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O preço do paraíso na terra
| Foto: Bigstock

Na Colômbia, o aborto foi legalizado pela Corte Constitucional numa manobra muito parecida com a que tentam fazer aqui no Brasil. Se o Congresso não decide essa questão, a Suprema Corte assume a nobre tarefa de mandar. O poder do povo é deposto pelo poder dos magistrados. Parlamento e discussão se tornam inúteis comparados à luz dos sábios de toga.

Como se não houvesse amanhã, ativistas comemoraram a possibilidade de fetos com até seis meses de vida serem mortos sem qualquer ônus legal para quem tomou a decisão de abortá-lo. Agora sim a Colômbia se tornará um país grande e civilizado, pois nada como o direito de sacrificar os próprios filhos no altar do progresso, da autonomia do corpo da mulher e da liberdade.

Ironicamente, o movimento que protagonizou a legalização do aborto na Colômbia se chama Causa Justa. Nada como a arte da dissimulação. Suas cores verde e branco tingem as manifestações de apoio e faz brilhar o rosto entusiasmado das ativistas. Causa Justa se apresenta como “um movimento que busca que as mulheres possam tomar decisões autônomas e livres com base em sua própria consciência moral; e reconhecer o aborto como um verdadeiro direito fundamental e não um direito parcial”.

Agora sim a Colômbia se tornará um país grande e civilizado, pois nada como o direito de sacrificar os próprios filhos no altar do progresso, da autonomia do corpo da mulher e da liberdade

Causa Justa existe há mais de 20 anos e ao longo de suas pesquisas e “debates” organizou um documento com 90 argumentos que sintetizam a discussão sobre por que o aborto deve ser totalmente descriminalizado e o crime eliminado do Código Penal colombiano. O documento tem mais de 190 páginas e foi editado pela médica e ativista Ana Cristina González Vélez, uma das principais responsáveis pelo pedido de legalização do aborto junto à Corte Constitucional.

No documento, “embrião” é mencionado apenas 7 vezes e “feto”, 21. Por sua vez, o termo “mulher” é mencionado 341 vezes. Isso dá uma ideia da preocupação dessas ativistas com relação ao estatuto antropológico e moral da vida em condição embrionária. Para ser preciso, o documento é explícito em alegar que “o embrião não pode ser considerado uma pessoa e que tampouco é titular de direito”. Porque não haveria “equivalência entre o direito à vida e/ou à saúde da mulher e a salvaguarda da vida do embrião”. Puro desprezo pela vida de alguém em sua extrema fragilidade.

Ainda segundo o documento, “a liberdade das mulheres passa pela eliminação do crime de aborto”. Para Causa Justa, uma “‘pessoa se torna pessoa através da mediação feminina e somente a mãe pode confiar a tutela do embrião’ sob pena de retirar o poder de decidir e a plenitude moral do sujeito feminino”. Em suma, o valor fundamental de uma pessoa é determinado pela decisão de uma mulher.

Agora podemos ficar tranquilos. Um único detalhe me impedia de ser a favor do aborto, uma coisinha boba, que às vezes pode parecer insignificante e até invisível: o embrião. Lendo os argumentos de Causa Justa, descobri que a gente só é pessoa quando uma mulher tem o poder absoluto sobre o próprio corpo e, claro, pode abortar. Se despenalizar aborto consiste em legitimar que essa coisinha possa ir para a lata do lixo, também significa que pessoas só se tornam pessoas em virtude de decisão da subjetividade feminina. Aqui a liberdade feminina se tornou o supremo poder.

Quando escrevi meu livro Contra o Aborto, eu tinha – e ainda tenho – uma certa expectativa de que algumas pessoas pudessem rever suas opiniões. Todos os meus argumentos giram em torno de demonstrar, filosoficamente, que o embrião é pessoa desde a concepção e que isso não depende da decisão subjetiva e liberdade de ninguém. A relação mulher e embrião não pode ser uma relação de poder, a vida não pode estar sujeita à arbitrária decisão do mais forte em detrimento do mais fraco. Desde a concepção todos nós já somos pessoas, independentemente de isso trazer felicidades ou tristezas para os outros.

Porém, o que mais escutei foi: “homem não tem de falar do aborto. Esse livro não tinha de ser publicado”. Claro, lia isso de gente a favor do aborto. Gente que não tolera opiniões contrárias e que não aceita o debate de ideias. O autoritarismo dessa gente chega a ser constrangedor: fazem de tudo para calar críticas e acham que matar uma pessoa com seis meses de vida significa liberdade, dignidade e justiça. Lendo Causa Justa entendi o que está em jogo: o desejo de edificar o paraíso na terra, custe a vida que custar.

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