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“A lei divina e moral”, de John La Farge, no prédio da Suprema Corte do estado de Minnesota (EUA).
“A lei divina e moral”, de John La Farge, no prédio da Suprema Corte do estado de Minnesota (EUA).| Foto: Bob Herskovitz/Minnesota Historical Society/Wikimedia Commons

Tendo em vista a influência que a ideologia do movimento de justiça social tem exercido sobre muitos, inclusive na igreja cristã, a editora Vida Nova lançou neste primeiro semestre de 2022 a importante obra Por que a justiça social não é a justiça bíblica: um apelo urgente aos cristãos em tempos de crise social. O autor do livro, Scott D. Allen, é o coordenador mundial da Disciple Nations Alliance. Ele também serve na Food for the Hungry International (FHI), uma organização cristã internacional de socorro e desenvolvimento, desde 1989. Ele também atuou como missionário no Japão, ensinando inglês em igrejas locais na área de Osaka. Mora atualmente em Phoenix, Arizona, nos Estados Unidos. Esta apresentação da obra foi escrita com a ajuda de Willy Robert Henriques, que é graduado em Teologia pelo Seminário Martin Bucer, mestrando em Divindade pelo Seminário Martin Bucer, aluno de Relações Internacionais e participante do programa Mastership da Stand With Us Brazil. Atualmente é pastor auxiliar da Igreja Batista de Brazlândia em Santa Fé de Minas, em Minas Gerais.

Definindo a justiça social

O conceito de justiça social sugere que esta seja “[a] desconstrução dos sistemas e estruturas tradicionais tidas como opressoras e [a] redistribuição de poder e recursos dos opressores para suas vítimas na busca de igualdade de resultado”. É com essa definição que Scott David Allen inicia seu livro. Além da definição de justiça social, o autor também se preocupa em definir a justiça bíblica, ainda no começo do livro. Para ele, a justiça bíblica é a “conformidade com o padrão moral de Deus revelado nos Dez Mandamentos e na Regra Áurea: ‘ama o teu próximo como a ti mesmo’”. Portanto, ele apresenta como a Bíblia conceitua a justiça e mostra como a ideia da justiça social é completamente oposta ao que a Bíblia fala a respeito de justiça, mas também como tal ideia se distancia muito da forma como a justiça foi compreendida ao longo da história na cultura ocidental.

No primeiro capítulo, o autor aborda a “justiça estranha”. Ele procura mostrar como a ideia de justiça social é um conceito equivocado de justiça. E ele faz isso rememorando um discurso do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, no qual ele fala do aborto e desafia os americanos a trabalharem juntos para “construir uma cultura que promova a vida inocente e reafirmem que todas as crianças foram criadas à santa imagem de Deus”. Stacey Abrams, ex-candidata ao governo do estado da Geórgia, respondeu ao discurso de Trump defendendo o direito ao aborto legal evocando o conceito de “justiça reprodutiva”. Não foi Abrams que cunhou tal conceito, mas o uso que ela faz deste conceito diz respeito a um “direito ao aborto dos filhos não nascidos”. De acordo com essa ideia, o nascituro não é completamente humano, ele é propriedade da mãe, e ela tem o direito de exercer sua “autonomia física pessoal” e fazer o que bem quiser com seu corpo. De acordo com o autor, todos os anos, 250 mil nascituros negros morrem em abortos. Só na cidade de Nova York, o número de abortos de bebês negros supera o número de bebês nascidos com vida. Como o autor destaca, isso é realmente justiça?

“Justiça” é uma ideia totalmente bíblica. No entanto, essa nova ideologia denominada “justiça social” está muito longe da compreensão bíblica de justiça

O autor argumenta que nos últimos 200 anos o Ocidente sofreu uma inversão de valores ao separar a justiça de Deus da Lei de Deus, o que levou ao caos moral que vivenciamos hoje. E tudo isso abriu as portas para a disseminação de uma injustiça terrível – em nome de uma suposta justiça. Poucos são os cristãos que têm ao menos uma vaga ideia dessa inversão ideológica, e consequentemente não conseguem enxergar o perigo a que todos estamos expostos. Com isso, quando os cristãos ouvem falar em “justiça social”, não imaginam que há uma enorme diferença entre tal justiça e a justiça bíblica. Vale enfatizar que “justiça” é uma ideia totalmente bíblica. No entanto, essa nova ideologia denominada “justiça social” está muito longe da compreensão bíblica de justiça, como o autor demonstra.

