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História de Uma Alma (Parte final)
| Foto: Reprodução

O último capítulo de História de uma Alma foi escrito pelas companheiras de Teresinha, as Carmelitas de Lisieux. Dentre as “novidades”, o que me chamou mais a atenção: “Foi pouco dada a mortificações exteriores que não fossem prescritas pela sua Regra, por lhe dar o Espírito Santo a entender que a mortificação do espírito e do coração tem um poder santificador incomparavelmente maior”.

Fiquei a meditar sobre isso, o que me levou às abstinências da Quaresma. Antigamente, me comprometia com as mais comuns hoje em dia: ficar sem beber álcool, não comer doces, essas coisas. Mas, já vem isso de alguns anos, não tenho feito mais. Porque, no meu caso, percebi que pouco serviam para minha edificação. Era só para dar “check” na agenda, com pouca ou nenhuma conversão do coração. Ou seja, servia apenas para fortificar meu ego, inflando a força da minha vontade, não mortificando-a pela entrega à vontade de Deus.

Acho que tenho entendido isso que as freiras disseram, da mortificação do coração, do espírito. O que Ele tem me revelado, o que Ele tem me pedido, não tenho gostado, preferia outra coisa. Já faz ao menos duas Quaresmas que naufrago em várias coisas, fico refém da ira com facilidade, sinto o gosto azedo na boca de quem não consegue fazer quase nada por si, só por Misericórdia mesmo. Comparar isso com os resultados de ficar sem comer doce é até ofensivo.

Antigamente, me comprometia com as penitências mais comuns hoje em dia: ficar sem beber álcool, não comer doces, essas coisas. Mas não tenho feito mais. No meu caso, era só para dar “check” na agenda, com pouca ou nenhuma conversão do coração

Claro que estou falando de mim aqui, não dessas abstinências em si que, para outros, podem funcionar bem e ser perfeitamente válidas e eficazes. E não digo com isso que não voltarei a fazê-las no futuro. Pode ser que sim, não tenho como saber, Ele é quem sabe. Porque tenho deixado com Ele essas decisões do que preciso mortificar em mim. Como disse Santa Teresinha: “só confio no amor”.

As irmãs citam várias falas de Teresinha, todas nitidamente inspiradas por Deus, como ela mesma tinha consciência: “o resultado é que eu mesma fico não raras vezes impressionada com o que lhes ensino. O que sei simplesmente, quando assim lhes falo, é que não me engano e que por minha boca lhes está falando Jesus”. Como, por exemplo, o que disse a uma irmã que passava por uma grande aflição, quase em completo desalento: “De que servem as lágrimas a quem perdeu a esperança!”

Essa fala me impactou, fez-me lembrar da famosa passagem de Viktor Frankl diante de alguém com pensamentos suicidas: “Por que não se mata?” Que ousadia, que risco! E se a pessoa se mata mesmo? E se aquela religiosa, dando-se conta de que perdeu a esperança, não faz igual ou desiste da vida religiosa? Mas quando é Deus falando, o efeito é sempre luminoso. O desejado suicida tomou consciência de que, se não tinha se matado ainda, é porque ainda havia pelo que viver.

Não sei o resultado da fala de Teresinha na religiosa, mas sei em mim: se lágrimas há é porque a esperança não se perdeu. Que bênção grande está recebendo quem, neste exato instante, só tem as lágrimas por companheira; ainda mais se copiosas. Como não lembrar de Santa Mônica, a mãe de Santo Agostinho, que, desesperada pela perdição do filho, assim escutou em resposta de um bispo: “Vá e viva em paz, pois é impossível que possa perecer um filho de tantas lágrimas”. “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!” (São Mateus, 5,4). Amém.

“Depois da minha morte, farei cair uma chuva de rosas. (...) Sinto que vai principiar a minha missão, a missão que tenho de fazer amar a Deus como eu o amo... de ensinar às almas o meu caminhozinho. Quero passar o meu céu a fazer o bem na terra.” Perguntou-lhe a Madre (ainda bem, obrigado, Madre!): “E que caminhozinho é esse que quer ensinar às almas?”

“Minha Madre, é o caminho da infância espiritual, é o caminho da confiança e do abandono completo nas mãos de Deus. Quero indicar-lhes os pequeninos expedientes, que tão bem me serviram; quero dizer-lhes que a santidade neste mundo se baseia apenas nisto: ofertar a Jesus as flores dos pequeninos sacrifícios e cativá-los a poder de carícias. Assim é que eu o cativei, e por isso é que hei de obter dele o bom acolhimento que espero.”

Que bênção grande está recebendo quem, neste exato instante, só tem as lágrimas por companheira; ainda mais se copiosas

Nunca tive dificuldade de entender do que ela está falando, quais seriam esses “pequeninos expedientes” e “pequeninos sacrifícios”. O que sempre tive dificuldade era em lembrar de oferecê-los a Jesus quando os cumpria ou padecia. Quando me dava conta de que deveria fazer isso, já havia suportado tudo sozinho. Trouxa. Talvez agora realmente consiga seguir esse caminhozinho. Por causa destas meditações, comecei a fazer o que a santinha pediu com algumas coisas que são para mim sacrifícios pequenos, como ir à academia, por exemplo. Agora, faço aquela desgraça de exercício chamado “prancha” rezando por conhecidos que sei que estão passando por grandes dificuldades, oferecendo a dor de suportar o exercício a Jesus para que Ele a aceite minorando o sofrimento daquelas pessoas. Resultado: os 60 segundos mal suportados começaram a passar não só “mais rápido”, mas tem dias que até passo do tempo porque ainda não rezei por todos.

