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A defesa do aborto como celebração da morte
| Foto: Pixabay

Em maio de 2018, a Irlanda, país de maioria católica, aprovou a legalização do aborto nos primeiros três meses de gravidez, com 66,4% de votos a favor. Em um vídeo que ganhou notoriedade, é possível ver mulheres rindo, chorando e se abraçando em comemoração, quando foi anunciado o funesto resultado do referendo. O senado da Argentina, país também de maioria católica, aprovou em dezembro de 2020 a realização do aborto até três meses e meio de gestação, com 38 votos a favor, 29 contra e uma abstenção. A sessão foi presidida pela esquerdista Cristina Kirchner, vice-presidente argentina. Em fevereiro de 2022, a corte constitucional da Colômbia, outro país de maioria católica, aprovou a realização do aborto até o sexto mês de gravidez. E, pelo que se viu em fotos e vídeos que circularam amplamente nos meios de comunicação e redes sociais, as celebrações da morte na Argentina e na Colômbia ocorreram sem nenhum dos cuidados requeridos de distanciamento social ou do uso de máscaras, tão rigidamente defendidos por governos, especialistas e meios de comunicação durante os tempos da pandemia de Covid-19. Cuba, Guiana, México e Uruguai também permitem o aborto na América Latina.

As esquerdas adoram a morte

Estas decisões a favor do aborto foram efusivamente celebradas por esquerdistas no Twitter. A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) afirmou que a decisão da Corte colombiana era “uma vitória histórica para as mulheres na América Latina”. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) celebrou o que ela supõe ser “uma conquista histórica do movimento feminista”. E ganhou notoriedade o fato de a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) ter comemorado a aprovação do aborto na Colômbia para depois, mais tarde, apagar o comentário. Em sua publicação, a comunista afirmou que o aborto é “um tema de saúde pública” e classificou a decisão como “histórica!”.

Em outubro de 2018, o então candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad, e sua vice, Manuela D'ávila, participaram de missa na Paróquia Santos Mártires, na Diocese de Campo Limpo. Ambos receberam a Ceia do Senhor na missa e ganharam o apoio do padre, Jaime Crowe, que pediu votos ao petista. Alguns dias depois, a Diocese de Campo Limpo divulgou uma nota de esclarecimento, em que afirmou que “o sacerdote responsável pelo evento em tela [...] praticou esse ato sem prévia comunicação e à revelia do Sr. Bispo de Campo Limpo, e foi devidamente advertido segundo as normas do Direito Canônico”. Importa destacar que, para a tradição cristã, todos são convidados a participar do culto público a Deus. Mas comungar a Ceia do Senhor sem ser cristão genuíno é pecado grave. Aqueles que assim o fazem participam da Ceia para sua própria condenação: “Pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. É por isso que há entre vocês muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (1Coríntios 11.29,30).

No Brasil o aborto é considerado delito pelo Código Penal e passível de prisão, para as mulheres que se submetem e para quem o realiza. O aborto só pode ser realizado em três situações: a gravidez é resultado de estupro; para salvar a vida da mulher; e quando é gravidez de feto anencéfalo. Mas, em janeiro desse ano, Carmen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal participou de reunião com lideranças esquerdistas para definir a agenda política das eleições deste ano, incluindo na pauta a liberação do aborto. A carta preparada como resultado da reunião afirma como “primordial e imprescindível” a “manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”. Entre os apoiadores da carta há notórias defensoras da legalização do aborto, de ideias feministas radicais, da ideologia de gênero, além de lideranças de partidos de esquerda, como o PT e o PSOL, e do Movimento dos Sem-Teto.

É importante destacar que, como a Gazeta do Povo revelou, em matéria de junho de 2021, o bilionário George Soros investiu cerca de US$ 32 milhões no Brasil entre os anos de 2016 e 2019, sobretudo para entidades ligadas a pautas de esquerda, tais como a liberação de drogas, o desarmamento da população e a legalização do aborto. Mas, em consulta realizada pela Paraná Pesquisa, em janeiro de 2021, revelou que a ampla maioria dos brasileiros é contrária ao aborto: 79% dos mais de dois mil entrevistados disseram ser contrários à liberação do aborto em qualquer situação, e apenas 16,6% foram favoráveis. Mas, à semelhança da Colômbia, a rejeição popular pode não ser impedimento para que alguns ministros do STF tentem enfiar a liberação do aborto goela abaixo dos brasileiros, na canetada, atropelando inclusive o Congresso federal.