Uma compreensão bíblica da justiça

No segundo capítulo, “justiça bíblica”, a ideia do autor é apresentar o conceito de justiça de acordo com a Bíblia Sagrada, e mostrar que o foco principal da Bíblia é a justiça de Deus derramada sobre o Senhor Jesus, para salvar os pecadores. Allen associa o conceito de justiça com “retidão”. Ele também atrela a justiça à moralidade. Com isso, o autor entende que justiça não consiste apenas em obedecer a leis elaboradas pelos homens. Na verdade, às vezes a justiça exige que desobedeçamos às leis criadas pelos homens.

Martin Luther King é citado como alguém que acreditava haver uma lei superior à lei dos homens – no caso, a Lei de Deus, que Greg Koukl chama de “Lei sobre tudo e todos”. Portanto, a justiça, em termos bíblicos, é conformidade com essa Lei superior. Nesse sentido, justiça é o mesmo que verdade. Ela requer um ponto fixo de referência, cuja existência se dá à parte das leis humanas e das nossas crenças sobre o que é bom e certo. É um padrão diante do qual até os mais poderosos têm de prestar contas. Sem essa Lei superior, a justiça se torna arbitrária e muda conforme quem esteja no poder. Daí surge a questão: de que maneira os seres humanos finitos e falíveis descobrem esse padrão moral? Nós o encontramos em Deus, o Criador do universo, cujo caráter é bondade, retidão e santidade – e que revela essa Lei na Bíblia. E o autor cita o reformador francês João Calvino, que afirmou que “a Lei revela o caráter de Deus. Ele é o fio de prumo moral que determina o que é bom e certo para todos os povos de todas as eras”.

Justiça é o mesmo que verdade. Ela requer um ponto fixo de referência, cuja existência se dá à parte das leis humanas e das nossas crenças sobre o que é bom e certo. É um padrão diante do qual até os mais poderosos têm de prestar contas

O autor também afirma que existe outro tipo de justiça, a justiça distributiva. Tal justiça é reservada para as autoridades ordenadas por Deus, entre elas: os pais no lar, o clérigo na igreja e as autoridades civis do Estado. A justiça retributiva exige que as autoridades julguem imparcialmente, tratando a todos igualmente perante a Lei, porque é assim que Deus, a autoridade suprema do universo, nos trata igualmente. Assim, se justiça significa tratar os outros em conformidade com o padrão moral perfeito de Deus, é preciso então que admitamos que a injustiça permeia nosso mundo decaído. Devido à nossa natureza caída, ficamos indecisos diante da justiça. Clamamos por justiça quando nós ou nossos amigos são maltratados, mas a justiça se torna inconveniente para nós quando somos nós os que maltratamos. Simplesmente não há como negar. Somos todos culpados de injustiça pelo único padrão que realmente importa, a Lei de Deus. Somos todos delinquentes. A cruz é a solução decisiva de Deus para lidar com o mal e com a injustiça neste mundo. O sacrifício ocorrido no Calvário permitiu que esse objetivo fosse alcançado, e que só se realizará plenamente quando o Senhor Jesus voltar em triunfo, no Dia final.

No terceiro capítulo, “justiça antes do juízo”, a discussão gira em torno da forma como Deus aplica sua justiça nesse mundo caído por meio da graça comum, destacando a noção de que a plena justiça será aplicada no juízo final. Aqui, o autor mostra que a justiça social ideológica se baseia na crença de que o mal e a injustiça são produto de grupos dominantes, que criam sistemas e estruturas que marginalizam os demais, e promovem seus próprios interesses. Ironicamente, essa crença poder ser usada para marginalizar e desumanizar pessoas que se acham num grupo cultural dominante, tais como homens, brancos e heterossexuais. Tal posicionamento não leva em conta que antes do retorno do Senhor Jesus não haverá nenhuma sociedade justa, mas haverá, sim, algumas sociedades mais justas que outras.

No quarto capítulo, “justiça redefinida”, o autor fala sobre a noção de cosmovisão, e de como um cristão deve cultivar uma cosmovisão bíblica para não ser seduzido pelas noções de “justiças sociais” que surgiram na atualidade. Allen também apresenta e critica a ideia da justiça redefinida, segundo a qual deve haver um esfacelamento das estruturas e sistemas tradicionais, considerados opressores, e pela redistribuição de poder e de recursos dos opressores às vítimas em busca de igualdade de renda.

