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Forças de segurança inspecionam os estragos dentro da igreja após atentado terrorista no Sri Lanka. Jewel Samad/AFP
Forças de segurança inspecionam os estragos dentro da igreja após atentado terrorista no Sri Lanka. Jewel Samad/AFP| Foto:

Em pleno domingo de Páscoa, a data mais importante para o cristão, o mundo foi surpreendido pelos atentados terroristas no Sri Lanka. Sem querer reduzir as vítimas a meras estatísticas e abstrações jornalísticas, os números são aterradores: das 8 explosões coordenadas, o cômputo geral já soma 359 pessoas mortas e mais de 500 feridas. Uma marca triunfante para os guerreiros jihadistas: esses mártires da guerra em nome de Deus que conseguiram acesso direto e imediato ao Paraíso. A lógica jihadistas é bem simplória; o difícil é entender como alguém se dispõe a matar e a morrer em nome de Deus. Que tipo de submissão a Deus é essa que, em vez de salvar, destrói o pecador?

De acordo com o Alcorão, “que combatam pela causa de Deus aqueles dispostos a sacrificar a vida terrena pela futura, porque a quem combater pela causa de Deus, quer sucumba, quer vença, concederemos magnífica recompensa”. Como ninguém duvida da fé daqueles que se martirizam em nome de Alá, depois que morrem, acreditam, eles entram imediatamente no Paraíso, sem dar mais satisfação aos “anjos da sepultura”. É tentador, de fato. Porém, vale destacar um detalhe importante: homens-bombas não são suicidas, pois o suicídio é altamente condenável no islamismo. Não odeiam o mundo, não são niilistas entendidos e estão longe daquele desejo satânico de se colocar no lugar de Deus. São servos de uma causa, creem para destruir.

Sinceramente, não acho que a maioria dos fiéis do Islã defenda o terror e a violência contra aqueles que não são islâmicos. Há uma belíssima Surata (no Alcorão) que sinaliza a incompatibilidade entre o terror e o Islã: “quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade”. Contudo, paz e guerra são duas faces irreconciliáveis dessa religião que se confunde com política e legislação. A tensão entre paz e guerra — que vem da indistinção entre a religião, a política e o direito — está diretamente relacionada ao próprio Maomé, que viveu como profeta e combatente militar; homem piedoso e guerreiro; legislador e político. Essa é uma dificuldade que o Islã pacífico e espiritual precisa enfrentar.

Nos atentados em Sri Lanka, os principais alvos foram três importantes Igrejas Católicas e alguns hotéis de luxo. Trata-se, evidentemente, de uma guerra declarada contra inimigos do Islã. Isso equivale a dizer que estamos no âmbito de uma guerra declarada contra os inimigos de Alá, que devem ser considerados, por sua vez, amigos de Satanás. A lógica simplória se expressa com clareza cartesiana: inimigo do Islã, amigo de satanás. Portanto, trata-se de uma guerra contra os infiéis e os hipócritas. Guerra para purificar. Não é um atentado de “retaliação”, mas uma escolha profunda de submissão calculada pela causa mais sagrada: a vitória de Alá e o Paraíso.

De acordo com a Surata 9.73, os infiéis têm destino certo: “Ó profeta! Luta contra os renegadores da fé e os hipócritas, e sê duros com eles. E sua morada será a Geena. E que execrável destino”. Todo jihadistas que mandar um inimigo do Islã para o inferno será perdoado: “Em verdade, se fordes mortos, no caminho de Alá, ou se morrerdes, perdão e misericórdia de Alá serão melhores que tudo quanto eles juntarem”. Defender o Islã, no ponto de vista dos extremistas, significa destruir todos os inimigos, e não só os que estão diretamente envolvidos em uma guerra. Por exemplo, pelo simples fato de cristãos existirem como cristãos é que merecem ser mortos. Mortos por serem cristãos; inimigos de Alá, amigos de satanás. Basta um extremista levar essa lógica às últimas consequências. Na mente de um jihadistas, submissão e martírio são fases de uma mesma medalha.

No Sri Lanka, as Igrejas estavam lotados de fiéis (ou, dependendo da perspectiva, de infiéis, inimigos, adversários…) que celebravam a data mais importante para cristianismo: a Ressurreição de Cristo. Eu sei que não se pode racionalizar demais aqui, estamos diante do mistério da fé cristã. De fato, a Ressurreição de Cristo é uma crença paradoxal, escandalosa e absurda: a glória de Deus-Pai, Todo Poderoso, se dá pela derrota de Seu Filho, Jesus de Nazaré, pregado na cruz. Paixão e Ressurreição fazem parte do evento histórico por excelência, síntese de toda promessa de Deus, que é Amor, incondicional.

Por isso, seus seguidores, os cristãos, são exortados a imitar as chagas de Cristo. O sacrifício salvífico não faz distinção entre amigos e inimigos, mas convida a todos à santidade. Cristo não morreu para redimir só o cristão, morreu para redimir a humanidade. Como diz um de seus grandes apóstolos: “que eu jamais venha a me orgulhar, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio da qual o mundo já foi crucificado para mim, e eu para o mundo”. Não existe cristianismo, não faz sentido falar em redenção, sem o reconhecimento desse fracasso de Deus que foi pendurado na cruz para nos salvar.

Vou insistir mais um pouco nesse ponto para mostrar a diferença fundamental entre as duas experiências religiosas de submissão e martírio: Todo ano litúrgico cristão gira em torno da Páscoa. Na verdade, a criação do mundo tem um único propósito: a salvação do homem. É, pois, evento salvífico. Deus não exige martírio, guerra em seu nome, não exige submissão. Exige amor, incondicional. No dia da Páscoa se celebra isto: Deus se fez carne e habitou entre nós — por amor. Viveu, comeu, sorriu e chorou — por amor. Foi crucificado, morto e sepultado — por amor. Ressuscitou no terceiro dia e deu esperança de que seu verdadeiro reino há de vir: onde haverá a remissão dos pecados, a ressurreição da carne e a vida eterna.

No martírio cristão, não há qualquer possibilidade de se fazer guerra contra os “inimigos”. O único compromisso do cristão é o amor. Portanto, os grandes mandamentos só podem ser o de “amar a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento” e “ao próximo como a ti mesmo”. A exigência do amor de Cristo é difícil porque não exorta a guerra e a destruição do inimigo; muito pelo contrário, o cristão deve acolher e amar também os seus inimigos. Pois, como ensina São Paulo, “ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”

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