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Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo pelo Psol
Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo pelo PSol.| Foto: Divulgação

Nessas eleições municipais, aproveitei para colocar algumas leituras em dia a respeito da tortuosa relação entre o Brasil e a democracia. Antes de recomendar o livro que eu li (se não quiser ler o resto deste texto, pule pro último parágrafo), gostaria de reforçar uma coisa: votar no dia das eleições não deveria ser tratado como o fim da democracia. Trata-se, na verdade, apenas de um processo, dentre tantos outros, que ajuda a fortalecer o sentimento cívico das pessoas com relação à coisa pública. Lindo na teoria quanto na prática, principalmente quando se trata de eleições municipais.

Considero as eleições municiais politicamente muito mais significativas e instigantes do que a própria eleição presidencial. Não quero reabilitar aqui uma velha disputa teórica acerca da centralização do poder no âmbito na natureza do federalismo; o fato é que demonstrar preocupações políticas locais consiste numa experiência muito mais realista e pragmática em termos políticos do que a possibilidade de um ideal difuso e perigoso da busca de um salvador da pátria. A política das causas últimas é antipolítica.

Condôminos não querem saber da política como “luta do bem contra o mal”. Eles estão interessados em saber se não faltarão serviços básicos como água, iluminação adequada, lixo, segurança

Na relação e alternância democrática entre governantes e governados, ninguém vota no prefeito ou no vereador de sua cidade porque eles prometem salvar o povo de uma ameaça imaginária – comunista, fascista ou neoliberal. Exceto, claro, em grandes metrópoles, como é o caso de São Paulo, por exemplo, em que figuras como Guilherme Boulos insistem em tratar essas eleições municipais como prenúncio da luta mítica do amor contra o ódio. A eleição definitiva para conduzir o povo de uma vez por todas à terra prometida.

Pensar assim é fazer política em tons apocalíticos, de guerra amigo-inimigo e de disputa do final feliz da história. Uma democracia que não aceita o contraditório no interior, só o idêntico e o mesmo. Nada muito diferente do que pensam os bolsonaristas mais radicalizados. Nesse sentido, essas ideologias fazem parte de uma mesma família mental ao tratar política como a representação da luta do bem contra o mal. E se você não está comigo, é o inimigo mortal da democracia.

Veja o que Lula escreveu em sua conta do Twitter para dar a bênção ao candidato do PSol que disputa o segundo turno em São Paulo: “Todos os eleitores e eleitoras que votam no PT, todos os eleitores que são de esquerda, todos os eleitores progressistas, todos que querem restabelecer a democracia no Brasil, tem agora o compromisso histórico de votar no companheiro Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo.”

Detalhe: enquanto Lula exorta todos os eleitores de esquerda (seja esquerda petista ou progressista), não há qualquer problema. É o líder carismático convocando seus simpatizantes a votarem no candidato que ele aprova e apadrinha. No entanto, quando ele inclui dentre “aqueles que têm agora o compromisso histórico de votar no Guilherme Boulos” “todos que querem restabelecer a democracia no Brasil”, Luiz Inácio Lula da Silva já não fala mais como líder político. Ao contrário, ele age como postulante messiânico de uma mensagem salvífica.

Por tudo isso, considero eleições municipais um balde de água fria nesse tipo de delírio. O relacionamento entre as pessoas reais e o político tende a ser muito mais pé no chão, estreito e preocupado com temas concretos. No dia a dia da cidade, prefeitos e vereadores são destituídos da aura mágica que envolve salvadores da pátria. Há um processo de desencantamento do mito político quando estamos diante do que é mais familiar e próximo.

Você consegue imaginar um candidato a síndico de prédio com o discurso: “o amor varrerá o ódio”, “vote na esperança” e coisas do tipo? Os condôminos não querem saber da política como “luta do bem contra o mal”. Eles estão interessados em saber se não faltarão serviços básicos como água, iluminação adequada, lixo, segurança etc. Por um instante, pense num município como um grande condomínio público com problemas práticos de administração e governança. A democracia é uma experiência de negociação para cuidar daquilo que é comum aos condôminos mediante ampla discussão em assembleias.

Não que eu ache que política se resume à vida condominial. O que estou dizendo é que na experiência familiar do exercício político há um esvaziamento de temas ideológicos proféticos. E considero esse um bom ponto de partida para pensar o exercício da participação democrática. O que vamos decidir na democracia? Como vamos decidir na democracia? Com a experiência local das eleições municipais é mais fácil visualizar o que realmente interessa em política.

O livro que li no último fim de semana foi O Brasil à procura da democracia, de Newton Bignotto. No próximo texto, prometo trazer mais informações sobre ele.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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