O melhor desse caminhozinho é que não há mais preocupação, se é assim que tem de fazer ou de outra forma, porque quando há real tentativa de abandono e confiança nas mãos de Deus, então Ele consertará o que for preciso consertar ou ajustar. Como disse Santa Teresinha às suas noviças que seguiam seu caminho: “Se induzisse em erro quando as incito a caminharem por esta minha vida reduzida do amor, não tenham medo que as deixasse caminhar muito tempo por ela: do céu lhes viria logo dizer que tomassem por outro caminho; mas, se não vier, acreditem na verdade das minhas palavras: nunca é demais a confiança em Deus tão poderoso e tão misericordioso! Tudo alcançaremos d’Ele se tudo esperarmos, porque a medida de sua liberalidade é a nossa confiança”.

As últimas palavras de Santa Teresinha antes de morrer foram: “Oh! Amo-O... Meu Deus, eu... Vos... amo!”, ditas com o olhar cravado no crucifixo. É como se eu a escutasse, a força da voz, inclusive. Ao expirar, a santa permaneceu sorrindo, como a Virgem do Sorriso a quem tanto rezou durante toda a sua vida. Terminada a história, há um epílogo contando a história do processo de canonização de Teresinha. Fosse como nos primórdios, seria declarada santa no mesmo dia da morte, por aclamação. “Santo súbito”, como se dizia. Lendo o relato, em nenhum momento houve qualquer dúvida ou risco de ela não acontecer. As chuvas de rosas prometidas por Teresinha não só aconteceram, como foram e continuam sendo abundantes, basta ter olhos para ver e nariz para cheirar seus perfumes.

Fiquei a meditar sobre o resultado da novena que fiz a Santa Teresinha antes de iniciar essas meditações. Acho que foi no último ou penúltimo dia que, voltando de uma caminhada, dei-me conta de uma roseira existente no jardim do meu prédio. Eu nunca tinha dado atenção, mas, naquele dia, elas me “chamaram”. Apenas sorri, agradecido pela graça recebida, que no caso era me fazer ver que a graça já havia sido dada, estava plantada em mim. Mas só agora, finda a Quaresma, entendi isso melhor.

A raiz está firme e o que nasce parece ter resistência suficiente para crescer e, se Deus quiser, dar frutos. A resposta que recebi de Deus nesta Quaresma foi esta, como de pai feliz pelo esforço do filho: “Fique tranquilo, confie em Mim. Apenas persevere e não dê mole para o djanho”. Acho que a maior graça em ter relido Santa Teresinha foi esta: saber que o caminho é este, sentindo sob os pés um chão mais firme. Posso perder o rumo, claro. Mas isso não me apavora. Não mais. No caminho do temor ao Amor a Deus, o melhor marco de que se está indo na direção certa é isso: o medo vai dando lugar a uma fé serena.

Sinto-me próximo de Teresinha, acho que mais do que de Santo Agostinho, com cujas confissões já passei duas Quaresmas a meditar, uma delas também por aqui, através destas colunas. Não saberia explicar por quê, mas talvez uma lembrança dela me ajude a expressar isso: “No momento da comunhão, imagino às vezes a minha alma sob a forma de uma criancinha, que à força de brincar desalinhou os cabelos e manchou os vestidos – são misérias que me sucederam no lidar e batalhar com as almas. Acode logo, porém, a Santíssima Virgem, e chegando-me a mim, tira-me num instante o meu babador amarrotado, alisa-me e compõe-me a cabeleira, enfeitando-a com uma fita vistosa, ou simplesmente com uma florzinha... e aí eu fico toda esbelta e graciosa para me assentar ao banquete dos anjos sem risco de me envergonhar”.

No caminho do temor ao Amor a Deus, o melhor marco de que se está indo na direção certa é isso: o medo vai dando lugar a uma fé serena

Quando consigo realmente comungar, é também como criança que me vejo no espaço interior de uma igreja sem bancos. Há várias crianças brincando ao redor, correndo, se divertindo. Entre elas, meu pai. Como criança. Eu me sinto meio apatetado, entre maravilhado e envergonhado, por achar não merecer estar ali. Na maioria das vezes, há uma cerca baixa me separando das crianças e de Jesus, sentado em seu trono, sorrindo para as crianças, mas parecendo me ignorar.

É sempre Nossa Senhora quem vem ao meu encontro e se me oferece abrindo os braços. Lanço-me em sua direção, afundando-me em seu manto, abraçando-a com força, aos soluços, implorando para cuidar do meu pai. Sem saber dizer mais nada, pedir mais nada. Ela me consola, faz cafuné, enxuga minhas lágrimas. Nada diz, como se dissesse, aos sorrisos: “está tudo bem”. Sinto-me em estado de graça, leve, desfeito do apatetamento. E pego Jesus a nos observar de longe, sorrindo com muita ternura, dando uma piscadinha. Será que é Teresinha a me ajudar a comungar? Se não era, invoco para que seja.

“Do alto do Céu há de olhar para nós, não é verdade?”, perguntaram a Teresinha, que respondeu: “Não hei de olhar, hei de descer”. No que me lembro que meu batismo se deu na igreja de Santa Teresinha, aqui em Curitiba. Não é uma rosa, não é um perfume, mas um sorriso. Um sorriso brotando do coração aqui para o meu rosto. E me veio a imagem da santinha também a sorrir, de mãos dadas com a Virgem do Sorriso. “Ninguém me há de invocar que não obtenha resposta”, disse. Santa Teresinha do Menino Jesus, rogai por nós. Amém. Uma santa e feliz Páscoa a você, leitor que por aqui me acompanhou durante esta Quaresma.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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