Outro ponto destacado por Allen é que a justiça social mudou radicalmente o entendimento comum de justiça. Na contramão da compreensão judaico-cristã de justiça, essa nova ideologia se caracteriza: a) pela obsessão com o poder, a opressão e a vitimização – para essa ideologia, o mundo está dividido entre opressores maus e vítimas inocentes; b) pelo uso de táticas que lembram a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, na China, e uma metodologia segundo a qual “os fins justificam os meios”; c) pela fixação na classe, raça, gênero e orientação sexual como características definidoras da identidade pessoal; d) pela hostilidade à religião judaico-cristã, particularmente por suas crenças a respeito da família e da sexualidade; e) pela antipatia em relação à família natural e, especificamente, pela autoridade dos pais sobre os filhos e pela autoridade do marido no lar; e) pela fixação na redistribuição de riqueza e de poder por um Estado cada vez maior.

O autor avança, mostrando que essa ideologia altamente influente é demasiado perigosa. Trata-se de uma espécie de ácido cultural, que corrói os pilares centrais de uma sociedade livre, justa e aberta, e não deve, de forma alguma, ser ignorada. Allen se preocupa em expor como a justiça social é uma “evolução” do marxismo. Enquanto o marxismo tradicional, que ele chama de “marxismo 1.0”, tinha seu foco na luta entre vítimas oprimidas e sistemas e estruturas opressoras – como o capitalismo, por exemplo –, o marxismo da justiça social, que ele denomina de “marxismo 2.0”, inclui em sua lista beligerante as etnias, o sexo – masculino versus feminino – e o gênero, no caso, com as ênfases proclamadas pelos grupos LGBTQ+.

Desmascarando a ideologia da justiça social

No quinto capítulo, “princípios fundamentais da ideologia”, Allen apresenta os princípios fundamentais da ideologia da justiça social e contrapõe cada um deles com a cosmovisão bíblica, respondendo biblicamente cada aspecto desta ideologia. O autor mostra que a ideologia da justiça social tira do ser humano sua individualidade, ou seja, não trata as pessoas como um indivíduo único criado à imagem e semelhança de Deus, mas sim de um ser pertencente a um grupo, cuja identidade é definida pelo grupo. Citando Jordan Peterson, o autor mostra que a justiça social “nega a existência do indivíduo. [...] [Ela diz que] somos um avatar dos interesses de nosso grupo”. Pode-se afirmar que a justiça social ideológica social tira do indivíduo aquilo que lhe é definidor, ou seja, sua humanidade.

Além de despersonalizar o ser humano, a justiça social também altera o sentido bíblico de qual realmente é o problema do ser humano. Enquanto a Bíblia afirma que o problema principal do ser humano é o seu pecado e sua rebelião contra Deus, a justiça social afirma que o problema do ser humano, como membro de um grupo, e sendo definido por tal grupo, é a opressão. Nessa visão não há espaço para a Queda, ou para o mal que habita o coração do ser humano. Pelo contrário, o mal está fora do homem, especificamente nas estruturas sociais, nos sistemas, instituições, leis e normas culturais que perpetuam desigualdades e concedem a um grupo poder e privilégios à custa de outros grupos. Com isso, a resposta que a justiça social ideológica dá a tais problemas é a “revolução”. As vítimas oprimidas e seus aliados devem se unir para desmascarar, desconstruir, em última análise derrubar as estruturas de poder opressoras. Como desenvolvimento da revolução, a justiça social ideológica defende a busca pela soma zero, ou seja, os bens dos ricos devem ser dados aos pobres para, dessa forma, se chegar à soma zero, nem mais nem menos – para um ou para outro.

Além de despersonalizar o ser humano, a justiça social também altera o sentido bíblico de qual realmente é o problema do ser humano

No capítulo seis, “valores e desvalores da ideologia”, o autor apresenta os dois valores da justiça social, igualdade e diversidade, bem como apresenta dois desvalores, a civilização ocidental e os Estados Unidos. Ao falar da igualdade, o autor mostra que a ideia é profundamente bíblica; no entanto, a interpretação que a justiça social faz do termo difere enormemente do que está revelado na Escritura. A Bíblia entende a igualdade como sendo algo que todos os seres humanos têm, como portadores da imagem de Deus. Na visão da justiça social, “igualdade” significa igualdade de resultado, similaridade, uniformidade. A consequência desta noção é que a justiça social transforma pessoas diversas em seres indistintos. O autor também aborda como a justiça social lida com o aborto. Para esses, o aborto não é necessariamente um mal, mas sim um bem moral positivo e um direito humano fundamental. Ou seja, “o aborto, em qualquer ocasião, por qualquer motivo, é uma questão de justiça social, de justiça reprodutiva”, segundo os ideólogos da justiça social.

