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Feipe Neto deveria aprender com Gervais: só se consegue apagar um incêndio no circo sendo o palhaço dentro dele e rindo dos que se acham seus donos.
Feipe Neto deveria aprender com Gervais: só se consegue apagar um incêndio no circo sendo o palhaço dentro dele e rindo dos que se acham seus donos.| Foto: VALERIE MACON / AFP

Então, quer dizer que os parteiros e embaladores da “cultura do cancelamento”, os intelectuais progressistas, agora estão preocupados com a consequência concreta de suas ideias, a óbvia intolerância dos autoproclamados juízes da tolerância alheia? Já leu “Uma carta aberta sobre a Justiça e o Debate Aberto”, leitor por ser cancelado (todos seremos)? 150 celebridades intelectuais, como Gary Kasparov (sim, o do xadrez), Noam Chonsky, Fukuyama, Salman Rushdie, a do Harry Potter (não sei o nome, preguiça de procurar), dentre outros, assinaram esta carta.

E do que se queixam? Disso: “A maneira de derrotar as más ideias é a exposição, o argumento e a persuasão, não tentar silenciá-las ou querer expulsá-las. Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para a experimentação, a tomada de riscos e inclusive os erros. Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé sem consequências profissionais funestas. Se não defendermos aquilo sobre o qual nosso trabalho depende, não podemos esperar do público ou do estado que defenda por nós.”

Antes tarde do que nunca, mas me permita um minuto de riso cínico, afinal, isso era tão certo que aconteceria como 2 mais 2 dão 4. Mas, enfim, que bom que os progressistas progridem, como Bari Weiss, uma das subscritoras que era editora do New York Times até dias atrás, pedindo demissão porque, bem, deixo que ela explique: “As histórias são escolhidas e contadas de maneira a satisfazer o público mais restrito, em vez de permitir que um público curioso leia sobre o mundo e depois tire suas próprias conclusões. Sempre fui ensinada que os jornalistas eram encarregados de escrever o primeiro rascunho da história. Agora, a própria história é mais uma coisa efêmera moldada para atender às necessidades de uma narrativa predeterminada.”

No mesmo dia desta carta de demissão vir a público, o New York Times comprovou maravilhosamente a acusação de sua ex-editora publicando um vídeo de Felipe Neto, o YouTuber brasileiro em franca campanha de cancelamento de quem discorda de sua agenda progressista. Imbuído daquela típica convicção totalitária, parece que não sossegará enquanto não retirar os meios com que vozes que lhe pareçam conservadoras sejam ouvidas. Anda tão animado que logo, logo, não sendo possível censurar toda a internet, periga militar por alguma medida de reeducação forçada de conservadores. Algo na linha que a China tem feito nos seus campos de concentração.

No tal vídeo para o jornal ícone da cultura do cancelamento, Neto disse: "Quando o palhaço precisa falar sério, o circo provavelmente está pegando fogo". Enquanto ainda posso, ouso discordar do comandante-em-chefe. Louvo sua autoestima por se achar engraçado, mas é só quando fala sério que talvez seja possível considerá-lo um palhaço. E já que se considera um humorista, deveria aprender com quem sabe, como Ricky Gervais, que comunga de valores progressistas mas se recusa a compactuar com a cultura do cancelamento, que considera “um tipo de fascismo”.

Na verdade, Felipe Neto está mais errado ainda se acha que é deixando de ser palhaço que apagará o fogo no circo. É o contrário. A figura do palhaço, do bufão, do bobo da corte, sempre se faz mais necessária em tempos de crise, pois encarnam a consciência irônica capaz de, sem se afastar do calor do incêndio, apagá-lo com o riso indiscriminado de todos os incendiadores.

Um bom exemplo está no show Sticks And Stones, de Dave Chapelle, disponível na Netflix. Um dos grandes momentos de sua apresentação é quando faz piada com os pró e contra o aborto. Assista e confira como, ao fim deste momento da apresentação, você conseguiu rir de si mesmo, pouco importando qual sua posição a respeito. Louis C. K. é outro que fez o mesmo com este tema já na abertura do seu show 2017, também disponível na Netflix, com sua entrada magnífica arrancando gargalhadas só por saber dizer: “Então, aborto.”

Aliás, os três e muitos outros humoristas foram convidados de Jerry Seinfeld em seu programa Comedians In Cars Getting Coffee, atualmente também na Netflix, e que tem sido minha terapia nesta pandemia. O show não tem script, é simplesmente Seinfeld conversando com amigos ou pessoas que admira, sobre suas carreiras, especialmente sobre humor, dentro de carros a caminho de cafés onde a conversa continua. Só pela saudade dessa liberdade de “hang out” com amigos o show já é medicinal, mas aprender com a desimportância que humoristas de verdade dão a si mesmos e à “seriedade” das “grandes questões” é também educativo.

O único convidado por duas vezes, ao menos até aqui, foi justamente Gervais, que fez ao menos uma piada emblemática de como só se consegue apagar um incêndio no circo sendo o palhaço dentro dele rindo dos que se acham seus donos: “No último dia, os russos avançavam, estavam a 180 metros na estrada. Ele se casou com Eva Braun, certo? Comeram bolo e tomaram champagne. Foram para a cama cedo. De manhã, ele a envenenou, matou-se com um tiro e o jardineiro queimou os corpos. Bem, diga o que você quiser sobre Hitler, mas foi uma lua de mel terrível, não?”

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