 12 regras para a vida. Um antídoto para o caos. A vencedora foi a Alta Books, famosa por seus livros voltados ao empreendedorismo e que fez uma aposta alta, porém certeira, na compra dos direitos dessa obra. Peterson, vivesse no Brasil, certamente faria parte desse time da “direita cultural” e a publicação de seu livro que sai em junho próximo provavelmente demonstrará, mais uma vez, o quanto o que era um nicho de mercado, que se manteve existente durante décadas graças a esforços hercúleos de abnegados, tornou-se não só impossível de ser ignorado pelas grandes editoras e a imprensa cultural, mas começa inclusive a lhes pautar.

O quanto isso será sustentável no longo prazo dependerá quase que inteiramente da atuação dos editores, pois será necessário mais do que publicar obras nunca traduzidas no Brasil, mas abrir o espaço e mesmo formar novos escritores brasileiros a alimentar constantemente nossa cultura, para que volte a ser sinônimo de cultivo do espírito e não apenas a arena de um combate ideológico. É justamente por isso que retorno ao exemplo modelar de Maxwell Perkins. A biografia citada serviu de base para o bom filme de Michael Grandage, O Mestre dos Gênios, que traz um retrato da relação conturbada de Perkins com Thomas Wolfe. Um dos diálogos entre ambos vale a pena citar. Depois de confirmar com Perkins que o havia desapontado mais uma vez, Wolfe explodiu dizendo: “Bem, me desculpe, eu não sou decente o suficiente para seus bons jantares e seus bons amigos. Mas antes de você me arrastar para a fogueira, acho que você deveria olhar para quem está dando a lição. Eu deveria amadurecer como você?” A resposta de Perkins serve para toda a chamada “nova direita”: “Não, Tom, mas você deveria amadurecer.”

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