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O deputado federal Eduardo Bolsonaro fala no primeiro dia da CPAC Brasil
O deputado federal Eduardo Bolsonaro fala no primeiro dia da CPAC Brasil.| Foto: João Arantes Payne

Nada, absolutamente nada tem sido mais divertido nos últimos anos do que testemunhar o renascimento de uma direita malformada que teve parto prematuro de sabe-se lá quantos gêmeos siameses que não se suportam e agora estão se matando para tentar se separar antes de terem aprendido a andar. Algum sobreviverá sem o outro? Essa confusão toda era inevitável, embora esteja acontecendo, talvez, antes do esperado. Meu palpite era que isso aconteceria mais para o fim do segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro. Mas antes cedo do que nunca.

O saco de gatos do PSL parou de brincar de gato mia e acendeu as luzes do quarto divulgando áudios em que ouvimos um novo começo de era de gente fina, elegante e sincera com habilidade pra dizer mais sim do que não, não, não. Seriam as dores do parto de um novo partido de direita, bolsonarista até a medula, ou o transplante dessa medula no próprio PSL? Seja como for, dará no mesmo. É o que parece, pelo menos, ainda mais para quem prestou a devida atenção à primeira CPAC brasileira, a famosa Conferência de Ação Política Conservadora, realizada na semana passada, evento importante dos conservadores americanos que foi importado ao país pelo deputado Eduardo Bolsonaro e que teve, dentre outros marcos significativos, o desconvite ao influente YouTuber Nando Moura.

No evento americano houve caso análogo no passado recente, com o desconvite a Milo Yannopoulos em 2017 por causa da divulgação de um vídeo em que o jornalista supostamente aprovaria a pedofilia. Compreensível o desconvite, portanto, ainda que a tal defesa fosse controversa; mas seria impensável que fosse desconvidado se Milo tivesse apenas criticado o presidente Trump, que participou do evento daquele ano, aliás. Pois foi esta a razão do desconvite a Nando Moura, em virtude de suas críticas recentes ao governo federal. A partir disso, o evento se tornou mais bolsonarista do que conservador, por óbvio, o que também explica a ausência no evento do presidente do PSL, Luciano Bivar, logo depois das críticas feitas pelo presidente ao partido.

Após desconvidar um YouTuber que criticou o presidente da República, a CPAC se tornou um evento mais bolsonarista do que conservador

Se vier a surgir um partido bolsonarista num futuro próximo, esse evento me parece ser o seu marco fundador. Infelizmente, muito pouca análise saiu na imprensa sobre os diversos discursos e discussões, salvo a tediosa má vontade recheada de desprezo tentando fazer parecer tudo muito maluco e esquisito e constrangedor, ou o foco exclusivo sobre a forma de financiamento do evento com recursos do Fundo Eleitoral, algo nada ilegal, mas lamentável por ser incoerente para quem se elegeu propondo fazer uma “nova política”. Mas o que interessa infinitamente mais nesse evento é o que nele se disse, o que deveria ser óbvio.

Neste sentido, da possível criação de um novo partido, chama a atenção o discurso do assessor da Presidência Filipe G. Martins, com retórica não apenas convocatória, mas programática, ao parafrasear o título da obra de Lênin Que fazer? e “deixar um recado muito claro” aos novos intermediários no jogo político surgidos com a débâcle esquerdista e a arrogância dos intermediários atuais, incapazes de dar verdadeira voz e atenção aos interesses conservadores, convocando-os para a “guerra” contra sua criminalização, que estaria sendo feita por parte da imprensa e do establishment.

Para tanto, seria preciso: 1. confiar no presidente por ser o símbolo aglutinador dos valores conservadores; 2. unir esses intermediários espalhados em movimentos ou iniciativas individuais em uma instituição sólida sem esperar que isso venha do presidente; 3. defender nossos valores no front cultural, especialmente com a criação de obras artísticas, especialmente narrativas para “contar a história real do que aconteceu”, novos órgãos de mídia etc.; 4. uma estratégia de mobilização permanente para atuação nas eleições futuras.

Para que esta coluna não tome um tamanho maior do que o razoável, voltarei a isso na semana que vem, para tratar melhor desses novos intermediários, sua união numa instituição sólida e a defesa dos valores conservadores; por agora, creio que basta destacar esse discurso para tornar um pouco mais compreensível o que está acontecendo dentro do PSL, financiador da CPAC. Estamos acompanhando a colocação em prática não propriamente dessa estratégia de mobilização apontada no item 4, mas da criação das condições para que ela possa ser colocada em prática no futuro.

Se esse movimento parece vir cedo demais, basta olhar o calendário eleitoral para se entender que a hora para isso é agora mesmo. O porém da materialização desse projeto de poder puramente bolsonarista é o risco que agora passam a correr as reformas por serem aprovadas no Congresso, pois sabe-se lá como ficará a base do governo a partir de agora. Tanto que a nomeação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada americana já foi suspensa pelo receio de se ter perdido os votos que existiriam em seu favor.

Com isso, pesa ainda mais na balança a confiança no presidente, que, de fato, foi um símbolo aglutinador durante a eleição, não apenas dos valores conservadores, mas da direita como um todo. Agora, não é mais da direita que se dividiu de vez, mas será que continua sendo ao menos dos conservadores? É aqui que ganha maior significado o desconvite para o YouTuber Nando Moura, um desses novos intermediadores a que se referiu Filipe G. Martins, e de quem me pareceu estar falando quando se referiu a reunir quem de boa fé estaria desconfiando do presidente. Porque a gestão dessa crise também é simbólica da real capacidade aglutinadora desses intermediadores que, até aqui, têm sido mais eficientes em defenestrar aliados do que conquistar novos.

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