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Brevíssimas considerações sobre filosofia
| Foto: Johnnie Shannon/Pixabay

A filosofia como vocação

Recorro a Aristóteles: o homem, por natureza, deseja o saber. O sujeito da vocação filosófica não é um indivíduo com “dons” especiais; é o ser humano, porque a curiosidade é uma característica intrínseca a todos os homens. Não acredito que todos desejem ser filósofos ou estejam dispostos a encarar os desafios da filosofia. Existe uma predisposição no coração de cada homem para conhecer e desvendar os mistérios da natureza, saber como viver uma vida digna de ser vivida, buscar a verdade, o bem, a beleza e a justiça.

Alguns preferem se manter no conforto de suas convicções pessoais. Todos amam a verdade; nem todos têm coragem de ir até às últimas consequências para investigá-la. Uma psicologia do ato de filosofar poderia descrever o interesse pela verdade. Psicologia, aqui, entendida como compreensão mais adequada da alma humana. Não devemos psicologizar demais no sentido subjetivo. A filosofia é universal, embora a busca seja sempre pessoal.

O filósofo e seus problemas

O cerne da atividade filosófica é buscar o parâmetro para uma maneira correta de viver sem negligenciar a experiência direta de se estar o tempo todo diante do desconhecido, de que as coisas boas e justas são difíceis. A vida do pensamento não pode estar divorciada da experiência do mundo da vida e vice-versa. Trata-se, portanto, de considerar que se está vivendo no interior de uma tensão existencial entre certeza, pretendida pela razão, e incerteza, o fato mais bruto do mundo. O filósofo é aquele que se põe à tarefa de formular problemas, portanto.

Todos amam a verdade; nem todos têm coragem de ir até às últimas consequências para investigá-la

Rémi Brague explica direitinho o que deveríamos esperar tanto da história da filosofia como para o filósofo na atualidade: “Contra a degenerescência da língua filosófica em um jargão técnico, a história da filosofia nos permite compreender a emergência do empreendimento filosófico no âmago e a partir da experiência de todos os dias, tal como ela se expressa na linguagem cotidiana. Ela, a história da filosofia, reconstrói as variações de sentido que conduziram à utilização das palavras como termos técnicos. Com isso, ela pode nos ajudar, indiretamente, a encontrar o caminho que conduz às experiências originais para as quais esses termos técnicos foram forjados. Ela pode até mesmo, eventualmente, ajudar-nos a criar termos que seriam mais adequados a nossos hábitos linguísticos atuais e teriam maior eficácia para o ensino”.

Em resumo, o papel da filosofia é sempre um guia para nos orientar no caos da informação, uma atividade cujo trabalho começa por fazer perguntas e apresentar distinções, sem aceitar nada como pressuposto. Nesse caso, questionar todos os pressupostos.

Ensinar filosofia ou filosofar

O ensino do filosofar não faz muito sentido quando se despreza os filósofos do passado. Não leio Plotino e Agostinho, Aristóteles e Tomás de Aquino ou Montaigne e Hume por caprichos da erudição, por ser diletante. Há interesse genuinamente filosófico na leitura dos grandes mestres. A leitura dos filósofos atuais não me autoriza a esquecer o que a filosofia produziu em sua história. Acreditar nisso é incorrer no erro bobo de achar que o que foi feito hoje superou o que foi feito ontem.

Embora as motivações sejam contextualizadas, a pretensão dos filósofos é atemporal. Platão filosofou motivado pela morte de Sócrates. Mas a resposta dada ao problema da justiça na democracia como resultado da corrupção espiritual do relativismo proposto pelos sofistas ultrapassa os limites dessa específica história ateniense. Kant teve o sono perturbado por Hume. Sua filosofia, todavia, não se limita aos dilemas vividos no século 18.

A crítica de Kant aos “sonhadores dos sentidos” – referência a quem acredita ter visões místicas – e aos “sonhadores da razão” – referência ao suposto poder da razão em conhecer além da experiência – é tão atual quanto o meu laptop. Daqui a alguns meses jogo meu laptop fora; Kant continuará aberto na minha escrivaninha.

Como estudar filosofia

Textos de filosofia são respostas a problemas específicos que perturbaram gerações de homens reais, problemas que foram resolvidos e que podem ser retomados ao longo da história. A obrigação da análise crítica em filosofia é ir diretamente à fonte, ler o texto no original e compreender o que cada conceito significa no contexto histórico e problemático em que a obra foi escrita.

Começar perguntando não por aquilo que motiva psicologicamente um filósofo, mas pela pergunta filosófica que está objetivamente formulada no texto é um caminho promissor para quem está interessado a começar a estudar filosofia.

A leitura dos filósofos atuais não me autoriza a esquecer o que a filosofia produziu em sua história. Acreditar nisso é incorrer no erro bobo de achar que o que foi feito hoje superou o que foi feito ontem

Obras de filosofia são obras difíceis – talvez as mais difíceis de todas. Por isso arrume tempo, paciência e um tipo especial de atenção. Devemos cultivar o tempo e não o tratar como inimigo. Filosofia exige um tipo especial de reflexão, repertório e, principalmente, disposição. Depois, ser modesto nas pretensões é um grande passo para começar a entender filosofia.

A filosofia se realiza em comunidade; por isso, converse sempre com quem é interessado em filosofia. Independentemente das nossas acidentais motivações biográficas para se estudar este ou aquele filósofo, é preciso considerar que a filosofia pode ser definida como o compromisso autoconsciente com a liberdade, a linguagem e a realidade.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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