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Santa Teresinha do Menino Jesus.
Santa Teresinha do Menino Jesus.| Foto: Domínio público

O fim do segundo manuscrito que compõe esta história de uma alma é dos trechos que mais me deixaram a meditar. Teresinha concluiu esse relato dizendo: “Às almas simples não se adequam bem os meios complicados; e, como eu sou deste número, inspirou-me Nosso Senhor diretamente um meiozinho simplicíssimo de cumprir as minhas obrigações”.

Segue-se, então, algumas páginas com ela comentando sobre uma passagem dos Cânticos, comunicada em oração: “Atrai-me: correremos após ti, ao cheiro dos teus perfumes”. Tudo remete à oração, para onde somos atraídos e para lá devemos correr para sentir os perfumes de Nosso Senhor. O “meiozinho simplícissimo” de Teresinha cumprir suas obrigações era, portanto, este:

“Lá disse um sábio: ‘Dai-me um ponto de apoio, que eu com uma alavanca levantarei o mundo’. O que Arquimedes não conseguiu, conseguiram-no plenamente os santos. Deu-lhes o Todo-Poderoso um ponto de apoio que é Ele mesmo, Ele só; e com a alavanca da oração, que tudo abrasa em incêndios de amor, mexeram e remexeram o mundo; e pelo mesmo processo nessa faina continuam e continuarão até a consumação dos séculos os santos da Igreja militante.”

Na conversa de Teresinha com Jesus ela é toda generosa com o “ouvinte” convidado. Contextualiza o que não precisaria de contexto, pois ambos, ela e Jesus, já sabiam, sabem, tudo aquilo

É no terceiro e último manuscrito, agora dirigido à sua irmã Maria (Sóror Maria do Sagrado Coração), que Teresinha expõe a “doutrinazinha” desse “meiozinho simplícissimo”. É pena que o sentido mais comum entendido pelas pessoas desta palavra, “doutrina”, crie expectativas outras que não a que Teresinha atende aqui. Não há uma explicação teórica doutrinal, sistemática, nada disso. Ao contrário, não parece haver diferença para tudo o que ela escreveu até então.

Mas há. Uma diferença crucial, absolutamente crucial. Todos os manuscritos tinham interlocutoras humanas, mas, aqui, Teresinha pediu licença a sua irmã para falar “diretamente com Jesus”. Antes, esclareceu: “Jesus vai-me instruindo em segredo, sem se mostrar nem fazer ouvir a sua voz; para isso nada contribuem os livros, pois não entendo o que leio!” Mas, se é assim, em segredo e ela parece sequer saber o que e como a instrução foi passada, que “doutrina” Teresinha poderia ensinar?

“Só o amor pode nos tornar agradáveis a Deus; e, porque disso estou intimamente convencida, só este tesouro cobiço. Para chegar a esta fornalha divina, o único caminho, que o próprio Jesus me compraz em indicar-me, é a despreocupação total da criancinha que confiadamente adormece nos braços de seu Pai.”

Uma escola de amor ensinada por uma criancinha que não sabe mais do que se largar confiadamente nos braços do Pai. Ou seja, é uma escola de amor na qual aprendemos antes a sermos amados do que a amar. Parece simples, e é. Mas não é fácil se entregar assim, não. Daí porque sua “doutrinazinha” seja ela dando o exemplo de como se faz, falando diretamente com Jesus e nos deixando escutar.

Na conversa de Teresinha com Jesus ela é toda generosa com o “ouvinte” convidado. Contextualiza o que não precisaria de contexto, pois ambos, ela e Jesus, já sabiam, sabem, tudo aquilo. Do sonho em que Teresinha descobriu que em breve morreria à descoberta da sua vocação, por exemplo, tudo era sabido, consumado. Se Teresinha o repete, é por nós, leitores-ouvintes. E aqui revelou o mais precioso: sua vocação. Por ela, Teresinha, seria “vossa esposa, ser carmelita, ser, pela minha união convosco, mãe das almas... parece que deviam parar aí minhas aspirações e dar-me por satisfeita”. Mas e por Deus? O que Ele ambicionava para Teresinha?

Ela sentia o chamado para mais, para outras vocações, como a de guerreiro, sacerdote, apóstolo, doutor, mártir. E discorreu sobre cada uma, como seria se fossem suas algumas delas, especialmente a de mártir. Como não lembrar do seu “quero tudo”? Mas essas dúvidas e aspirações foram se tornando um martírio, perguntando enfim a Jesus: “Que resposta dareis a todas estas minhas loucuras?”

Quando pensamos em vocação, pensamos sempre em algo que teríamos de fazer nesta vida para nos dar a sensação de realização, de que cumprimos uma missão. Mas como entender uma vocação que é amar?

Jesus respondeu como costuma responder, através de sua Sagrada Escritura. Um dia, Teresinha abriu a Primeira Epístola aos Coríntios, onde São Paulo disse que “nem todos podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas e doutores, que a Igreja é composta de membros diferentes e que os olhos não podem ser a um tempo mãos”. Que órgão deste corpo Teresinha seria?