De acordo com o Worldometer, somente nesse ano, até o presente momento, foram realizados 8,5 milhões de abortos no mundo todo. E o “aborto como o termo mais comum – e como empregado nas estatísticas apresentadas aqui – refere-se ao aborto induzido de uma gravidez humana [resultante da remoção de um feto ou embrião antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero], enquanto a interrupção involuntária da gravidez é geralmente denominada de aborto espontâneo”, designando a morte natural do embrião ou feto antes de este ter a capacidade de sobreviver fora do útero. Os dados sobre aborto induzido exibidos no contador do Worldometer são baseados nas últimas estatísticas sobre abortos em todo o mundo, publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a OMS, todos os anos no mundo ocorrem cerca de 40 milhões a 50 milhões de abortos. Isso corresponde a aproximadamente 125 mil abortos por dia. Os números totais são chocantes e horripilantes.

Os abortistas usam eufemismos como “saúde da mulher”, “saúde sexual e reprodutiva”, “direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, a destruição do “produto da concepção’”, a destruição de um feto, a “evacuação do conteúdo uterino”, a “remoção pós-conceptiva do conteúdo da fertilidade” para abordar a liberação do aborto de forma velada. Mas aqueles que defendem o aborto não estão preocupados com as vidas não-nascidas que estão sendo assassinadas num holocausto macabro, nem com a saúde física e psicológica das mulheres que abortam.

Como o clérigo batista John Piper afirmou, “Satanás particularmente vai atrás de bebês. Ele o fez nos dias de Moisés, ele o fez nos dias de Jesus”. E Satanás continua agindo na atualidade contra os bebês. Logo, como os cristãos podem votar ou apoiar candidatos e partidos que defendem o aborto – que é, na verdade, a celebração da morte?

O testemunho cristão em prol da vida

A Escritura Sagrada ensina que a vida começa na concepção e deve ser respeitada. Também reconhece a fase pré-natal da vida como sendo uma criança e não como um produto alternativo na concepção. E não há distinção no valor da vida da criança nascida e da não nascida. Em suma, toda a vida é valiosa e intocável para Deus – pois somente Deus, o autor da vida, possui o direito de decidir quem vive e quem morre. Também afirma que a pessoa é portadora da imagem divina sempre que houver vida – independente de considerações como nascimento ou mesmo quaisquer obras meritórias. Assim, o único Deus deu a Israel uma lei que regulava a vida da criança até antes de nascer: “Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas, se houver dano grave, então o castigo será vida por vida” (Êxodo 21.22-23). Em síntese, o aborto seria uma quebra do mandamento “não assassinarás” (Êxodo 20.13; Deuteronômio 5.17). Deste modo, Walter Kaiser Jr. resumiu o ensino global da Escritura quanto ao aborto: “Deus demonstra enorme respeito e cuidado pelo embrião desde os primeiros instantes de sua concepção até o dia de sua morte. Nenhum de nossos dias, seja anterior ao nascimento seja posterior a ele, é irrelevante para Deus. Ao contrário, ele deseja que cada pessoa feita à sua imagem cumpra os propósitos para os quais foi criada”.

Assim sendo, a cultura judaica na Antiguidade rejeitava totalmente o aborto. Como Flávio Josefo escreveu: “A Lei ordenou que todas as crianças recebam a devida criação e proibiu as mulheres de abortar ou destruir a semente; a mulher que o faz será julgada como assassina de crianças, porque fez com que uma alma se perdesse e que a família de um homem fosse diminuída”.

E a rejeição do aborto foi afirmada consistentemente na história da igreja cristã. Alguns exemplos de clérigos cristãos e concílios eclesiásticos da Antiguidade ilustram este ponto. No Didaquê se lê: “Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido”. Na Epístola de Barnabé foi registrado: “Não te ligues àqueles que andam no caminho da morte. [...] Não mates a criança no seio da mãe, nem logo que ela tiver nascido”. Atenágoras de Atenas afirmou: “As mulheres que tentam o aborto cometem homicídio e terão que dar contas a Deus por ele”. De acordo com Tertuliano de Cartago: “Em nosso caso, já que proibimos o homicídio em qualquer forma, não podemos destruir nem sequer ao menino na matriz... Impedir que nasça um menino é somente uma forma de matar. Não há diferença se mata a vida do que nasceu já, ou se mata a vida do que não nasceu ainda”. Segundo Basílio de Cesaréia: “As mulheres que proporcionam remédios para causar o aborto assim como as que tomam as poções para destruir aos meninos não nascidos, são assassinas”. E Jerônimo de Estridão, conhecido pela tradução das Escrituras para o latim (conhecida como Vulgata), escreveu: “Algumas, ao dar-se conta de que ficaram grávidas por seu pecado, tomam remédios para procurar o aborto, e quando (como ocorre frequentemente) morrem de uma vez, entram no baixo mundo carregadas não só com a culpa de adultério contra Cristo, mas também com a do suicídio e do assassinato de meninos”. O concílio de Elvira, ocorrido em 305, excluiu até a morte os que praticassem o aborto. E o concílio de Ancira, de 314, excluiu da ceia do Senhor, por toda a vida, a mulher que realizasse um aborto, e estabelecia uma penitência de dez anos para que pudesse voltar à igreja.

