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Para ler os clássicos da filosofia política
| Foto: StockSnap/Pixabay

Recentemente um velho amigo me perguntou como eu fazia para ler clássicos da filosofia política. Entendi a pergunta no sentido de quais estratégias eu adoto para melhorar minha performance de compreensão desses textos difíceis. De fato, obras clássicas de filosofia política exigem um pouco mais do leitor e, diante de tanta porcaria sendo publicada a respeito de política, encarar um clássico pode ser como encarar uma pedreira.

Qualidade de leitura é algo tão técnico quanto a qualidade de escrita. Depende de aprendizado e não de genialidade inata. Porém, não sou daqueles professores que defendem a tese de que para alguém escrever bem é preciso ler bastante. Ler e escrever são atividades distintas. E ler bastante por si só não significa nada. Precisamos ler bem, com critérios claros a respeito do tipo de leitura que estamos praticando, e não apenas ler muito.

Nunca atribua a um filósofo algo que ele não disse; nada depõe mais contra um leitor do que isso

Ao contrário de toda a nossa experiência de leitura em era de rede social, jamais devemos ter pressa para terminar um clássico. A compreensão dos clássicos requer tempo, paciência e um tipo especial de atenção. Cultivar o tempo e não o tratar como inimigo é um bom caminho. Vale ressaltar que filosofia política não significa atividade política, mas pensamento filosófico acerca da atividade política. Desta forma, exige um tipo especial de reflexão, repertório e disposição.

Com relação aos textos, há basicamente três tipos de textos em filosofia. O texto original; o comentário; e os textos introdutórios a um problema histórico, a um filósofo ou a um período da filosofia. Como um sistema solar, a obra original tem um centro de gravitação e todos os outros textos e livros estão em órbita. O problema de uma obra original é a lei que sustenta esse “sistema”. Todos os comentários críticos, introduções, compêndios e obras históricas são para facilitar o acesso a este problema. Portanto, nunca deixe de perguntar qual é o problema de uma obra.

Ler textos filosóficos com rigor não significa um mero capricho de acadêmicos. Significa, antes de tudo, o respeito pelo esforço do filósofo em ser devidamente compreendido. Na academia aprendemos diferentes métodos de leitura e interpretação de texto; entenda a natureza filosófica de cada método.

Da graduação ao doutorado, o exercício de leitura e interpretação de textos filosóficos caracteriza-se como o núcleo principal da atividade de um estudante – tratamos o texto como um documento vivo, mas o filósofo não está ali para se defender; por isso, devemos respeitá-lo e não poupar esforços para entendê-lo. Por honestidade intelectual, nunca atribua a um filósofo algo que ele não disse; nada depõe mais contra um leitor do que isso. O que o filósofo “disse” ou “quis dizer” está dito no texto.

Ler bastante por si só não significa nada. Precisamos ler bem, com critérios claros a respeito do tipo de leitura que estamos praticando, e não apenas ler muito

Textos de filosofia são respostas a problemas específicos que perturbaram gerações de homens reais, problemas que foram resolvidos e que podem ser retomados ao longo da história. Desprezar a história da filosofia pode ser um tiro no pé.

A obrigação da análise crítica em filosofia é ir diretamente à fonte, ler o texto no original e compreender o que cada conceito significa no contexto histórico e problemático em que a obra foi escrita. Assim, comece perguntando não por aquilo que motiva psicologicamente um filósofo, mas pela pergunta filosófica que está objetivamente formulada no texto.

Para desfrutar de uma boa leitura, arrume bons dicionários, léxicos e compêndios. Há especialistas que dedicam a vida organizando essas obras. Não se deve ler obras de filosofia sem bons “instrumentos” de leitura em mãos. Tais obras não são bulas de remédio, não são manuais de como “agir” ou resolver “problemas cotidianos”. Segundo: leia com lápis e bloco de notas. Anote tudo, faça esquemas, resumos e crie o seu próprio “índice”. Terceiro: tenha em mente que você precisará fazer no mínimo umas três leituras. Não se trata de romance para ler nas férias. O drama de uma obra clássica é de outra natureza.

Há pelo menos três tipos de leitura, de como devemos atacar o texto. A primeira leitura deve ser geral. Essa leitura serve para obter uma visão abrangente da obra, isto é, apresentar o “aspecto paisagístico”. Em outras palavras: ler de cabo a rabo. A segunda leitura é estrutural. Seu objetivo consiste em fornecer o “esquema arquitetônico” da obra; por isso, ela exigirá muito mais esforço do que a primeira. A terceira leitura é conceitual. Você terá uma visão mais consistente dos termos e começará a desfrutar do vocabulário próprio de cada autor.

Um livro de filosofia política para começar a se divertir é Apologia de Sócrates de Platão. Desafio o leitor a saber o porquê.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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