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Não tenho qualquer prazer em escrever sobre o aborto. Faço por necessidade e urgência. É tema exigente. Penoso, convenhamos. Eu mesmo gostaria de estar escrevendo sobre história da arte, culinária, literatura e futebol. A bizantina discussão sobre o cacheado dourado do cabelo dos anjos seria mais prazerosa só por ser improdutiva. Discutir a ternura de A Leiteira de Johannes Vermeer e apreciar a descrição das gotas de chuva por Updike são metas para aposentadoria.

Quem ousaria pensar no suposto dilema entre enfrentar o brado colérico de feministas e propiciar ao corpo e à alma o melhor dos prazeres estéticos está por fora. Para mim, essa dúvida não faz o menor sentido. Desculpem o pedantismo, minhas necessidades são outras. Problematizar o mundo dá uma preguiça. Confessarei meu atual flagelo: Se optei por me posicionar no debate público acerca do aborto, foi por obrigação e respeito à minha consciência moral. Alguns amigos acham que é obsessão. Não sei, mas, para confirmar, sugiro lerem o texto até o final.

Só sei que eu não consigo ficar passivo diante da energia gasta para tentarem, a qualquer custo, liberar o aborto no Brasil. Não dá, sinto muito. Bem ali diante do nariz, inventam nova realidade, saturam dados, incham estatísticas, ofendem a mãe. Gritam, esperneiam, rasgam as vestes. Sem contar a agressividade ressentida, o ódio calculado e a dissimulação perturbada como estratégias para calar, com dedo em riste, quem tem opinião segura de que a vida tem valor incondicional desde a concepção. Os atuais defensores do aborto dão uma canseira. Quase deprimem. Quase. Porém, vale pelo que está em jogo. Ou a vida não vale o que vale?

De qualquer maneira, está aí prova concreta de que não há limites para imaginar. O problema, todavia, é quando a imaginação se torna o único conteúdo e critério para julgar e agir, para deformar a lei, fazer a lei se conformar com as irresponsabilidades. Com certa prudência antiutópica, leis precisam apontar o mundo em que desejamos viver, não legitimar a miséria do mundo em que vivemos. Os atuais defensores do aborto imaginam demais, mentem demais, gritam demais. Direito não é questão de gosto; quiçá conveniência do mais forte. Justiça não é de quem grita mais alto. Se fosse, se tudo não passasse de relação de poder, tudo deveria ser permitido. Viva o mais forte, a glória de quem determina seu poder desprezando a vida em suas condições extremas.

Meu sogro, quando viu o título do meu livro sobre o aborto, indagou com surpresa: “por que um livro ‘Contra o Aborto’, tem gente a favor? Escreva sobre outra coisa!” Difícil de explicar para quem tem senso moral resolvido a quantidade de gente que trata a maternidade como imposição de um castigo. Sim, não só tem gente que é favor do aborto como ainda usa dos meios mais mentirosos e trapaceiros para torná-lo uma “conquista pública” das mulheres. Nunca a maldita frase atribuída a Maquiavel fez tanto sentido: “os fins justificam os meios”. Eu sempre me perguntei quais seriam esses “fins”. Nada como destruir um inocente e chamar de liberdade sexual. Detalhe: querem que a conta seja paga com o dinheiro público, pelo SUS. Afinal, “meu corpo, minhas regras; mas a conta é de todos”.

Sim, tem gente que defende o aborto e oferece as razões mais estapafúrdias. Isso para não dizer que separam gravidez de sexualidade — mas deixa pra lá esse assunto. No Senado, por exemplo, estão fazendo uma “consulta pública” para saber o que a população acha de “Regular a interrupção voluntária da gravidez, dentro das 12 primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde”. A democracia é uma bênção; e a vontade geral, infalível.

Se brasileiras interrompem a gravidez por algum motivo, não se pode negligenciar a pergunta: são esses motivos suficientes para legitimar aborto? Todos os motivos expostos no texto apresentado da sugestão da lei tratam o aborto como se fosse resolver problemas de outra ordem. Não resolve, mas acentua. Chamar de “interrupção da gravidez” muda a realidade de que a mulher está grávida de um filho? Não. Uma mulher que decide interromper a gravidez é mulher que rejeita o filho por inúmeras razões, psicológicas e sociais. Em vez de encarar o problema, oferecem atalhos — que serão pagos com dinheiro público.

As razões e os meus comentários:

1. “adiar a gravidez para um momento adequado ou para concentrar energias e recursos em crianças já existentes.” — Há um pressuposto complicado aí: o de que o embrião não é uma pessoa existente. O embrião pode não ser “criança já existente”, mas não é um “filho existente”? Outra pergunta: por que ficou grávida se não tinha recursos e energias suficientes para ter outro filho? A verdade “mulheres ficam grávidas de filhos” é intuitiva.

2. “Algumas mulheres, no entanto, são incapazes de cuidar de um filho, quer em razão dos custos diretos, ou devido à ausência ou falta de apoio de um pai.” — Se são incapazes de cuidar de um filho, por que não evitaram a gravidez? Tantos recursos disponíveis. Os dois motivos (“custos diretos” e “ausência ou falta de apoio de um pai”) são problemas que precisam ser enfrentados e não resolvidos por um atalho, ainda mais o atalho do SUS.

3. “Outras desejam planejar para proporcionar uma melhor educação para seus filhos no futuro”. — Planejasse antes de ficar grávida. Ficou? Assumir as consequências se chama responsabilidade, e deve recair para o pai e a mãe. Vida sexual não é brincadeirinha de criança. Está desesperado? Compre uma televisão, um videogame… Vai ler um livro, isso!

4. “As gestantes também podem possuir graves problemas de relacionamento familiar, ou se considerar jovens demais para se tornarem mães.” — não era jovem para se relacionar sexualmente. Problemas familiares não sumirão depois que o aborto for realizado; aliás, poderão se agravar ainda mais, criar novas feridas.

5. “Não raramente, abortos também são resultado de pressões sociais: para uma mulher, pode ser insuportável o estigma de ser mãe solteira ou mãe precoce.” — será suportável para uma mulher o estigma de ter sido mãe precoce que abortou? Fato é que o aborto precoce (para a consciência de uma mulher, praticar o aborto é matar o próprio filho) não resolverá o problema da gravidez precoce, muito menos do “estigma” e das “pressões sociais”. A imoralidade perversa do aborto não muda porque senadores criaram leis afirmando o contrário.

6. “A insuficiência dos programas de apoio financeiro para as famílias, a falta de acesso ou a rejeição a métodos contraceptivos, e a estigmatização de pessoas com deficiência também são fatores que podem resultar em aborto obrigatório ou seletivo.” — sobre a falta de acesso ou a rejeição a métodos contraceptivos não há desculpas. Se não pode ter filhos, abstenha-se das relações sexuais. Continência é virtude; e se beber, não dirija. Sobre a “estigmatização de pessoas com deficiências” como aborto seletivo e obrigatório, isso só demonstra a mentalidade eugênica por trás do aborto.

Liberar o aborto, segundo os motivos apresentados, portanto, significa não outra coisa senão corroborar com gente irresponsável e preconceituosa.

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