Tomás de Aquino, no século 13, escreveu que de “nenhum modo é lícito matar ao inocente [o feto ainda no ventre da mãe]”. Além disso, ele afirmou que o que “fere a mulher grávida faz algo ilícito, e, por esta razão, se disso resulta a morte da mulher ou do feto animado, não se desculpa do crime de homicídio, sobretudo, quando a morte segue certamente a esta ação violenta”.  Assim, o aborto é assassinato e, por isso, deve ser evitado de todas as formas, pois “alguns matam somente o corpo, mas outros matam a alma, tolhendo-a a vida da graça, ou seja, arrastando-a ao pecado mortal; outros, porém, matam a ambos, o corpo e a alma: são os suicidas e aqueles que matam as crianças que ainda não nasceram [por meio da prática do aborto]”.

O reformador João Calvino escreveu no século 16: “O feto, mesmo apegado ao ventre da mãe, é, contudo, um ser humano e é um crime monstruoso roubar-lhe a vida antes que ele possa usufrui-la. Se nos parece mais horrível matar um homem em sua própria casa do que no campo, porque a casa de um homem é o lugar de refúgio mais seguro, deve parecer-nos maior atrocidade destruir um feto no ventre, antes que ele seja dado à luz”.

No século 20, o mártir luterano Dietrich Bonhoeffer, que escreveu que “o teste de moralidade de uma sociedade é o que ela faz com suas crianças”, asseverou: “O extermínio do fruto no ventre materno é atentado ao direito de vida conferido por Deus à vida em formação. A discussão da pergunta se aqui já se trata de um ser humano só leva confusão ao simples fato de que Deus, em todo caso, quis criar um ser humano aqui e que desse ser humano em formação se tirou a vida deliberadamente. Ora, isso outra coisa não é do que assassinato”.

E o Catecismo da Igreja Católica oferece um fiel testemunho da crença cristã sobre o aborto: “A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida. [...] A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral. [...] A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a pena canônica da excomunhão este delito contra a vida humana. [...] A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a sociedade. O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação [...]. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano. O diagnóstico pré-natalé moralmente lícito, desde que ‘respeite a vida e a integridade do embrião ou do feto humano, e seja orientado para a sua defesa ou cura individual [...]. Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se previr, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico [...] não pode ser equivalente a uma sentença de morte’”.

E se deve destacar a ação da igreja cristã frente ao mal do aborto. Como escreveram D. James Kennedy e Jerry Newcombe: “Na antiga Roma, muitos recém-nascidos foram adotados pelos cristãos e preservados por causa da sua fé em Cristo. O aborto desapareceu [...] [no Império Romano tardio], assim como o infanticídio e o abandono de bebês. Houve mesmo um apelo para que as crianças rejeitadas fossem trazidas à igreja. Foram fundados orfanatos e lares para acolher estas crianças. Tais práticas, embasadas numa visão valorativa em favor da vida, influenciaram a civilização ocidental no desenvolvimento de uma ética da vida humana que permanece até hoje”.

Uma direção para o futuro

Quando uma pessoa ou sociedade se coloca no lugar de Deus, para determinar se a vida é viável – quer antes, quer depois do nascimento – ela está rejeitando a soberania do Criador. Devemos lembrar que o Holocausto judeu na Segunda Guerra Mundial se fundamentou na crença de que algumas vidas eram dispensáveis. Como resultado, o nacional-socialismo assassinou os indesejáveis, os deficientes físicos e mentais e, eventualmente, os incapacitados de servirem à Alemanha. Mas, como aprendemos na Escritura, quando são estabelecidos critérios fora da revelação divina para o que constitui vida, estes estão não somente errados – mas serão alvo do julgamento de Deus.

Ao mesmo tempo que cristãos podem fundar organizações em defesa da vida, expressar suas opiniões às autoridades para influenciar a opinião daqueles investidos de funções públicas, podem aconselhar aos que estão às voltas com uma gravidez indesejável sobre a alternativa da adoção. Mas, sobretudo, diante da cultura da morte que vai engolfando e predando o Ocidente, os cristãos devem orar para que Deus tenha misericórdia de seu povo, batizado no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e o reavive; pois somente uma igreja verdadeiramente cristã pode reintroduzir marcos civilizatórios em nossa época, inclusive a celebração da vida – nunca da morte.

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