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Contra a ética dos animais
| Foto: Alexas Fotos/Pixabay

Não faz sentido falar em ética dos animais, exceto como expressão de nossa própria humanidade. O animal ético e digno de direitos fundamentais é, até onde se sabe, o animal humano; aquele que é capaz de humanitas, isto é, ser educado como humano. Sem querer exibir meu latim, a palavra humanitas tem dois significados interessantes: marca a relação do homem com o que é menos do que ele e, ao mesmo tempo, marca a relação do homem com o que é mais do que ele. Traz, assim, no reconhecimento de um valor um limite.

Enquanto valor, o termo humanitas marca o que distingue os homens de outros animais – e às vezes pode demarcar também uma diferença com relação a outros seres humanos. Enquanto limite, refere-se ao reconhecimento de que nós, humanos, não somos nem deuses nem bestas. O homem é um meio termo que vive entre o reino animal e o reino dos céus. Um homem que perde a cabeça e age como um animal ainda responde, diante da justiça dos homens – e, por que não?, de Deus –, como ser humano.

Um animal não humano não reconhece suas ações e limitações. Por ser determinado por sua condição biológica, não diferencia sua relação com o que é maior do que ele e tampouco com o que é menor. Todo animal, com exceção do homem, age conforme leis determinadas pela sua própria natureza. Um animal não humano não tem consciência e liberdade. Sendo assim, jamais será capaz de responder por seus atos. Todos os seus movimentos são condicionados aos imperativos das leis biológicas. Numa palavra: não é livre. Se não é livre, não é ético.

Meu cachorro sente e percebe, mas não é alguém. Não posso exigir dele responsabilidades que exijo dos meus filhos

Por outro lado, um homem não se movimenta apenas por tais forças cegas impostas pelas leis biológicas. Seus atos são sempre atos pessoais, à medida que o domínio e o reconhecimento que tem de si expressam liberdade e responsabilidade. Ou seja: o homem é livre e, por isso, tem responsabilidades. É inteligente e consciente, por isso deve responder por suas ações. E, se não age por liberdade, é porque renunciou a sua humanidade.

O homem não se limite ao plano físico e biológico, mas ao plano moral. Ele consegue quebrar toda ordem de condicionantes externos, físicos e biológicos. Quando falamos em “natureza humana”, significa que falamos exclusivamente de um ser que se concebe como “pessoa”. Negar a propriedade de “pessoa” aos animais, por exemplo, não implica em poder infligir-lhes sofrimento desnecessário. Se causamos sofrimento, é por necessidade. E devemos fazer de tudo para minimizar a dor dos animais que nos servem de alimento.

Só uma mente muito perversa e doentia chega à conclusão de que, do fato de não ser pessoa, pode-se infligir sofrimento a inocentes. Cães sentem e percebem, isso é fato. Mas não basta sentir e perceber para fundamentar uma “ética animal”. De que animais não humanos possuem sensibilidade não segue que devam ser tratados como “pessoas”. Meu cachorro sente e percebe, mas não é alguém. Não posso exigir dele responsabilidades que exijo dos meus filhos.

Os grupos de defesa da dignidade dos animais adoram apelar para imagens de animais sendo brutalmente torturados para sensibilizar a opinião pública a respeito dos direitos dos animais. São imagens fortes que comovem qualquer um com estômago. Isso coloca um problema: o fundamento da ética na comoção diante de uma imagem chocante. Um psicopata pode ficar muito à vontade com tais imagens.

Fundamentar valores éticos no sentimento é relativismo. Reduz o ético a possibilidades de comoção diante da experiência sensória. É relativista à medida que depende de uma “condição”: pressupor que do estado de comoção emotiva é legítimo um valor moral objetivo: animal é gente porque sofre. Se não sofre, não é gente. Veja o que defensores dos direitos dos animais pensam do aborto de embriões humanos: não sofrem, não são gente. Se não são gente, pode matar.

A postulação de uma máxima moral do tipo “não se deve maltratar os animais porque eles sofrem, pois veja só como eles sofrem!” é sempre hipotética e, por consequência, relativa. Ela é do tipo: “Se você fizer isso, eles sentirão dor. Não gostamos de sentir dor. Olha como eles sentem dor. Então, não devemos fazê-los sofrer”. Só que a ética depende de princípios compreensíveis por seres conscientes e racionais, seres capazes de compreender (e não tão somente sentir) o significado do sofrimento de ser um ser vivo. Em resumo, é por isso que sou contra a “ética dos animais”.

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