No capítulo sete, “incursões na cultura... e na igreja”, o autor mostra como a justiça social dominou a cultura e a interpretação matriz na cultura ocidental, ao mesmo tempo que domina também certas denominações protestantes. Algumas destas denominações tradicionais se conformaram ao discurso da justiça social e substituíram o evangelho como confessado e pregado pela igreja durante sua longa história pela novidade do “evangelho social”. Consequentemente, passaram a interpretar o homem não mais como um ser decaído, mas como alguém perfectível. Passaram a entender que o problema da sociedade não era a pecaminosidade humana, mas a desigualdade social. Assim, para os adeptos da justiça social, a solução não seria a regeneração espiritual interior, mas programas de governo externos criados com o objetivo de reformular a sociedade e eliminar as desigualdades sociais.

O autor também mostra as incoerências dos chamados “pastores progressistas”, que, além de um engajamento equivocado em relação às questões sociais, passaram a destacar acima dos demais grupos tidos como oprimidos, tais como as mulheres, a comunidade LGBTQ+ e minorias raciais. Por fim, o autor apresenta como contraponto exemplos de pessoas que se engajam nas questões sociais de forma correta e moralmente justas. Também dedica espaço para tratar do controvertido grupo esquerdista Black Lives Matter. Segundo ele, o movimento, apesar de afirmar que vidas negras importam, acaba sendo bem seletivo em relação a quais vidas realmente importam. O foco geralmente está nas vítimas da brutalidade policial, mas o movimento não diz uma palavra sobre as milhões de vidas negras inocentes destruídas pelo aborto legalizado. Ou sobre os inúmeros negros mortos todos os dias devido à violência de gangues em áreas abandonadas das cidades. Ou os incontáveis policiais negros mortos no cumprimento do dever. Ou as inúmeras crianças sujeitas a frequentar escolas deficitárias, sem chance de melhorar suas oportunidades de aprendizagem.

Um caminho melhor

No último capítulo, “expulsando uma cosmovisão ruim e propondo outra melhor”, Allen finaliza sumarizando como a Escritura Sagrada tem as respostas corretas para os diversos anseios e necessidades humanas – em vez da distorção que os ideólogos de esquerda fizeram com o conceito de justiça, e que cristãos ingenuamente adotam. E mostra como o cristão, guiado pela Bíblia, age na busca correta pela justiça, tendo Deus e sua Palavra como parâmetro. Em outras palavras, mostra como os seres humanos têm, a partir da revelação de Deus na Escritura Sagrada, uma plataforma de direitos inalienáveis, de valor intrínseco e de liberdade para se desenvolverem. Assim, como o autor escreve: “Minha oração fervorosa é que este livro possa servir como sinal de alerta aos meus irmãos e irmãs evangélicos. Isto é o que lhes peço: identifiquem e rejeitem a falsidade [da justiça social]. Lembrem-se do que é a verdadeira justiça. Apeguem-se a essa verdade, por mais impopular que seja. Falem dela abertamente. Mostrem a verdade. Sejam o sal e a luz que Jesus nos ordena que sejamos”.

Portanto, concluamos com um dos endossos à obra, escrito pelo clérigo batista Tom Ascol:

“O movimento moderno de justiça social é um cavalo de Troia que tem sido acolhido por muitos grupos evangélicos com um estardalhaço que faria corar os cidadãos de Troia. Com o pretexto de amar o próximo e de lutar pela justiça, as ideologias contrárias ao caminho de Cristo estão sendo usadas para impor programas à consciência dos evangélicos e formatá-las. Como se valem de termos bíblicos, cria-se uma presunção do que a Bíblia quer dizer, e esse pressuposto está destruindo o pensamento cristão sadio, bem como o viver cristão saudável. Scott Allen sabe disso e prestou um enorme serviço aos cristãos revelando o que está dentro do cavalo. Ao investigar a história das ideologias neomarxistas e pós-modernas que animam o movimento de justiça social, Allen expõe sua pauta de desconstrução e seus métodos profanos. Mais importante ainda do que isso, ele oferece um panorama útil da justiça genuína conforme revelada pelo Deus justo nas Sagradas Escrituras. Há muito que precisávamos de um livro como esse. Todo cristão sério, principalmente os pastores, precisam lê-lo e guardar a sabedoria que ele traz.”

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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