“Examinando bem o corpo místico da Igreja, não tinha me reconhecido em nenhum dos membros descritos por São Paulo, ou melhor, queria reconhecer-me em todos eles. Foi a caridade que me deu a chave da minha vocação; pois nitidamente me mostrou que, se o corpo da Igreja se compunha de membros diferentes, não lhe podia faltar o mais nobre e o mais necessário de todos os órgãos: que tinha portanto um coração e que este coração se abrasava em amor; compreendi mais que o amor era o único móvel das ações dos meus membros; que, se o amor chegasse a extinguir-se, nem os Apóstolos anunciariam o Evangelho, nem os mártires se ofereceriam a derramar por ele o sangue. (...) No auge então da minha delirante alegria exclamei: ‘Ó Jesus, meu amor! Encontrei, por fim, a minha vocação! A minha vocação é o amor!’”

Este “eureka” de quando descobrimos nossa vocação nos deixa assim mesmo, em “alegria delirante”. Mas somos apenas ouvintes aqui. Diante desta alegria dela, ficamos assim, não ficamos? “Coisa linda, Teresinha, mas como é isso, ter por vocação o amor? #comofaz?”

Quando pensamos em vocação, pensamos sempre em algo que teríamos de fazer nesta vida para nos dar a sensação de realização, de que cumprimos uma missão. Mas como entender uma vocação que é amar? Sendo a essência dos dois mandamentos divinos para todos, como ver nisso uma vocação particular de alguém? E, se for, no que isso se diferenciaria?

O “segredo” para cumprir os dois maiores mandamentos de Deus não está no que devemos fazer, mas em receber. Deus só nos chama a amá-Lo acima de todas as coisas porque Ele nos ama assim antes. E sem aceitar esse amor é impossível amar em si o que Ele ama e, por consequência, amar o próximo: “O amor, para ficar plenamente satisfeito, precisa abaixar-se até o nada e transformar em fogo esse mesmo nada”, disse Teresinha que, entendendo isso perfeitamente bem, descobriu o que fazer como vocação, como se transformar neste fogo: suplicando “o vosso amor em dobro!”

Daí porque Teresinha pediu para se manter como criancinha, que tudo que “faz” é receber o amor dos pais: “O que peço é amor! (...) Feitos retumbantes não são para mim, que não posso pregar o Evangelho nem derramar o meu sangue... Mas isso que importa? Lá andam trabalhando por mim os meus irmãos: o meu posto, como criancinha que sou, é junto ao trono real, amando pelos que combatem”.

O “segredo” para cumprir os dois maiores mandamentos de Deus não está no que devemos fazer, mas em receber. Deus só nos chama a amá-Lo acima de todas as coisas porque Ele nos ama assim antes

A vocação de Teresinha começava por desejar e suplicar por ser mais e mais amada, “aspirar à plenitude do amor”. E ela se questionava, como poderia Jesus lhe dar isso se seria tão pequenina, uma andorinha e não uma águia como tantos outros santos? Eis a “inefável condescendência” do amor divino, que se rebaixa até o nada. “Jesus! Jesus! Se o simples desejo do amor produz na alma tal enchente de delícias, que será então possuí-lo e gozá-lo por toda a eternidade?”

Como não se alegrar com Teresinha aqui? É sensível o quanto, à medida que mais fala a Jesus, mais amada e alegre se sente. E é aqui que descobrimos a contraparte de sua vocação, como deveria consumá-la: “amor com amor se paga”. Por ser assim amada, Teresinha se tornou instrumento deste amor de Deus pelo leitor-ouvinte.

É sensível o quanto, à medida que mais fala a Jesus, mais amada e alegre Teresinha se sente

Estamos diante de um cântico de amor direto ao coração de Jesus e de lá para o nosso. Cada palavra aqui é uma pétala das flores que Teresinha vem espalhando desde então: “Sim, estes nadas hão de alegrar-vos, hão de fazer sorrir a Igreja triunfante, que, acudindo a tomar parte nas brincadeiras da sua criancinha, há de recolher essas rosas desfolhadas e, passando-as pelas vossas divinas mãos para lhes dardes valor infinito, as espargirá sobre a Igreja padecente para lhe apagarem as chamas, e sobre a Igreja militante para lhe merecerem o triunfo e a vitória”.

Daí porque ela encerra sua conversa com Jesus suplicando para que Ele revele o mesmo segredo a outros: “digna-te inclinar os teus divinos olhos para o maior número possível de almas pequeninas e escolher dentre elas, para teu serviço neste mundo, uma legião de vitimazinhas, dignas do teu Amor...” Seríamos uma dessas almas? Se escutamos direito esta conversa, sabemos que somos. Basta pedir para ser. Pedir como uma criancinha entregue nos braços do Pai.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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